Nem todos dizem amém

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Imagem gerada por inteligência artificial.

Elizabeth Hernandes, EàE-DF

Em uma semana em que se pensa que mais nada causará espanto, chamou a atenção do mundo a atitude da líder da cerimônia religiosa que fazia parte da programação da posse do presidente dos Estados Unidos.

Num primeiro momento, pode-se imaginar que alguém, entre os responsáveis pelos festejos, cometeu uma grave falha. Por outro lado, é possível pensar que ninguém poderia prever que haveria uma pessoa ousada o suficiente para confrontar Trump daquela forma — serena e lúcida — e na frente de, literalmente, todo o mundo.

A bispa episcopal de Washington, Mariann Edgar Budde, liderou a cerimônia por sua posição na hierarquia da igreja. Ela atua como líder espiritual de 86 congregações episcopais e dez escolas episcopais no Distrito de Columbia e em quatro condados de Maryland, sendo a primeira mulher eleita para esse cargo. Segundo sua biografia, divulgada pela Diocese, “Ela acredita que Jesus convida todos os que o seguem a lutar por justiça e paz e a respeitar a dignidade de cada ser humano. Para esse fim, a bispa Budde é uma defensora e organizadora em apoio a causas de justiça, incluindo equidade racial, prevenção da violência armada, reforma da imigração, inclusão total de pessoas LGBTQ+ e o cuidado da criação.”

Ela também é autora dos livros Como Aprendemos a Ser Corajosos: Momentos Decisivos na Vida e na Fé, Recebendo Jesus: O Caminho do Amor e Reunindo os Fragmentos: A Pregação como Prática Espiritual.

O mundo inteiro viu a bispa Mariann pedir misericórdia para homossexuais e imigrantes ao homem que se considera o mais poderoso do mundo. Em voz serena e firme, ela fez o que se espera de uma discípula do palestino Jesus de Nazaré: defendeu os mais fracos diante dos poderosos, sem medir consequências e sem se intimidar. Teve a coragem de pedir.

A voz de Mariann ressoa:

“Peço que tenha misericórdia, senhor presidente, daqueles em nossas comunidades cujos filhos temem que seus pais sejam levados embora. E que ajude aqueles que estão fugindo de zonas de guerra e perseguição em suas próprias terras a encontrar compaixão e boas-vindas aqui. Nosso Deus nos ensina que devemos ser misericordiosos com o estrangeiro, pois todos nós já fomos estrangeiros nesta terra.”

(…)

“Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas.”

Mais um episódio que demonstra não haver fronteiras entre religião e política, pois, afinal, não há fronteiras entre política e qualquer instituição humana. A religião, na maioria das vezes, é usada para oprimir, mas há um outro estadunidense que estabelece uma diferenciação importante. George Vaillant, psiquiatra e autor de Fé: Evidências Científicas, faz uma distinção simples entre religiosidade e espiritualidade. Em seu livro, ele afirma que a religião pode trazer consolo e libertação, mas também dor e opressão, enquanto a espiritualidade traz apenas consolo e libertação.

A humanidade ganha quando encontra religiosos que cultivam a espiritualidade. Mariann Edgar Budde “é dessas”, uma pessoa “fora do padrão” em um mundo influenciado por um homem branco com ideias fascistas. Ela é mulher, idosa (65 anos) e não tem medo de pedir misericórdia.

É claro que já está colhendo as consequências de sua ousadia. Foi pressionada publicamente a pedir desculpas por ter clamado por misericórdia em uma cerimônia que deveria apenas abençoar um governo implacável. Assessores da autoridade que deveria ter sido abençoada já divulgaram que uma pessoa como ela deveria ser deportada do “reino maravilhoso” dos Estados Unidos.

O discurso da reverenda traz esperança, lembrando-nos de que, no mesmo dia em que começa o arbítrio, sempre começa a resistência.

Nem todos dizem amém.

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