Eis a mais nova coluna de Isabel Guimarães para a página “Espíritas à esquerda”. Nesse texto exclusivo para nossa página, Isabel fala sobre a pandemia do novo coronavírus e as oportunidades de crescimento da humanidade.
Coronavírus um olhar científico e espiritual
Isabel Guimarães
Que Deus nos livre da ignorância que mata e das religiões que mistificam.
Em 30 de janeiro de 2020 A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (Covid-19).
Imediatamente o mundo se voltou para este assunto, nas redes sociais, nas rodas de conversas e em dezenas de vídeos publicados na internet, por profissionais renomados e por leigos, que de repente se tornaram “especialistas” em infectologia, então o coronavírus passou de um ilustre desconhecido para a maioria da população à condição de “pop star”.
Neste exato momento em que escrevo essa pequena reflexão, certamente, centenas de vídeos, áudios e textos estão sendo freneticamente editados e lançados na terra de ninguém, que se chama internet, espaço no qual as pessoas se sentem à vontade para se expressar, com ou sem compromisso com a verdade dos fatos, com ou sem compromisso com a ciência, valendo a lei da “achologia”, ciência livre na qual cada um acha o que bem entende.
O problema aqui é que se trata de um novo vírus e com um grande potencial de disseminação, e conhecer o que realmente está acontecendo é fundamental na proteção à saúde e na preservação da vida das pessoas. Então cabe a reflexão em torno da responsabilidade na divulgação e disseminação de informações falsas, por ignorância ou má fé. Assim como cabe também a disposição de compartilhar informações que possam reduzir danos e evitar mortes.
Reduzir a velocidade de transmissão é o grande desafio da saúde pública, pois significa reduzir sobrecarga dos hospitais e unidades de saúde, reduzir a carga de trabalho dos profissionais de saúde e sua exposição ao vírus, ganhar tempo para que se entenda melhor a doença e se descubram tratamentos adequados e, finalmente, desenvolva-se uma vacina eficaz. Na perspectiva dessas reduções é que as medidas de controle, que podem parecer drásticas, estão-se pautando.
Quando me refiro a um olhar espiritual, quero deixar claro que não estou falando em nome do espiritismo, mas em meu próprio nome como espirita há mais de 25 anos, pois a nossa leitura dos acontecimentos esbarra nas limitações permitidas pela nossa existência atual, circunscrita em um espaço e um tempo.
Por conta do Covid-19, bolsas de valores despencaram, o tal do mercado enlouqueceu, fronteiras fechadas, bares, restaurantes, shoppings esvaziados ou lacrados, eventos cancelados, pessoas desesperadas dominadas pelo medo. Qual o significado social, psicológico e espiritual desse cenário?
— Os mercadores da fé, com seu deus mercantilista procuram responder com o de sempre, pague e receba a graça;
— Os neoliberais, com seu deus mercado, sem preocupação com as pessoas, apenas contabilizam os prejuízos e os possíveis lucros;
— Os grandes empresários, com seu deus dinheiro, pensam apenas em suas perdas ou tentam lucrar com o desespero dos outros;
— Os políticos, com seu deus eleitoreiro, pensam apenas em como usar esse flagelo para derrotar seus adversários nas próximas eleições;
— A classe média, com seu deus ignorância e egoísmo, pensa em fazer estoque de alimentos e desinfetantes, sem nenhuma preocupação com os outros que também precisam;
— Os religiosos fundamentalistas, com seu deus vingativo e cruel, pensam em atrair mais adeptos através do medo, colocando-se como porta-vozes do todo poderoso. Cada um diz que sua igreja é a porta da salvação, desde que se pague o dizimo é claro;
— Os religiosos não fundamentalistas, que se dizem adeptos de religiões progressistas, com seu deus ego, não resistem em buscar explicações ufanistas e rebuscadas evocando anjos vingadores e determinismos que parecem ter saído do misticismo da idade média;
— Os pobres, cada um com seu deus, esperam que no final dê tudo certo e eles sobrevivam.
O flagelo tão pequeno, que nem podemos enxergá-lo a olho nu, como uma caixa de Pandora do século XXI, revela todos os males do capitalismo, arranca-lhe as máscaras, convida-nos a refletir sobre os valores que sustentam uma sociedade individualista e competitiva, na qual as coisas valem mais do que as pessoas e estas são classificadas de acordo com sua capacidade de consumir.
Talvez o convite seja para uma reflexão profunda a respeito do que realmente importa nessa vida. O isolamento social forçado, quem sabe, pode-nos levar a valorizarmos o que realmente importa: os afetos, os abraços, a conivência amiga, a conversação edificante, a contemplação da criação divina em sua infinita beleza que nos passa despercebida, porque estamos correndo muito. E para quê? Para onde?
A política neoliberal, sustentada pelo deus mercado, não sabe o que fazer, nem como responder ao caos instalado. Os defensores do estado mínimo e mercado máximo correm atrás do estado para lhes tirar da bancarrota, as empresas se preparam para demissão em massa, a pobreza crescente aumenta os riscos de contaminação e, junto, cresce também a violência urbana, porque a teoria capitalista é: os lucros são meus e os prejuízos são nossos. Como os governos do mundo inteiro vão responder à profunda crise que se aproxima?
O pequeno vírus agora demonstra a importância da ciência. E aqueles que nos últimos dois anos aplaudiram um governo que atacou as universidades públicas, berço da pesquisa de qualidade no país, desconsiderou os cientistas e reduziu drasticamente os investimentos em saúde e educação, anseiam agora que a ciência os salve. Parece ironia do destino, mas há uma sabedoria universal em tudo isso, a salvação não está nos templos religiosos, mas na saúde e na educação.
E do ponto de vista psicológico, o que está acontecendo com as pessoas? As mazelas também aprecem, o medo arranca à força as máscaras, elas entram em contado com seus anjos e demônios que dormem abraçados no seu mundo interno, a sombra pede passagem e se apresenta com força na consciência. Muito difícil para quem usa a máscara do cidadão de bem encarar seus demônios, mas, do ponto de vista da saúde psíquica, esse contato pode ser numinoso, pode derrubar muita gente do pedestal da arrogância, desconstruindo suas ilusões e ao mesmo tempo humanizando e tornando melhores os seres humanos.
Um olhar espiritual para tudo isso nos leva a conclusão que há sim u’a mão invisível, colocando as coisas no lugar devido e demonstrando nossos equívocos, não como castigo ou aniquilação, mas que, de forma pedagógica, convida-nos a rever a forma que constituímos e sustentamos as sociedades humanas.
A sobrevivência da humanidade e sua multiplicação se deu pela força da união, em uma terra inóspita e com nossa fragilidade física frente aos outros habitantes do planeta, e não teria sido possível sem a união e a inteligência da raça humana. Espero que esse pequeno vírus reabilite nossa humanidade e união.
O momento vai passar, o vírus não vai aniquilar a raça humana, vamos sobreviver a mais esse drama, como sobrevivemos a tantos outros ao longo da nossa história na Terra, mas espero que a resultante da experiência seja perene, que de tudo isso possamos sair melhores, mais despertos para a realidade da nossa existência como espíritos imortais vivendo uma realidade compartilhada e aprendendo com ela. Não permitamos que o medo seja o fio condutor dessa rica experiência, cultivemos a paz e o equilíbrio interior, sejamos solidários(as), fraternos(as), pois a saída está na união, na irmandade, na ruptura de um sistema individualista e na construção de um sistema cuja base fundamental seja o bem coletivo.