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“A espiritualidade não pode ser dissociada da luta por justiça social”, diz representante do MDHC no III ENEE

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Durante o III Encontro Nacional da Esquerda Espírita, realizado em 13 de julho de 2024, Fábio Mariano da Silva, representando o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, trouxe à tona questões centrais sobre a interseção entre espiritualidade e justiça social. Em sua palestra, Fábio Mariano destacou a importância de uma abordagem prática e ativa na luta pelos direitos humanos, alinhando os princípios do espiritismo às ações concretas de transformação social.
Fábio Mariano representou o MDHC no III ENEE.

Espiritualidade e Ação Social

Fábio Mariano iniciou sua apresentação ressaltando que a espiritualidade não pode ser dissociada da luta por justiça social. Segundo ele, “os ensinamentos de Allan Kardec nos convocam a atuar em prol dos mais vulneráveis, a combater as injustiças e a promover a igualdade”. Mariano enfatizou que a verdadeira prática espírita deve ir além da caridade individual, engajando-se em ações coletivas que promovam mudanças estruturais na sociedade.

O Papel dos Espíritas na Luta por Direitos Humanos

Mariano argumentou que os espíritas têm um papel fundamental na defesa dos direitos humanos e na promoção de políticas públicas inclusivas. “Nossa espiritualidade deve nos mover a agir, a lutar pelos direitos dos mais oprimidos e a construir uma sociedade mais justa”, afirmou. Ele destacou a importância de os espíritas se envolverem em movimentos sociais, sindicatos e outras formas de organização que lutem pela justiça social.

Educação e Conscientização Política

Um ponto central da palestra foi a defesa da educação e da conscientização política como ferramentas essenciais para a transformação social. Fábio Mariano citou Paulo Freire, enfatizando que “a educação popular é um caminho para a emancipação, permitindo que as pessoas compreendam suas capacidades e direitos”. Ele incentivou os espíritas a promoverem espaços de discussão e aprendizagem que despertem a consciência crítica e política nas comunidades.

Políticas Públicas e Inclusão

Representando o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Fábio Mariano destacou as iniciativas do governo em promover políticas públicas que defendam os direitos das minorias e promovam a inclusão. “É nosso dever, enquanto espíritas e cidadãos, apoiar e colaborar com essas políticas, atuando de forma incisiva na defesa dos direitos humanos”, afirmou Mariano. Ele mencionou que a atuação conjunta entre sociedade civil e governo é crucial para alcançar mudanças significativas e duradouras. A palestra de Fábio Mariano da Silva no III Encontro Nacional da Esquerda Espírita foi um chamado à ação para que os espíritas progressistas se engajem mais profundamente nas questões sociais e políticas. Mariano concluiu sua apresentação reforçando que a prática espírita deve ser um reflexo dos princípios de igualdade e fraternidade, atuando ativamente na construção de uma sociedade mais justa e fraterna. “A transformação social começa com cada um de nós, unidos em prol de um mundo melhor”, finalizou.

Asssita a íntegra da palestra de Fábio Mariano da Silva:

 

Educação popular é instrumento para a emancipação social e política, diz Elias Moraes no III ENEE

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No dia 13 de julho, Elias Moraes, sociólogo e pesquisador espírita, participou do III Encontro Nacional da Esquerda Espírita em Brasília, apresentando uma palestra que destacou a importância da educação popular e da conscientização política no combate às injustiças sociais.

Educação Popular como Ferramenta de Transformação

elias moraes
Elias foi palestrante no III Encontro Nacional da Esquerda Espírita.
Elias Moraes iniciou sua palestra abordando fazendo uma contextualização histórica do pensamento de Allan Kardec. A seguir abordou a pedagogia de Paulo Freire, enfatizando a educação popular como um instrumento fundamental para a emancipação social e política. Ele destacou que a educação deve ir além da mera transmissão de conhecimento, promovendo a conscientização e o empoderamento das comunidades. Para Moraes, a educação popular é essencial para que as pessoas compreendam suas capacidades de transformar a sociedade e atuar politicamente.

Conscientização Política e Participação Ativa

Moraes argumentou que os espíritas devem se engajar ativamente em movimentos sociais e políticos para combater as desigualdades. Ele enfatizou que a simples caridade não é suficiente e que é necessário um esforço coletivo para promover mudanças estruturais. A participação em conselhos comunitários, sindicatos e outras formas de organização social é vista como crucial para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

Espiritismo Progressista e Justiça Social

A palestra também focou na necessidade de um espiritismo progressista, alinhado com os princípios de igualdade e fraternidade. Moraes defendeu que os espíritas devem se posicionar contra todas as formas de discriminação e opressão, incluindo racismo e sexismo. Ele mencionou as iniciativas do Coletivo Espíritas à Esquerda, como as edições antirracistas das obras de Allan Kardec, que promovem debates críticos e progressivos sobre essas questões.

Superação das Injustiças Sociais

Moraes enfatizou que a luta contra as injustiças sociais requer um esforço contínuo e coletivo. Ele argumentou que para alcançar uma sociedade mais justa, é necessário buscar uma transformação estrutural, além das reformas pontuais. Esse processo envolve a atuação direta em políticas públicas e a conscientização das pessoas sobre seus direitos e deveres como cidadãos. Elias Moraes concluiu sua palestra incentivando os espíritas a assumirem um papel mais ativo na política e na sociedade. Ele reforçou que a prática espírita deve ir além da caridade individual e incluir a luta por justiça social e pelos direitos humanos. Moraes destacou a importância da educação popular e da participação ativa como ferramentas essenciais para a transformação social, alinhadas com os princípios do espiritismo.

Assista a íntegra da palestra de Elias Moraes:

 

Keka Bagno destaca importância da ação política dos espíritas no III ENEE

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No dia 13 de julho, em Brasília, o III Encontro Nacional da Esquerda Espírita reuniu diversos pensadores e ativistas para discutir temas relevantes à construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Entre os palestrantes, destacou-se Keka Bagno, Assistente social, mestra em políticas públicas (UnB) e umbandista.

Espiritismo e Ação Social

keka bagnoKeka Bagno iniciou sua apresentação discutindo como o espiritismo, enquanto doutrina de amor e caridade, deve engajar-se ativamente nas questões sociais e políticas. Ela enfatizou que os ensinamentos de Jesus, conforme interpretados pelo espiritismo, são fundamentalmente alinhados com a luta pela justiça social e pelos direitos humanos. Para Bagno, a prática espírita deve ir além das ações individuais de caridade, buscando mudanças estruturais que beneficiem toda a sociedade.

Participação Política e Educação Popular

Bagno destacou a necessidade de os espíritas se envolverem diretamente em espaços de decisão política, como movimentos sociais, sindicatos e conselhos comunitários. Ela argumentou que a participação ativa é crucial para promover políticas públicas que combatam a desigualdade e promovam a justiça social. A vereadora também ressaltou a importância da educação popular, inspirada nas ideias de Paulo Freire, como um meio de empoderar as comunidades e fomentar a conscientização política.

Feminismo e Direitos Humanos

Durante a palestra, Keka Bagno abordou temas como o feminismo e a descriminalização do aborto, afirmando que esses assuntos estão alinhados com os princípios espíritas de respeito e valorização da vida. Ela enfatizou que a luta pelos direitos das mulheres e por uma sociedade mais igualitária é uma extensão natural da prática espírita. Bagno argumentou que os espíritas devem ser defensores ativos dos direitos humanos, utilizando sua influência para promover mudanças positivas na sociedade. Keka Bagno concluiu sua palestra incentivando os espíritas a assumirem um papel mais ativo na política e na sociedade. Ela reforçou que a verdadeira prática espírita envolve não apenas a caridade, mas também a luta contínua por justiça social e pelos direitos humanos. Bagno destacou a importância de uma atuação coletiva e organizada para alcançar um mundo mais justo e fraterno.

Veja a íntegra da palestra de Keka Bagno:

 

Espíritas, o que nos cabe?

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No dia 13 de julho de 2024 aconteceu em Brasília o III Encontro Nacional da Esquerda Espírita, promovido pelo coletivo Espíritas à Esquerda. Na abertura o membro da coordenação nacional da organização, Sergio Mauricio Pinto, leu o manifesto que discorre sobre o tema do evento: O Reino: um outro mundo é possível – O que cabe aos espíritas?

Sergio Maricio Pinto leu o texto de referência do Encontro.

Veja abaixo a íntegra do texto referência do Encontro.

Espíritas, o que nos cabe?

Nesse sábado, dia 13 de julho, aqui na sede do Sindicato dos Bancários do DF, em Brasília, os espíritas progressistas à esquerda estão mais uma vez reunidos para refletir e dialogar sobre o que cabe aos espíritas na tarefa inadiável de construir uma sociedade mais justa, fraterna e com dignidade e abundância para todas e todos, uma nova sociedade que foi nomeada por Jesus como “O Reino”, uma sociedade que não é desse mundo de opressão, miséria e injustiças. Nesse encontro, que é o III Encontro Nacional da Esquerda Espírita, o Coletivo Nacional Espíritas à Esquerda apresenta a tese de que para a construção dessa nova sociedade, que é necessariamente uma construção coletiva e não de mera transformação individual, é fundamental o investimento público em educação com base na formulação freireana de conscientização social e política, formando jovens e adultos para a intensa participação política em suas comunidades locais e nas instâncias formais, como representações em conselhos, sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos e parlamentos de todas as esferas de poder. Não será possível superar os graves problemas dessa sociedade tão injusta e opressora apenas por meio de ações e reformas pontuais sempre sujeitas a serem desfeitas na primeira oportunidade em que os donos do poder formal encontram quando se sentem minimamente ameaçados em seus ganhos e privilégios, principalmente com aliados tão poderosos como o grande capital nacional e internacional e a imprensa hegemônica sempre disposta a implodir as poucas e voláteis conquistas sociais de trabalhadoras e trabalhadores. E, afinal, qual seria o papel dos espíritas nesse projeto de transformação social? Aos espíritas, propõe-se, caberia a formulação de projetos de educação popular na sua base estimada de mais de 15 milhões de frequentadores de instituições espíritas pelo país, apesar de os dados do Censo de 2010 apontarem cerca de 4 milhões de adeptos formais. E esses projetos deveriam principalmente focar na formação social e política do sujeito espírita, com o uso do extenso manancial de discussões políticas e sociais disponível nos textos neotestamentários, nas obras kardecistas e noutras de autores espíritas progressistas diversos com importantes reflexões sociais e filosóficas a partir da visão espírita da realidade. As instituições espíritas se tornariam, assim, um farol iluminando os caminhos para a consecução do projeto do “Reino” anunciado por Jesus e ecoado pelos espíritos que auxiliaram Kardec; esse mundo de paz, justiça e fraternidade seria o objetivo primacial de casas e grupos espíritas e suas ações deveriam focar-se nesse projeto que é, ao mesmo tempo, de fé na superação das mazelas humanas, libertador das opressões diversas a que os indivíduos estão submetidos e de esperança profunda no futuro da experiência humana nesse mundo. E nada seria mais espírita do que essa experiência mística e concreta, porque utópica e motivadora de ação coletiva, para a realização do anúncio do “Reino” entre nós. O espiritismo seria, então, uma das ferramentas possíveis para a formação de militantes da fraternidade, aqueles sujeitos que entenderiam seu importante papel na árdua tarefa de transformar esse mundo. Assim, mais do que discutir veleidades transcendentes e dissociadas da concretude da vida humana, alienando a consciência do sujeito imortal por meio de tolas expectativas e projetos individualistas no além-túmulo, o espírita desse novo paradigma transformador do mundo e da humanidade estaria pronto para entender vivamente sua realidade espiritual concreta, suas experiências coletivas e a firme compreensão de que sua transformação pessoal não se dará senão pela ação na transformação da realidade social, numa relação dialética imbricada entre espírito imortal e mundo real. E isso só se dará por meio da ação educativa conscientizadora promovida em toda a sociedade e, em particular, no seio do movimento espírita. É esse o espiritismo que sonham os progressistas à esquerda, um espiritismo que cumpra sua função inexorável de conscientizar e politizar seus adeptos e seguidores, sob o risco de ele sucumbir sob os ardis daqueles indiferentes ou interessados que sustentam e promovem opressão, desigualdades e desamor. Prontos para mudar esse mundo e auxiliar na construção do “Reino”? Há muito o que fazer. À luta, espíritas!

VEJA A LEITURA DO TEXTO DE REFERÊNCIA:

Coletivo lança “O que é espiritismo – edição antirracista” no 3º Encontro Nacional da Esquerda Espírita

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Em um movimento significativo para o espiritismo brasileiro, o Coletivo Espíritas à Esquerda (EàE) lançou, no dia 13 de julho, o livro “O que é Espiritismo – Edição Antirracista” durante o 3º Encontro Nacional da Esquerda Espírita (III ENEE). Este evento, realizado em Brasília, DF, reuniu diversos membros da comunidade espírita para debater temas progressistas sob o tema “O Reino: um outro mundo é possível – O que cabe aos espíritas?”.
3º ENEE aconteceu em Brasília.
Esta publicação é o terceiro volume da Coleção Antirracista das obras de Allan Kardec, iniciativa do EàE que busca promover um debate crítico e atualizado sobre o racismo dentro do movimento espírita. Anteriormente, foram lançadas as edições antirracistas de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e “O Livro dos Espíritos”, em 2022 e 2023, respectivamente. O prefácio do novo livro destaca a importância de reconhecer e enfrentar os preconceitos históricos presentes na literatura espírita. Citando trechos da Revista Espírita de outubro de 1861, Allan Kardec afirmou que o espiritismo, ao valorizar a inteligência sobre a matéria, faz com que desapareçam as distinções baseadas em vantagens corporais e mundanas, incluindo os preconceitos de cor. Esse espírito de progresso e superação de preconceitos é o cerne do projeto do EàE. Na nova edição, o coletivo apresenta comentários explicativos e antirracistas aos dois trechos apontados pelo Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2007 entre editoras espíritas e o Ministério Público Federal da Bahia (MPF-BA), que identificou 106 trechos em 21 obras de Kardec com possíveis conteúdos discriminatórios. O objetivo é reparar o sofrimento de pessoas negras que enfrentam racismo em instituições espíritas e estimular um debate antirracista mais amplo no movimento espírita. O livro está disponível para download gratuito aqui no site. O EàE espera que essa iniciativa contribua para uma leitura crítica e progressiva das obras de Kardec, promovendo uma reflexão mais profunda e ações concretas contra o racismo estrutural.
Clique na imagem para baixar o livro gratuitamente.

Prefácio do Livro

O prefácio de “O que é Espiritismo – Edição Antirracista” reforça a necessidade de abordar criticamente os textos de Kardec, destacando a importância de atualizar a compreensão espírita à luz dos avanços das ciências e da filosofia dos séculos XX e XXI. Ele argumenta que as contribuições de Kardec devem ser vistas como parte de um conhecimento progressivo, aberto a novas descobertas e críticas, e não como dogmas inquestionáveis. Os comentários antirracistas apresentados no livro estão inseridos em quadros destacados, logo após os trechos originais indicados pelo TAC. Isso permite que os leitores reflitam sobre as questões propostas e promovam diálogos antirracistas em seus grupos e casas espíritas. O objetivo é avançar o pensamento espírita em relação ao racismo e à luta antirracista, em consonância com a proposta progressiva do espiritismo de Allan Kardec. A iniciativa do Coletivo Espíritas à Esquerda é um passo importante na promoção de um espiritismo mais inclusivo e justo. Ao lançar a edição antirracista de “O que é Espiritismo” durante o III ENEE, o coletivo reafirma seu compromisso com a reparação histórica e a construção de um movimento espírita mais consciente e engajado na luta contra o racismo.

III Encontro Nacional da Esquerda Espírita acontece dia 13 de julho em Brasília

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No próximo dia 13 de julho, acontecerá o III Encontro Nacional da Esquerda Espírita, promovido pelo Coletivo Espíritas à Esquerda. O evento, que ocorrerá na sede do Sindicato dos Bancários do DF, em Brasília, é gratuito e contará com transmissão ao vivo pela internet. Este encontro tem como objetivo reunir espíritas progressistas para discutir e refletir sobre o papel dos espíritas na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, conforme os princípios ensinados por Jesus e ampliados pelos espíritos que auxiliaram Kardec. A proposta central do evento é fomentar a conscientização social e política, seguindo a abordagem freireana, para promover uma participação intensa e ativa em comunidades locais, conselhos, sindicatos, movimentos sociais e parlamentos. Acredita-se que a superação das injustiças sociais não pode ser alcançada apenas por meio de reformas pontuais, mas requer um esforço coletivo e contínuo de educação e conscientização. Nesse contexto, os espíritas progressistas podem desempenhar um papel crucial ao desenvolverem centros de educação popular, focados na formação política e social de seus frequentadores.

Programação

Manhã (9h-12h)
  • Tema: Reflexões sobre a ideia do Reino, uma nova sociedade justa e fraterna.
  • Palestrantes:
    • Keka Bagno (PSOL-DF) – Assistente social, mestra em políticas públicas (UnB) e umbandista.
    • Elias Inácio de Moraes (Aephus) – Sociólogo e pesquisador espírita.
    • Sergio Mauricio Pinto (EàE) – Filósofo e engenheiro eletricista.
    • Fábio Mariano da Silva (MDHC)
Tarde (14h-17h)
  • Tema: Ações práticas para a implantação do Reino.
  • Palestrantes:
    • Atena Roveda (PSOL-RS) – Vereadora de Porto Alegre e autora.
    • Mulheres do Espíritas à Esquerda – Discutirão feminismo, descriminalização do aborto e direitos humanos.
    • Coordenação nacional do Espíritas à Esquerda – Lançamento do terceiro livro da Coleção Antirracista de Kardec.

Inscrições

  • Data: 13 de julho de 2024
  • Local: Sindicato dos Bancários do DF, Brasília
  • Inscrições: Gratuitas e disponíveis através do link Sympla
O evento convida todos os espíritas e interessados a participarem desta reflexão e ação coletiva em prol de um mundo mais justo e fraterno. Não perca a oportunidade de contribuir para a construção do “Reino” anunciado por Jesus.

As tragédias não vêm de Deus

Gastão Cassel – EàE SC

Momentos de aflição como o que vivemos por conta das enchentes do Rio Grande do Sul povoam a imaginação dos espíritas com explicações fenomênicas. Tenta-se explicar “espiritualmente” os acontecimentos, buscando um sentido ou uma interpretação para o que acontece. Em geral, aponta-se o dedo para cima e denomina-se “flagelo de Deus” o que ocorre aqui na Terra. Não são raros os discursos fantasiosos, especialmente em desencarnes coletivos, que atribuem a dor ou a morte a uma espécie de punição ou ajuste de contas por atos de vidas anteriores. De passagem, lembro do absurdo propagado quando do incêndio da Boate Kiss, também no estado do sul: houve quem dissesse que os jovens vitimados teriam sido soldados nazistas no passado. Haja imaginação e falta de compaixão! Há dois problemas nas visões fenomênicas: primeiro, a atribuição a Deus de um caráter justiceiro e vingativo; segundo, a abstração das consequências das ações humanas sobre o planeta. Afirmar que tragédias e sofrimentos são expressões da vontade de Deus é incompatível com a concepção de sua bondade. A verdadeira natureza benevolente de Deus não se alinha com o desejo de causar dor ou aflição a seus filhos. Ao contrário, Ele é frequentemente visto como o consolador nos momentos de tragédia, oferecendo conforto e esperança aos que sofrem. Atribuir eventos trágicos à vontade de Deus é uma interpretação simplista que não considera a complexidade da existência humana e o livre-arbítrio que Ele concedeu a todos os humanos. Muitas vezes, as tragédias, especialmente aquelas de natureza ambiental, são o resultado direto da ação imprudente do homem. A exploração irresponsável dos recursos naturais, a poluição desenfreada e as mudanças climáticas causadas pela emissão excessiva de gases de efeito estufa são apenas alguns exemplos de como as atividades humanas podem desencadear catástrofes devastadoras. Essas ações muitas vezes refletem uma desconexão com a natureza e uma falta de consideração pelas futuras gerações. Portanto, ao invés de atribuir tais eventos à vontade de Deus, é crucial reconhecer o papel significativo que as escolhas humanas desempenham na criação ou prevenção de tragédias. É um chamado à responsabilidade coletiva e à adoção de práticas sustentáveis para preservar nosso planeta e proteger nossas comunidades da destruição desnecessária. Se buscarmos escritos de Kardec encontraremos em “O livro dos espíritos”, questão 740, que “Os flagelos são provas que dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.” Prestemos atenção que o fundador do espiritismo não fala que as tragédias em si são algum tipo de reação, somente que elas surgem como oportunidade e desafio, jamais como castigo ou coisa do gênero. A emergência climática é um fato presente que desafia a humanidade a alterar o rumo da sua relação com o planeta. Há milhares de estudos e dados científicos que demonstram a deterioração da Terra, com milhares de espécies animais e vegetais próximas da extinção, e a própria atmosfera em colapso pela emissão incessante de gases nocivos a ela. O desequilíbrio ambiental chega a nós como notícia de inúmeras tragédias: enchentes, estiagens, ondas de calor ou de frio, incêndios florestais, tempestades etc. É muito comum que se atribua à vontade de Deus este sofrimento. Mas quem recorre à divindade para justificar os fenômenos destruidores fecha os olhos para o que os humanos têm feito com o meio ambiente, num modo de relacionamento com a natureza de mão única, em que só se tira dela, sem nenhum respeito à sua integridade. Ainda em “O livro dos espíritos”, Allan Kardec traz uma resposta dos espíritos quando ele questiona se a Terra produz bastante para fornecer aos homens o necessário: “A Terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ele a emprega no supérfluo o que poderia ser empregado no necessário”. É evidente, se considerarmos Kardec, que as sociedades humanas extraem da natureza muito mais do que precisam. Esta mistura de ganância, concentração de bens e rendas e injustiça social nos legou este mundo de desconforto e sofrimento que, do ponto de vista ambiental e social vive a plena insustentabilidade. Por isso, os momentos de comoção como as enchentes do Rio Grande do Sul devem ser vistos objetivamente como tragédias anunciadas e que os desafios de caridade, perseverança, resiliência e superação –sejam de atingidos ou de voluntários e doadores– sejam sempre revestidos pela reflexão e o sentimento coletivo de que precisamos rever nossa relação com a natureza. Texto publicado originalmente no Informativo Nosso Lar de Junho de 2024.

Um sonoro NÃO dos espíritas progressistas ao PL 1904/2024

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Foi apresentado pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) no último dia 17 de maio na Câmara dos Deputados, em Brasília, o Projeto de Lei nº 1904/2024 que, resumidamente, equipara no Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) o aborto em qualquer situação ao crime de homicídio, quando a gestação ultrapassar as 22 semanas. A insidiosa proposta de alteração legislativa segue abaixo transcrita: “Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: ……………………………………………………………………………….” “§1º Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”. “§2º O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” “Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: …………………………………………………………………………….” “Parágrafo único. Quando houver viabilidade fetal, presumida gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”. “Art. 126 ……………………………………………………..”. “§1º …………………………………………………………….” “§2º Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”. “Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: ……………………………………………………………………….” “Parágrafo único. Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo.” O que os 32 deputados e deputadas federais que assinam a autoria dessa aberração legislativa, todos da extrema-direita, pretendem é responder à decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a Resolução nº 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM) que, afrontando o atual Código Penal Brasileiro, proibiu médicas e médicos de realizar o aborto em qualquer situação após 22 semanas de gestação. Essa Resolução do CFM foi derrubada pela Justiça Federal no dia 18/04/2024 e restaurada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), sempre ele…, no dia 29/04/2024. Pelo flagrante desrespeito à lei, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso à estranha decisão do TRF-4 junto ao STF. No dia 17/05/2024, em decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, a ilegal Resolução do CFM foi mais uma vez derrubada e, em nova decisão no dia 24/05/2024, todas as tramitações de processos judiciais baseadas nessa Resolução foram também suspensas. Aguarda-se ainda a decisão definitiva pelo plenário virtual do STF. O PL 1904/2024, ao igualar o aborto em qualquer situação ao crime de homicídio, coloca, por exemplo, as mulheres vítimas de estupro como homicidas e sujeitas às pesadas penas previstas para esse crime. Ou seja, além de ter sido violentada e estuprada, a mulher que tenha engravidado dessa violência de gênero e que tenha sido impedida por algum motivo ao aborto célere, terá que penar com toda a gravidez se não quiser ser também punida por ter sido estuprada. É uma violência do estado sobre a violência sexual já sofrida, é uma aberração jurídica sem precedentes. Mas não só faz essa equiparação abjeta e inconcebível entre o aborto legal de uma mulher estuprada e um assassinato; faz mais. Na proposta do §2º do art. 124, deputadas e deputados da extrema-direita esforçaram-se para ser ainda mais cruéis, com toques repugnantes de sadismo, pois o texto penal proposto sugere que se uma mulher já sofreu “de forma tão grave” pelo aborto cometido, ela poderá, sob decisão de algum juiz, deixar de pagar a pena de assassinato porque a “sanção penal se tornou desnecessária”. O quanto uma mulher deverá sofrer, e “de forma tão grave”, para que um juiz qualquer a considere já penalizada? Isso é um teratismo sádico e uma crueldade misógina. Caso esses insanos vençam esse debate no parlamento brasileiro, criminalizando uma mulher violentada sexualmente, o país terá dado mais um passo para a implantação do projeto teocrático da bancada fundamentalista cristã, um projeto que fará do Brasil uma nação assemelhada à Gilead da famosa série “O conto de aia”, baseada no livro homônimo da escritora canadense Margaret Atwood. E assim, o país seguirá seu trágico destino de se tornar uma teocracia fundamentalista cristã, sendo seus representantes nos parlamentos o talibã cristão pronto para prender todos os corpos e mentes divergentes. E que os espíritas não se enganem, inclusive os que apoiam essas deformidades morais e cognitivas, pois se agora esses precursores do talibã cristão perseguem e criminalizam mulheres e sexualidades dissidentes, em breve credos e filosofias que não se enquadrem nesse projeto teocrático fundamentalista neopentecostal serão também perseguidos, criminalizados e eliminados. Por isso, todas as pessoas sãs devem colocar-se peremptoriamente contrárias a esse desvario legal que está sendo proposto pela extrema-direita na Câmara dos Deputados. E nós, Espíritas à Esquerda, estamos na luta contra o PL 1904/2024, porque é pela dignidade, é pelo direito, é pela vida das mulheres. #PL1904Não

Só os homens fazem guerra

Gastão Cassel, EaE Santa Catarina

No momento em que se lê esse pequeno texto há, pelo menos, oito grandes conflitos armados no mundo. Guerras! Veem-se diariamente nos noticiários horripilantes imagens dos combates Rússia-Ucrânia e Israel-Gaza, mas há sangue escorrendo também na Somália, Sudão, Mianmar, Nigéria, Síria e Iêmen. Não importa se são conflitos entre nações ou lutas internas pelo poder, ou ainda massacres desproporcionais que podem ser chamados genocídios, são todos lamentáveis, desumanos e destruidores. Quando Allan Kardec perguntou aos espíritos “Que é que impele o homem à guerra?” (questão 742 de “O livro dos espíritos”) teve como resposta:

“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem –o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.”[1]

A resposta dos espíritos não satisfaz. É baseada num conceito presente no século XIX, quando Kardec estruturou o espiritismo. Naquela época o conceito de “evolução” estava em voga. E a resposta considera que há povos em estado de barbárie e outros mais evoluídos. E podemos deduzir que a vocação bélica seria característica apenas dos menos evoluídos. A história recente, no entanto, mostra que não tem sido assim. Justamente as nações “mais desenvolvidas”, produtoras de tecnologia e conhecimento são as que estiveram à frente dos mais sanguinários conflitos. Há ainda uma contradição mais dura na obra citada. Quando apresenta a Lei da Destruição, pressupõe-se que as guerras podem produzir o advento da liberdade e do progresso.
          1. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?

“A liberdade e o progresso.”

          1. a) – Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode frequentemente ter por objetivo e resultado a escravização?

“Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”[2]

Talvez os espíritos não tenham conseguido ver o quanto os humanos podem ser ardilosos e cruéis e que absolutamente as guerras na Terra não tratam, e nunca trataram, de ser sobre liberdade e escravidão ou atraso e progresso. Sempre foi poder! Sempre foi a disputa por territórios, riquezas e valores. As guerras sempre foram espelho das desigualdades criadas pelo homem sobre o planeta. Os conflitos são engrenagens da máquina capitalista de criar desigualdades. Nunca são os povos que deflagram as guerras, mas as elites, os poderosos das sociedades, os governantes, jamais as populações e o povo trabalhador. Como disse o pensador francês Jean-Paul Sartre “quando os ricos fazem guerra são os pobres que morrem”.[3] Também não é aceitável atribuir as guerras a iniciativas individuais de governantes dominados por pensamentos perversos, visto que mesmos estes têm lastros políticos e sociais que sustentam suas fúrias e agressões em escala de massa. Em outras palavras não se pode acreditar que apenas a mente de Hitler engendrou os horrores da II Grande Guerra, uma vez que ele contou com colaboradores, aliados internacionais e desenvolvedores intelectuais de seus conceitos. Não era um conflito do mal contra o bem, mas prioritariamente enfrentamento entre interesses políticos e comerciais. As guerras, sejam em que contextos aconteçam, expõem o que há de pior na humanidade. A própria negação da humanidade como atitude. Seja num campo de batalha ou na frieza de um escritório de onde se aciona um drone que vai matar a milhares de quilômetros, o que se vê é a negação da natureza humana que deveria ser fraterna e solidária. Há que se considerar que boa parte das guerras são desenhadas em nome de Deus. Há na história muitos conflitos entre religiões, desde as Cruzadas do século VI até hoje. Muita gente matou e mata em nome de Deus.  Mas definitivamente as guerras não têm nada de Deus. Nada de bom elas podem construir, já que a destruição é o seu fundamento. Da morte não pode florescer progresso e evolução. As guerras são coisas dos homens e só um entendimento de que a paz, a prosperidade, a colaboração, a solidariedade e a igualdade são as bases do Reino de Deus a ser construído aqui na Terra pode apontar para o progresso. No mundo de hoje, repleto de polarizações e desigualdades, podem-se encontrar justificativas para as guerras e até “torcer” por um dos lados. Mas independente das razões objetivas de cada lado, antes de ser a favor ou contra um dos lados, há que ser contra a guerra como método e atitude.  Mas há que se destacar que falamos aqui apenas dos conflitos formalmente considerados como guerras. Há também as guerras não declaradas por inúmeras motivações, mas que geralmente têm na sua raiz as desigualdades espalhadas pelo capitalismo e os abismos sociais e culturais que elas fomentam. Em 1937 o pintor Pablo Picasso expôs pela primeira vez a obra Guernica, que retratava o horror vivido pela cidade que deu nome à obra após ser bombardeada durante a Guerra Civil Espanhola. Ao visitar a exposição, um oficial da SS alemã, responsável pelo bombardeio, teria perguntado a Picasso: “Você fez isso?”, ao que o gênio da pintura respondeu: “Não, você!”. Deus não tem nada a ver com as guerras dos homens.

[1]    KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 87ª edição. Rio de Janeiro. Federação Espírita Brasileira, 2006. p 395.

[2]    IDEM

[3]    A frase é frequentemente atribuída a Jean-Paul Sartre, mas não parece ser uma citação direta de uma de suas obras conhecidas. A ideia, no entanto, reflete o pensamento existencialista de Sartre sobre a responsabilidade individual e as consequências sociais das ações.

Considerações feministas sobre aborto e espiritismo

Alice Pereira – Membra do coletivo EàE-RJ

Divaldo Franco publicou esses dias um artigo intitulado “Crime legal”[1], sobre a recente legalização do aborto na Argentina.

O título, claro, já julga e condena. Mas afinal, é “crime”?

Chegou o momento do debate que muitos espíritas temem, mas já temos maturidade para discussão.

A Argentina é o segundo país na América Latina a legalizar a interrupção voluntária da gravidez, sendo que o primeiro foi o Uruguai. Em diversos países da Europa, bem como na América do Norte e na China, esse processo já é legalizado. Nos EUA desde 1973, após o julgamento do caso Roe contra Wade[2] em que os juízes, pasmem, acataram o argumento de que a proibição era inconstitucional por violar o direito à privacidade. Aliás, a primeira clínica de aborto em Nova Iorque, por exemplo, foi coordenada por pastores e rabinos (fica aí a curiosidade: religião nem sempre condena a prática). Na França e na Inglaterra, o aborto fora legalizado mais ou menos na mesma época, fruto de lutas que vinham sendo travadas há tempos.

Todavia, o aborto não é advento do século XX. É uma prática tão antiga quanto a gravidez. Em “Calibã e a bruxa”[3], Silvia Federici demonstra que a inquisição e a caça às bruxas foram parcialmente motivadas pela Intenção de solapar o controle das mulheres sobre os próprios corpos. Perseguiu curandeiras, parteiras e mulheres mais velhas e pobres que detinham conhecimento sobre contracepção, gestação e parto. Prostituição também foi criminalizada nesse período. E nessa época várias leis foram criadas para regulamentar questões relativas à procriação, além de punir as mulheres que buscassem assistência para lidar com questões sexuais, afetivas e reprodutivas, o que alienou as mulheres de conhecimento que detinham. Semeou também a desconfiança entre elas, alienando umas das outras. Foi por volta do século XV que a Igreja Católica associou desejo sexual ao demônio, e como as bruxas supostamente adoravam o demônio, eram vistas luxuriosas. Elas levariam a danação à humanidade. Perseguição, tortura e morte de mulheres foram justificadas a partir dessas concepções. Tudo isso foi fundamental para o surgimento do patriarcado capitalista moderno.

A argumentação de Michel Foucault[4] é que a sexualidade não seria de fato reprimida, mas sim entra numa espiral de discursos científicos, políticos e jurídicos visando à normalização dos comportamentos sexuais. As leis proibindo o aborto fazem parte do mesmo arcabouço do controle de natalidade sob o guarda-chuva do que chamamos biopolítica, ou seja, as práticas e discursos que visam à gestão da vida e da população.

Às vezes biopolítica se mistura com discurso religioso e patriarcal para validar ou invalidar certos comportamentos sexuais, especialmente o controle sobre o corpo feminino, mesmo que hoje estejamos em uma sociedade supostamente mais secular e dotada de conhecimento científico e tecnológico para entender os processos bioquímicos da reprodução.

Voltando aqui à contemporaneidade, vemos como os discursos e posicionamentos ainda são permeados pelas crenças e valores religiosos, muitas vezes misóginos e moralistas.

No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez é permitida em caso de risco à vida da mãe, estupro e anencefalia. Para outros casos, bem… Se você é pobre, vai fazer em algum lugar sujo, com profissionais irresponsáveis e sem nenhuma assistência jurídica ou psicológica. Ou então faz chá, usa um cabide, ou tenta outro método perigoso e desesperado. Se você tiver dinheiro, vai numa clínica um pouco melhor, mas acaba sendo algo vergonhoso. Nunca é uma decisão fácil, tem muita coisa em jogo, muita culpa e medo. Se você é mulher, já ouviu essas histórias. Se você é homem, talvez não tenha ouvido a respeito disso, você é tapado. Você conhece alguém (talvez várias pessoas) que já abortou e que não merece ser presa por isso. Merece acolhimento. E deveria ter tido política pública.

Concordo com aquela máxima: se homens engravidassem, aborto seria feito na farmácia.

A legalidade do aborto vem para solucionar uma questão de saúde pública: para reduzir o número de mortes e problemas de saúde graves gerados por abortos ilegais. Vem também permitir acesso à psicólogos, assistentes sociais, advogados e outros profissionais antes de se decidir. Vejam também que de acordo com a pesquisa conduzida aqui no Brasil, a maioria das mulheres que aborta é casada, já tem filhos e é cristã. Então esse suposto temor sobre legalização do aborto ser um passe livre para promiscuidade é infundado, é moralismo barato e tacanho. Não temos aqui um problema moral (afinal, ela é histórica e culturalmente contingente), porém, sim, um ético e político.

Eticamente, temos um ser já vivo e formado: a gestante. Esta corre perigo de vida bem real quando o aborto é inviabilizado ou criminalizado. Esta já é detentora de direitos e não um amálgama de células (a discussão se é vida ou não eu deixo para os filósofos, mas recomendo a leitura do Agamben sobre o assunto[5]). Se a gestante corre risco de vida, o direito ao aborto não é capricho, é imperativo. Se Kardec indicou para colocarmos a ciência em primeiro lugar, então ouçam as ciências humanas e compreendam a necessidade da descriminalização do aborto para segurança das mulheres. Isso não é contradição com o espiritismo. Contradição é pânico moral. Contradição é não respeitar o livre árbitro das encarnadas. Contradição é proferir julgamentos sem o aprofundamento teórico e prático que o assunto merece.

Será lei! Aborto legal já!

Referências:

[1] Publicado no jornal A Tarde, de Salvador, BA, na coluna “Opinião”, em 07/01/2021.

[2] ROE v. WADE. Direção: Ricki Stern e Anne Sundberg. Netflix. 2018.

[3] FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpos e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.

[4] FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

[5] AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: sovereign power and bare life. Edição Kindle. 1998.