Aldemario Araujo Castro – Espíritas à Esquerda DF*
A Constituição de 1988 trata a Educação com generosidade. Afinal, existe um virtual consenso de que a realização dos fins da República Federativa do Brasil, notadamente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, depende da eficiência do sistema educacional.
O referido diploma fundamental da ordem jurídica brasileira proclama que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. São três, segundo a Carta Magna, os objetivos maiores da educação: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo para o exercício da cidadania e c) qualificação para o trabalho.
Os princípios para o ensino no Brasil foram postos pelo constituinte nos seguintes termos: a) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; c) pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; d) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; e) valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; f) gestão democrática do ensino público, na forma da lei; g) garantia de padrão de qualidade e h) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
Também foi previsto no Texto Maior a elaboração, por lei, de um plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: a) erradicação do analfabetismo; b) universalização do atendimento escolar; c) melhoria da qualidade do ensino; d) formação para o trabalho; e) promoção humanística, científica e tecnológica do País e f) estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.
Parece fora de qualquer dúvida razoável a percepção acerca do tamanho e da complexidade das tarefas governamentais, especificamente no âmbito do Ministério da Educação, quanto à formulação e execução das políticas públicas realizadoras das definições constitucionais.
Ocorre que o (des)governo Bolsonaro mostra diariamente sua reconhecida insensibilidade e incompetência para com a condução das questões educacionais, assim como o faz em relação às demais áreas sociais.
Primeiro, fez escolhas miseráveis de titulares para a pasta ministerial da Educação. Tivemos Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Carlos Decotelli e, (até) agora, Milton Ribeiro. Essas escolhas demonstraram o profundo desprezo do maior dos apedeutas por tudo minimamente relacionado com Educação, Ciência e Tecnologia. Depois, pelas vozes e ações desses “ministros”, praticamente reduziu as políticas públicas na área da Educação ao combate aos fantasmas do “marxismo cultural”, da “ideologia de gênero” e da “pregação ideológica” no ambiente de ensino. Aqui e ali também foram vistos ataques ao suposto plantio de maconha nos campi universitários e outras esquisitices dessa natureza.
Só faltavam aparecer na grande imprensa, em relação à área de Educação, os casos de corrupção presentes em vários outros setores da ação governamental. Não falta mais. As peripécias do ministro Milton Ribeiro e dos pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura (integrantes do “gabinete paralelo”) vieram a público. E vieram com força e requintes do mais abjeto maucaratismo juramentado e praticante (como diria o eterno Prefeito Odorico Paraguaçu).
A fala do ministro da Educação é escancaradamente didática (nesse ponto ele foi competente, não há como negar): “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar. A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. A partir da divulgação dessa confissão, relacionada com a liberação de recursos do Ministério da Educação para Prefeituras, surgiram elementos adicionais como: a) várias audiências dos pastores com o ministro; b) vários encontros e fotos dos pastores com o presidente Jair Bolsonaro; c) eventos com distribuição de bíblias e a presença do ministro da Educação; d) voos em aviões da Força Aérea Brasileira – FAB e e) falas de vários prefeitos (pelo menos dez) detalhando o modus operandi dos “homens da fé”, incluindo pedidos explícitos de propinas, em dinheiro e ouro, e de apoio eleitoral. Houve registro até de desconto de 50% para a propina, dependendo de quem “encaminhasse” o pretendente (fontes: estadao.com.br, uol.com.br, g1.globo.com e metroples.com).
No Supremo Tribunal Federal, a Ministra Carmén Lúcia determinou a abertura de inquérito para investigar o ministro Milton Ribeiro, pela suposta prática dos crimes de: a) corrupção passiva; b) tráfico de influência; c) prevaricação e d) advocacia administrativa. Segundo a Ministra: “Há de se investigar e esclarecer, de forma definitiva, a materialidade e a autoria das práticas com elementos objetivos e subsídios informativos definidos nos termos da legislação vigente, para se concluir sobre a autoria, os contornos fáticos e as consequências jurídicas a serem determinadas pelas condutas descritas na notícia de crime informada pela Procuradoria-Geral da República” (fonte: conjur.com.br).
Não custa destacar que a corrupção é uma das marcas distintivas do (des)governo Bolsonaro. A família presidencial, antes com atuação política regional e limitada pelo raio de ação do “baixo clero”, operava com: a) milícias (com integrantes homenageados e incorporados como assessores); b) “rachadinhas” (apropriação de remunerações de servidores dos gabinetes parlamentares); c) funcionários fantasmas (como no curioso caso da “Wal do Açaí”); d) frequentes operações com imóveis (com uma curva ascendente e recheada de “galinhas mortas”) e e) lavagem de dinheiro em empresas de menor expressão (comércio varejista de chocolates, por exemplo). O envolvimento em corrupção “grossa” ou “pesada” dependia da ação numa arena política mais ampla e com o concurso de parceiros com larga e profunda experiência nesse “ramo”. No governo federal e a associação com os integrantes do famoso “Centrão” permitiram a “ampliação dos horizontes”.
Somente a cegueira seletiva ou a ingenuidade em alta dose pode alimentar alguma ilusão acerca da supressão da corrupção no Brasil a partir da prática ludibriante da oração enganosa e coisas do gênero. Infelizmente, a corrupção sistêmica existente no Brasil por décadas (e séculos) continua operando em todos os níveis governamentais, com novos e velhos atores, com novos e velhos métodos. Nesse cenário de horrores se destacam os bilhões do “orçamento paralelo”.
Todo esse triste cenário lembra o conhecido episódio protagonizado por Jesus Cristo quando flagrou a ação deletéria dos vendilhões no Templo de Jerusalém. Importa destacar a conduta de Jesus justamente porque esses senhores, todos eles, incluindo o chefe de Governo, se apresentam (acredite quem quiser) como fiéis e incansáveis discípulos do Mestre dos Mestres. Eis o relato do comportamento de Jesus Cristo transcrito diretamente da Bíblia, abstraído o debate se aconteceram dois episódios distintos:
“Então ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas mesas. Aos que vendiam pombas disse: ‘Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu Pai um mercado!’ ” (João 2:15-16).
“Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse: ‘Está escrito: ‘A minha casa será chamada casa de oração’; mas vocês estão fazendo dela um ‘covil de ladrões’ ”. (Mateus 21:12-13).
Obviamente, a solução operada por Jesus (provavelmente o espírito mais evoluindo que já andou pela face da Terra) não deve ser tomada no sentido literal para os dias modernos. Não é o caso de expulsar, de chicote na mão, os vendilhões da educação brasileira. Entretanto, a revolta e a repulsa do Cristo devem ser as mesmas para adoção das sanções jurídicas pertinentes (improbidade administrativa, penais e civis) e das consequências políticas. Nesse último quesito, é dever da cidadania consequente combater a permanência desses malfeitores no cenário político e, sobretudo, nos espaços públicos de poder. É crucial recusar voto, apoio, espaço, olhos e ouvidos para esses mercadores da fé, da educação, dos sonhos e da dignidade dos brasileiros, a começar pelo principal e mais graduado deles.
- *Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional.