COLUNA – Feminismos com Elizabeth Hernandes (EàE-DF)
O estudo de ontem, do Grupo de Estudos Léon Denis, abordou o Capítulo VII do livro “Socialismo e espiritismo”, de Léon Denis.
Sinceridade, como sempre?
Já estava bem cansada desse livro e deixei pra ler nos últimos momentos antes da reunião porque “afff… já entendi a do Denis e ele não entendeu nada do materialismo histórico; e já cansei desse discurso socialismo-pra-quando-todos-fizerem-a-reforma-íntima”. Pois é, como todos que sabem pouco, às vezes sou bem arrogante e esse era o meu estado de espírito um pouco antes da reunião.
Mas no Capítulo VII, Monsieur Denis resolveu inovar (pelo menos para mim) e evocou espíritos para fazer uma análise de conjuntura política da França/Europa de 1924 e dar uma animada no livro que eu já estava achando muito chato…
Oi? Evocar? Espíritos falando de política?
O estudo rendeu e foi muito. Um camarada, no Nordeste, fez uma crítica ao livro “Desobsessão” (André Luiz/Chico Xavier). Um do Norte aproveitou a deixa e disse que a obra inteirinha de André Luiz não complementa é nada, porque contradiz a sistematização de Kardec e o que contradiz não pode ser complementar.
Quando se comentou o conteúdo das mensagens psicografadas, apresentadas nesse capítulo sete, destacou-se a reafirmação de uma premissa do espiritismo, a de que os espíritos somos nós e vice-versa. Os autores dos textos citados por Denis (que não os nominou) foram apresentados como “muitos dos quais participaram na direção política do último século”. E eles expressavam opiniões individualizadas à direita e à esquerda. Um deles se referia, inclusive, aos ingleses com francesa clareza citando “(…) o egoísmo e a lógica demasiado puritana inglesa”.
O estudo suscitou questionamentos acerca das vivências que nós, os espíritas que hoje se “congregam” à esquerda, vivemos nas casas espíritas tradicionais: por que, naquelas casas, a evocação é praticamente um tabu, uma proibição? Em que dia foi esquecido o nome original de “O livro dos médiuns” (“Le livre des médiums ou guide des médiums et des evocateurs”)? Quem será capaz de esquecer o “telefone toca de lá pra cá”? E mais: se nem as almas frequentadoras do centro espírita podem falar sobre política, como conversar sobre o assunto com os desencarnados?
E aqui, minha opinião: esse “não falar de política” é igualzinho ao dos grupos de família, do condomínio ou da rua. Fala-se e vive-se política o tempo todo nas casas espíritas, pelo simples fato de que onde há seres humanos trabalhando em grupo, há relações políticas. Na verdade, só não se pode falar de política se a fala for de encontro aos posicionamentos da FEB, historicamente declarada “apolítica” por ser religiosa, mas pragmaticamente alinhada à direita, (acho que desde sempre). Isso fica patente pelas posições assumidas por expoentes do movimento, conhecidos em âmbito nacional e até mundial; pela predominância de militares na direção das casas e pela filiação partidária de políticos que se assumem espíritas. Médiuns e palestrantes famosos ou políticos espíritas são, em sua maioria, também grandes expoentes da ideologia da direita. E defender sua ideologia é legítimo, desde que não as atribuam a “espíritos superiores” ou que não usem de sua fama para atacar quem pensa diferente. Também não é legítimo que, por causa da fama que têm, levem muitos a relacionar espiritismo com posturas de extrema-direita, ali juntinho com o fascismo e com o negacionismo científico.
No decorrer das discussões foi apresentada uma imagem bem ilustrativa da convivência entre encarnados e desencarnados segundo a qual somos todos participantes de uma “corrida de revezamento”, que conta com numerosa assistência, torcendo contra e a favor. Quando encarnados, estamos na pista portando o bastão e temos de fazer o nosso melhor, tanto no desempenho individual quanto coletivo (somos um time!), até chegar a vez de passá-lo ao próximo atleta. Depois de passar o bastão, vamos para a arquibancada torcer (ou não!) pelos que estão, mais uma vez, na pista, aonde voltaremos um dia, até “atingir a meta da competição”. Falar dessa “meta” é complexo e não foi abordado no estudo, mas, eu digo, de modo muito simplista, que está relacionada com o aperfeiçoamento moral individual e coletivo. Mas esse duplo aperfeiçoamento não é estanque e deve ocorrer simultaneamente. Ou seja, se se vai pra pista, tem de correr! A (invisível para a maioria) torcida não determina se você vai ganhar ou perder. A responsabilidade é do indivíduo, mas, principalmente, da equipe. (Força, humanidade terrena, vai que é sua!)
O fato é que eu, que “fui pra aula só pra não ficar com falta”, saí de lá como se deve sair de uma boa aula: pensando.
E, pela manhã, tomando minha dose de cafeína antes das doses de dopamina e endorfina da atividade física, lembrava do companheiro que destacara outra premissa do espiritismo: os espíritos não se circunscrevem a regiões determinados e estão por toda parte. Daí os espíritas não acreditarem que haja céu, purgatório ou inferno enquanto lugares destinados aos bons, maus e irrecuperáveis. E ainda como um dos rituais do amanhecer, procurei “O evangelho”, mas o livro estava no andar superior da casa e, talvez por preguiça, abri “O livro dos espíritos” que estava à mão. Fui direto na nota que acompanha a questão 783 (“O aperfeiçoamento da humanidade segue sempre uma marcha progressiva e lenta?”).
E aí vem a resposta desses espíritos que, efetivamente, estão em toda parte, inclusive no local do meu cafezinho: “Sendo o progresso uma condição da natureza humana, ninguém tem o poder de se opor a ele. É uma força viva que as más leis podem retardar mas não asfixiar. Quando essas leis se tornam incompatíveis com o progresso, ele [o progresso] as derruba, com todos os que as querem manter, e assim será até que o homem harmonize as suas leis com a justiça divina, que deseja o bem para todos, e não as leis feitas para o forte em prejuízo do fraco. (…) As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram pouco a pouco nas ideias, germinam ao longo dos séculos e depois explodem subitamente, fazendo ruir o edifício carcomido do passado, que não se encontra mais de acordo com as necessidades novas e as novas aspirações. (…) São a tempestade e o furacão que saneiam a atmosfera, depois de a haverem revolvido”.
E aqui volto ao assunto mediunidade e comunicação com os tais espíritos que estão por toda parte. Não era preguiça, era recado.
Numa outra fala da reunião de ontem, quando discutíamos sobre a possibilidade de evocar, como o fez Léon Denis, figuras políticas do passado, uma companheira falou sobre os grupos mediúnicos serem egrégoras que permitem a comunicação por afinidade e sintonia, outro fato muito claro para quem estudou um pouco de espiritismo. Ou seja, num centro espírita onde “não se deve falar de política” os espíritos não tratarão do assunto.
Eu creio que abrir, “por acaso”, um livro que eu não costumo abrir por acaso e cair justamente num texto que se relaciona com minhas reflexões do momento, não é, de modo algum, um acaso.
Durante muito tempo não me interessei pelo trabalho mediúnico. Achava que o “meu lugar” era na parte das ações sociais e convivia muito bem com o “fora da caridade não há salvação”. Dizem, no espiritismo tradicional, que as pessoas chegam pelo amor ou pela dor, esquecendo do grande contingente nem amor, nem dor, simplesmente questionador. Eu pertenço a essa terceira categoria. Quando “cheguei ao espiritismo”, sequer me atraía o fenômeno. Eu queria mesmo era testar e refutar hipóteses. (Não mudei muito, não.)
Mas por que aceitei os dogmas do “espiritismo-católico-do-Brasil” por tanto tempo?
Talvez a figura de um doce avô católico possa explicar, pelo menos em parte. Fui “evangelizada” por um idoso cego, ativo, sábio e católico. Muito antes de aprender a ler eu ouvia a narrativa das parábolas de Jesus, que sempre começava assim: “Betinha, quando Jesus andava no mundo…” E vinha a história. E depois da história, vinham minhas perguntas. E quando ele não tinha mais resposta, falava o que todas as religiões e seitas falam, em todos os tempos: não se pode penetrar os desígnios de Deus ou é obra do Espírito Santo, não há como explicar, apenas crer. Sei que isso ocorreu muito cedo porque quando entrei na escola formal, aos sete anos, já era completamente alfabetizada. E alfabetizada do tipo que lia livros com mais letras que figuras. Talvez o sucesso na primeira série explique um pouco da arrogância que busco combater todos os dias.
Por ter sido católica –mesmo tendo abandonado a igreja no meio de uma missa, após cansar das repetidas falas misóginas do padre, numa idade em que eu nem conhecia a palavra misoginia–, ainda assim, foi fácil me adaptar ao “espiritismo reencarnacionista” predominante no Brasil.
E, para finalizar, repito o que disse no estudo (ao qual não queria ir): não pretendo abandonar a busca de aprendizado e da prática dos preceitos cristãos e nem da sistematização kardequiana. Mas o meu caminho já não precisa passar pelos dogmas da FEB.
E aproveito para fazer as pazes com Léon Denis que, na parte final deste capítulo, afirma: “Sou pela democracia, que, unicamente, parece-me capaz de assegurar a pacificação e a aproximação entre os povos. Os estados despóticos e a política dos soberanos são naturalmente levados a usar da força para aumentar seu poder, enquanto que as democracias, onde o conjunto dos cidadãos eleitos deve-se pronunciar sobre as questões graves, são pouco favoráveis à guerra, a qual, longe de relacionar, arruína os povos. Por isso, em nossa época, buscam-se criar instituições bastante sábias e bastante poderosas para regular, pela arbitragem, os conflitos entre as nações”.
E finalizo lembrando uma premissa da psicoterapia: o que te incomoda, no outro, é o que há em ti. Denis, mano, sigamos!
Uau! Que texto incrível! Parabéns (e obrigada)
Concordo em tudo que a autora escreveu. Fui católico pelo seguimento da educação familiar, quando me tornei capaz de interpretar aquilo que ouvia e lia no catolicismo abandonei a religião e fiz opção consciente pelo espiritismo que respondeu várias dúvidas. Frequento um Centro espíritas mas, não sigo orientação dos diretores somente aquilo que está no livro dos Espíritos e no Evangelho Segundo o Espiritismo. A grande maioria segue a política da elite. Como não me identifico e nem aceito esta política praticamente estava ficando à margem, porem ao descobrir este site estou mais fortalecido.
Fico feliz por estarmos nos encontrando nesta egrégora. Parece que chegamos, outra vez, só nosso lugar! ?