Precisamos falar do sistema patriarcal que predomina nas instituições espíritas

693
Foto Bixabay

Ótimo artigo feito por quatro mulheres do coletivo “Espíritas pela transformação social”, publicado na coluna “Diálogos da fé”, na Carta Capital, acerca da palestra promovida pela FEESP para homenagear a mulher pela passagem do dia 8 de março, com o tema “A participação da mulher no espiritismo”, feita por um… homem, sem participação da mulher.

Foto Bixabay

Precisamos falar do sistema patriarcal que predomina nas instituições espíritas

Aline Bueno de Godoy, Ana Paula Coelho, Andrea Ronqui e Marcela Lino – CartaCapital

Publicação original e completa aqui.

É uma questão urgente que as mulheres tenham mais visibilidade e credibilidade no meio espírita.

A Federação Espírita do Estado de São Paulo anunciou em suas redes sociais uma palestra que será realizada no dia 8 de março, em homenagem ao dia das mulheres, com o título ‘A participação da mulher no espiritismo’. Um título bastante interessante, não fosse o fato de o palestrante ser um homem.

Ao ser questionado no Instagram, o palestrante respondeu que se a intenção é de homenagem não há necessidade de representatividade.

Pois bem. Nós, mulheres espíritas, progressistas, viemos para dizer que não nos sentimos homenageadas, mas sim, desrespeitadas.

[…]

Assim, se nas casas temos um grande número de mulheres, por que quando se fala de levar o espiritismo à luz de todos/as não conseguimos listar mulheres? Será que as mulheres são limitadas? Será que Deus deu a missão mediúnica de levar a palavra apenas a homens? Temos certeza de que se você estuda bem o espiritismo, sabe que isso não condiz com os princípios da doutrina. Portanto, precisamos falar do sistema patriarcal que predomina nas instituições espíritas.

Esse sistema ainda molda as instituições espíritas de forma estruturante. Para ficar com o exemplo da Feesp, além da palestra que citamos, temos também o exemplo do congresso que será realizado este ano: a imensa maioria de palestrantes é homem, isso sem mencionar que também são brancos, héteros, cis, tudo bem de acordo com a sociedade patriarcal.

[…]

Enquanto as pautas identitárias se destacam mais na sociedade, e são cada dia mais necessárias, espaços influenciadores e formadores como a Feesp continuam recusando-se a rever e desconstruir paradigmas institucionais. Não acreditamos que a equipe Feesp tenha feito isso por má intenção ou por recusa, mas sim por desatenção, por estarem alheios às pautas sociais e não terem compreendido a importância dessa nova postura. Mas é essa desatenção que ainda fortalece problemas sérios como as violências contra a mulher, o feminicídio etc. Em 2018, 40,5% das mortes de mulheres foram por questões de gênero. Em 2019, esse percentual subiu para 52% e não houve nenhum mês em que uma mulher não fosse morta por causas relacionadas a gênero (segundo o portal G1). Essas diferenças aparecem também quando o assunto é emprego: em 2019, segundo dados do IBGE, as mulheres eram maioria entre os desempregados. Entre os homens, a taxa de desemprego ficou em 10,9% no 1º trimestre, ao passo que entre as mulheres foi de 14,9%.

[…]

Se o Espiritismo se pretende como um dos impulsionadores do progresso do mundo, faz-se urgente que as federações se atentem para a representatividade nas casas espíritas.

As mulheres contribuem nas casas espíritas de forma total, desde o cafezinho até a tesouraria, e muitas vezes são elas que fazem a instituição funcionar, provando todos os dias sua capacidade. Não é raro encontrar uma casa em que toda a assistência, administração e gestão sejam feitas por mulheres, mas o presidente e sua chapa sejam maioria masculina. Este dado seria um ótimo início para uma palestra que fala da participação das mulheres no Espiritismo: dizendo que, sem elas, o espiritismo não existiria. Kardec precisou de médiuns mulheres para conseguir decodificar o Espiritismo e sua esposa, Amélie, foi essencial no processo. Podemos mencionar, ainda, as irmãs Fox, a quem coube a missão de trazer as manifestações mediúnicas à tona para que pudessem ser estudadas. Vale lembrar da emblemática e importante figura de Maria de Magdala, a quem Jesus se apresentou quando ressuscitou e qual foi a reação dos apóstolos senão de duvidar de seu testemunho? E a igreja apagar por completo sua visão amorosa e caridosa de apostolado e entregar a história fantasiosa de uma prostituta quando na verdade Maria de Magdala foi uma mulher dona de si e subversiva aos moldes da época?

[…]

Querem nos homenagear? Unam-se, então, em vossos centros, casas, na mesa de bar, onde puderem e discutam o patriarcado, o machismo, a masculinidade tóxica que também oprimem vocês. Desconstruam e desçam do patamar de detentores da voz e da verdade, escutem, ouçam de verdade as mulheres à sua volta. Se temos um dia no calendário específico é para que todos nos lembremos do quanto ainda é preciso dizer o óbvio.

Se você não encarnou como mulher, por favor, deixe que falemos por nós mesmas, não precisamos de porta-vozes.

Puiblicado no Facebook em 2/3/2020.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui