Elizabeth Hernandes – EàE-DF
A greve de fome é um instrumento político conhecido, respeitado e estudado na literatura de ciência política e de sociologia. Há inúmeros casos registrados na história, como o de Gandhi, em 1932, ou de Guillermo Fariñas, dissidente cubano que fez uma greve de fome de 135 dias, em 2010. Ele protestava contra a prisão de ativistas políticos e o governo cubano cedeu às pressões para, talvez, evitar consequências graves como o que ocorreu com Orlando Zapata Tamayo, que morreu após 85 dias de greve de fome.
As ciências da saúde também reportam a gravidade das sequelas para o indivíduo que decide usar o próprio corpo como instrumento de protesto. Eu, cá com meus botões, encaro uma greve de fome como uma maneira do indivíduo manifestar sua força e também o sentimento de impotência diante da prepotência. Precisa coragem, resiliência e muita determinação. Precisa de fé no sentido amplo da palavra, aquela fé que move crentes e ateus.
Estive, juntamente com representantes de diversas denominações religiosas, em visita ao deputado Glauber Braga, que estava no nono dia de greve e, o que ainda não sabíamos, a pouco mais de duas horas da suspensão do protesto, em virtude de acordo feito com as lideranças do Congresso Nacional. Nosso objetivo era realizar um ato político num dos plenários da Câmara dos Deputados.
Num primeiro momento, a Polícia Legislativa não permitiu a entrada do grupo, alegando entraves burocráticos. Fizemos o que sabemos fazer: resistir, negociar e esperar. Enquanto permanecíamos nesse impasse, o deputado Glauber veio até a recepção, saudou a todos, abraçou a muitos e agradeceu o apoio. Eu já achei muito, porque eu, pessoa pequena que sou, depois de algumas horas sem comer, já não quero receber visita de ninguém.
Após contatos, negociações e exercício de paciência, entramos no plenário para a realização do ato. Eu, pessoa pequena que sou, imaginei que o deputado não viria, afinal ele já nos havia recebido. Ele veio, na companhia da esposa, a deputada federal Sâmia Bomfim. Discursou durante vários minutos e eu só pensava em pedir para ele sentar. Eu, pessoa epidemiologista que sou, tinha vontade de interrompê-lo e pedir para que uns dois ou três que estavam sem máscara pusessem a proteção ou se retirassem do local.
Saí de lá prontinha pra votar em Glauber Braga, caso ele se candidate na minha zona eleitoral e também muito esperançosa acerca dos destinos do mundo. Existem presidentes dos Estados Unidos, donos de big techs que controlam presidentes dos Estados Unidos e gente da classe trabalhadora que incensa presidentes controlados por donos de big techs. Mas existem Glaubers, Sâmias e também religiosos anônimos. Existem os que resistem. Existe eu, pessoa comum, que faz só um pouco mas não desiste. Existe o movimento dos Espíritas à Esquerda. Existe esperança.
Dirijo pra casa toda trabalhada na esperança e escuto a comentarista política da CBN referir-se à greve de fome do deputado como “um circo”. Não que a arte do circo e as pessoas que a praticam não sejam respeitáveis, muito pelo contrário. Acontece que, da forma como se expressou, ofendia tanto o povo do mundo do circo quanto os ativistas políticos. Aquela jornalista é um caso grave de inanição. Inanição moral.
Que continuem se arrastando, todos esses que sofrem de inanição moral. Aqui do lado onde eu vivo, estamos todos bem alimentados de esperança e de luta. Salve Glauber e todos os que resistem à fome.