A escritora canadense Margaret Atwood lançou, em 1985, um livro intitulado “The Handmaid’s Tale”, que se tornou famoso após ser transformado em série televisiva. Em português, o livro se chama “O conto de aia”.
A trama ocorre num futuro não muito distante, quando as taxas de fertilidade caem em todo o mundo por causa de problemas ambientais, poluição e doenças sexuais. Surge então, como solução, um governo totalitário: a República de Gilead, uma teocracia fundamentalista cristã, que governa sobre o “antigo” Estados Unidos. A nova sociedade é militarizada, hierarquizada e dividida em castas, nas quais as mulheres são brutalmente subjugadas e, por lei, não têm permissão para trabalhar, possuir propriedades, controlar dinheiro ou até mesmo ler.
Mulheres férteis são recrutadas entre as poucas mulheres fecundas remanescentes em Gilead. Elas são chamadas de “aias” (“handmaid”), em acordo com uma interpretação ortodoxa e fundamentalista dos livros cristãos. Elas são designadas para as casas da elite governante, onde devem se submeter a estupros ritualizados com seus mestres masculinos para engravidar e ter filhos para aqueles homens e suas respectivas esposas.
Já basta a breve descrição acima para entender que se trata duma distopia fanatizada em que a razão e o respeito cedem lugar aos fundamentalistas cristãos, que passam a dominar a sociedade com sua fé doentia e iracunda.
No Brasil, uma menina de dez anos(!!) estuprada por um tio durante quatro anos ficou grávida e teria, por lei, o direito de retirar o resultado do estupro pedófilo. Alguns fanáticos religiosos, agindo ao arrepio da lei, incluindo alguns parlamentares de Pernambuco, foram ao hospital onde ocorreria o procedimento cirúrgico legal para xingar e agredir a criança e o médico, chamando-os de “assassinos”, dentre outras barbaridades.
Uma criança de dez anos, que certamente correria sérios riscos de morte se levasse sua gravidez adiante, deveria, na visão deturpada dessa estranha gente, suportar esse risco em nome duma fé ortodoxa e irrefletida. Para eles, a vida da criança teria menos valor que a vida do feto.
As crenças de qualquer grupo são crenças para pautar suas relações pessoais com a sociedade, jamais ao contrário, para impor sua fé aos demais membros da sociedade que são livres para professá-la ou não: esse é o princípio fundamental do estado laico, conquista da modernidade que superou os horrores de eras fundamentalistas que deixaram suas marcas de ódio, tortura e morte em nome da fé.
A criança já foi submetida ao procedimento necessário e legal e as últimas informações noticiadas dizem que ela passa bem, apesar das tristes manifestações dos fanáticos nos momentos que antecederam a cirurgia.
Essa gente que diz falar em nome da fé, de seus deuses e de Jesus pretende estabelecer uma teocracia fundamentalista cristã aqui no Brasil, um similar cristão ao estado islâmico, uma ditadura pautada em sua tosca hermenêutica de livros escritos há mais de três mil anos e que servem de base ao seu credo insano.
Muitos espíritas manifestaram-se a favor dessa estranha gente, o que certamente envergonha e mancha o movimento espírita pautado na razão e na ciência.
Mas haverá resistência. Sempre. Porque as luzes da razão, do respeito e da fraternidade, ao fim e ao cabo, prevalecerão sobre esse mórbido desejo de implantar uma República de Gilead nessas terras tupiniquins.
Publicado no Facebook em 17 de agosto de 2020.
Links das notícias:
A escuridão fundamentalista:
https://revistaforum.com.br/…/cachorras-no-cio-mulher…/
As luzes da resistência: