Quando se lê o texto de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, entende-se a razão pela qual sujeitos que se autodenominam “cidadãos de bem” são capazes dum horror sem par. Basta, para isso, que estejam imbuídos dum ideal qualquer e que por ele tenham uma consideração quase sagrada.
Assim tem sido a nova experiência fascista, que já tangencia o nazismo, aqui no Brasil. Pessoas que antes estavam imersas na mediocridade de suas vidas veem seus preconceitos e dificuldades morais ecoados no poder e se entregam ao mal de forma inteira, e sem o considerarem como um “mal”. Aderem à violência explícita e pregam, sem pudor algum, o extermínio dos diferentes.
Aquele tio simpático torna-se, de repente, uma estranha figura que propala o ódio e a violência contra o diferente. A cândida vozinha passa a ser, ao se ver no espelho do horror, o aríete do preconceito e da pregação da eugenia moral. Todos, afinal, trazem em si a flama do mal, que se acende ao ser provocada pelo gás da raivosa intolerância.
Daí a máxima de Jesus: manter-se em eterno estado de vigília contra seus monstros interiores, pois só assim se é capaz de lutar contra a banalidade do mal que ainda existe e resiste no âmago de todos os seres.
Abaixo segue postagem da página “Iconografia da História” sobre a banalidade do mal. (LINK ORIGINAL AQUI)
Publicado no Fabebook em 20/1/2020.
A Banalidade do Mal: o que levou o cidadão comum a aderir ao Nazismo
Por Joel Paviotti em Iconografia da História.
O que levou o cidadão de bem a aderir ao nazismo e fechar os olhos aos absurdos que ocorreram na Alemanha, durante o governo de Adolf Hitler?
Como o conceito de banalidade do mal alterou significativamente a forma de entender como a maldade ganha força nas sociedades contemporâneas, através de indivíduos comum.
Adolf Eichmann, o homem comum que enviou milhões de judeus para encontrar com a morte em campos de concentração, aguarda sua execução no corredor da morte.
Foi através da história desse burocrata alemão, que a filosofa Hannah Arendt criou o conceito de ‘banalidade do mal’, para explicar como um cidadão comum foi capaz de cometer maldades terríveis, a partir da perda da capacidade de reflexão.
O período do nazismo na Alemanha é considerado como produtor de uma das maiores tragédias da história da humanidade. Conhecido como holocausto, o evento consistia em separação, submissão ao trabalho forçado, e extermínio de judeus em massa. Os locais escolhidos para realizar essas barbáries foram os campos de concentração. Eichmann, filho de um bibliotecário e de uma empregada doméstica, foi um dos principais responsáveis por organizar a logística e viabilizar as viagens dos vagões da morte. Em um serviço que propiciou o start para o processo de extermínio dos judeus.
Após a queda do Reich, e ocupação das tropas aliadas em Berlim, Eichmann conseguiu fugir para a Argentina, onde mudou de nome, e arrumou um emprego na Mercedes Benz. Após 15 anos vivendo na surdina da falsa identidade, foi capturado, em 1960, por uma equipe do Serviço Secreto Israelense. Levado até o Tribunal Internacional, Eichmann era tratado como um homem monstruoso, até o inicio do julgamento.
A ideia da monstruosidade do burocrata só foi desconstruída quando a Judia Hannah Arendt, que foi obrigada a se exilar nos Estados Unidos após ascensão do nazismo, foi enviada por uma revista norte-americana, para escrever sobre o processo de julgamento do alemão.
A filósofa, após ler as quase 4 mil páginas de inquérito policial e as peças de acusação e defesa, acabou se deparando com um homem terrivelmente comum. Eichmann era um pai de família exemplar, daqueles que olhava os cadernos dos filhos, que tratava a esposa com respeito e carinho, cultivava crença religiosa protestante, frequentava igreja e cumpria ordens sem questionamentos. Sua principal preocupação era executar suas funções com a maior eficiência possível. Hannah percebeu que o alemão não se considerava parte do assassinato em massa, que em sua mente o errado seria não ter realizado os atos de sua função. Durante o interrogatório, o ex-burocrata se sentia mal quando confrontado, pelas partes, que suas ações foram responsáveis pela morte de milhões de Judeus, que seu respeito às ordens do governo alemão foi responsável por levar parte significativa de um povo para câmara de gás.
Arendt foi pressionada de todos os lados para descrever Eichmann como o satanás, mas em respeito à honestidade intelectual, viu ali a oportunidade de criar um novo conceito para entender a maldade do século XX. Foi nessa ocasião que nasce um dos pontos altos de sua obra: ‘A banalidade do mal’.
Foi a partir do acompanhamento do julgamento que a filósofa teorizou que o pior mal é realizado pelo cidadão comum, o homem médio, pessoas que estão inseridas em um sistema onde a maldade é difundida por todos os lados, principalmente quando esses perderam a capacidade de reflexão crítica e a habilidade de dizer não e se indignar perante a anti-ética do sistema. Os monstros estão mais próximos de nós do que pensamos e todo homem pode reproduzir o mal sem entender o que está fazendo como um absurdo.
Os textos de Arendt, que receberam duras críticas pela comunidade internacional, foram publicados no livro ‘Eichmann em Jerusalém’, e alterou significativamente a visão da comunidade internacional sobre como os crimes contra humanidade ocorrem. A autora chegou a conclusão que o mal é difuso na sociedade, e que quando ele se banaliza, as barbaridades mais terríveis passam a ocorrer.
O conceito de banalidade do mal contribuiu para que os estados e as universidades passassem a se preocupar com o ensino reflexivo crítico, pautado nos direitos humanos e priorizassem a formação dos alunos através do ensino da maior pluralidade de ideias possível, para que eles não percam a capacidade de se indignar nas situações em que a ética humana é colocada em xeque.
O mal, se descuidado, passa de exceção para a regra, e os seus malfeitores não percebem a gravidade da maldade que estão perpetrando.
Deixar de ensinar nas escolas a pluralidade de ideias é contribuir para reforçar a banalização do mal entre nós.
P.S.: Um pouco antes do enforcamento, Eichmman enviou uma carta à corte que o julgou pedindo clemência, ele alegou que era apenas uma peça no sistema, e que os verdadeiros responsáveis pelas mortes foram os líderes do governo alemão.”
Referências:
AGUIAR, O. A. Violência e banalidade do mal. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/…/violencia-e…/. Acesso em 10/03/2019.
ANDRADE, Marcelo. A banalidade do mal e as possibilidades da educação moral: contribuições arendtianas. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n43/a08v15n43.pdf. Acesso em 11/03/2019.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.