COLUNA Releituras kardecistas – Marcio Sales Saraiva
Como é que pessoas sem grande formação educacional-cultural conseguem-se sair muito bem, por vezes até melhor, do que outras que tem um currículo acadêmico invejável?
Além da inteligência cognitiva, fruto do acúmulo de conhecimentos e da capacidade analítica dos mesmos, temos também o nosso instinto, nosso “sexto sentido”, nossa intuição que emerge das profundezas inconscientes do nosso ser que vem renascendo ao longo das eras e acumulando muita experiência. E os bons espíritos dizem que “inteligência [no sentido de psiquismo] e matéria são independentes” (questão 71), ou seja, o espiritismo kardequiano é dualista.
Em “O livro dos espíritos”, os mentores explicam os limites da inteligência, do psiquismo humano, para Allan Kardec, mostrando que nem tudo temos condições de compreender, nem eles, os espíritos, de explicar.
“72-a. Poder-se-ia dizer que cada ser tira uma porção de inteligência da fonte universal e a assimila, como tira e assimila o princípio da vida material?
— Isto não é mais que uma comparação; mas não exata, porque a inteligência é uma faculdade própria de cada ser e constitui a sua individualidade moral [ou sua bagagem pessoal ao longo de diversas encarnações]. De resto, bem o sabeis, há coisas que não é dado ao homem penetrar, e esta, por enquanto, é uma delas.”
Então, até onde podemos compreender, de acordo com a visão que nos é dada pelos espíritos, é que o chamado “instinto” é uma espécie de inteligência, mas “não racional” (questão 73). Em outras palavras, a inteligência é fruto da consciência e de nossa capacidade cognitiva-racional, mas o nosso instinto vem de uma camada mais profunda e inconsciente, é uma espécie de inteligência intuitiva e não racional.
Há quem diga que Allan Kardec era um racionalista fanático, mas não é bem assim. Os próprios espíritos dizem que o ser humano erra ao “desprezar” o instinto, o insight, a inteligência não racional que trazemos.
Por que erra o ser humano ao não dar valor a essa outra forma de inteligência, que Kardec chama de “inteligência rudimentar”?
A resposta é chocante para quem desconhece o kardecismo:
“O instinto existe sempre, mas o homem o negligencia. O instinto pode também conduzir ao bem; ele nos guia quase sempre, e às vezes mais seguramente que a razão; ele nunca se engana.” (questão 75)
Note bem! O instinto, essa inteligência não racional, sempre existiu, quase sempre nos guia ao caminho do bem e, pasmem!, é geralmente mais seguro do que a própria razão, essa deusa louvada pela modernidade iluminista que Kardec tanto bebeu filosoficamente. E tem mais. Comparado com a razão cognitiva, o instinto, nosso “sexto sentido” –como se diz no senso comum–, “nunca se engana”. Repito. Os espíritos dizem: “nunca se engana”!
Sendo assim, nós, kardecistas, deveríamos estudar mais e valorizar nossos insights, essa inteligência emocional e não racional que nos conduz ao reto caminho e, geralmente, de uma maneira mais sábia do que todas as teorias racionais que decoramos. Sejamos mais intuitivos e menos arrogantes quanto ao conhecimento intelectual.