Espíritas, Rio de Janeiro e as guerras coloniais – parte I

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Eis a segunda coluna de Elton Rodrigues para a página “Espíritas à esquerda”. Nesse texto, que ora apresentamos a primeira parte, Elton analisa a situação dramática do Rio de Janeiro.

COLUNA: Espiritismo e a práxis política com Elton Rodrigues

Espíritas, Rio de Janeiro e as guerras coloniais – parte I

“Sendo a justiça uma lei da natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?

‘É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso’.”

O livro dos espíritos, questão 874.

O Rio de Janeiro está passando uma situação dramática sob a administração do prefeito Marcelo Crivella e do governador Wilson Witzel. Enquanto o primeiro ganhou a eleição com o slogan “Vamos cuidar das pessoas”, Witzel adotou o bordão “O Rio vai virar o jogo”. Apesar disso, Crivella sucateia todo o sistema público municipal em benefício dos poderosos, principalmente os poderosos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada por seu tio, o bilionário Edir Macedo. O município do Rio de Janeiro nunca esteve tão impotente na resolução dos seus problemas internos. Não há investimento social em parte alguma: hospitais, escolas, meio ambiente, projetos voltados às pessoas em situação de rua e visando geração de empregos estão medíocres ou inexistem. Paralelamente, temos a atuação de Wilson Witzel, que materializou o seu slogan “o Rio vai virar o jogo” em uma guerra entre estado, representando os interesses da burguesia, e os pobres, quase todos pretos, moradores das favelas. Prefeito e governador empenham-se na conquista da soberania, mas com táticas governamentais distintas. Neste primeiro artigo, sobre o tema, falaremos dos problemas gerados no Rio de Janeiro com a administração de Marcelo Crivella e de Edir Macedo, que possui atuação indireta, mas constante.

Crivella aproveita-se do cargo para que igrejas e pastores evangélicos[1] usurpem o erário e que se estabeleçam em posições estratégicas, dentro do próprio governo ou, ainda, deturpando completamente a laicidade esperada de um prefeito, promovendo inúmeras facilidades a evangélicos, quando comparados com pessoas de outras denominações religiosas, filosóficas ou ateias. Em uma reunião fechada com pastores evangélicos, Crivella afirmou: “Vamos aproveitar esse tempo que nós estamos na prefeitura para arrumar nossas igrejas”; “Tem pastores que estão com problemas de IPTU. Igreja não pode pagar IPTU, nem em caso de salão alugado. Mas se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar e demorar”; “Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem. Temos que dar um fim nisso”[2]. Ademais, é notório o aumento de casos de intolerância religiosa no Rio de Janeiro desde 2017, ano que Crivella assume a prefeitura do Rio. Houve um aumento de 49% de casos em 2018[3] e, em 2019, traficantes convertidos pioraram a situação: “No Rio, esse problema é muito escancarado e o narcopentecostalismo só tende a crescer. E passa pela questão das penitenciárias, onde há uma entrada muito grande dos neopentecostais”[4]. Os ataques não estão restritos às pessoas, pois terreiros são invadidos e destruídos, demonstrando o grande racismo religioso que move esses fundamentalistas. O discurso preconceituoso por parte dos bispos e pastores neopentecostais e o aumento dos ataques, principalmente direcionados aos que professam religiões de matriz africana, sugerem algum tipo relação de causa e efeito. Infelizmente, nem as crianças estão isentas desses posicionamentos completamente em desacordo com a verdadeira essência do cristianismo[5]. Ademais, é necessário salientar, aos desavisados, que essa postura não decorre de uma interpretação equivocada a partir do que os responsáveis da IURD e de outras denominações evangélicas dizem. Não. Os próprios bispos da IURD, por exemplo, atacam outras igrejas evangélicas, católicas –como o caso que um bispo chutou a imagem de Aparecida em um programa de televisão em 1995– e as religiões de matriz africana. E esses ataques continuam[6]. E mais, claramente há um objetivo concreto que justifica bispos como Crivella e outros evangélicos reacionários estarem na política: o poder[7][8][9].

Crivella e parte daqueles que são representados por sua administração buscam implantar o poder teocrático não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Para isso, basta avaliar as pautas da bancada evangélica no Congresso Nacional.

Diante desse cenário, qual o papel do espírita?

Antes de tudo, é indispensável que o espírita se fortaleça com preces sinceras, meditações e momentos prazerosos, almejando o fortalecimento físico-espiritual básico para os dias conturbados que atravessamos. Do mesmo modo, é conveniente que o espírita esteja engajado em coletivos, por exemplo, visando não só o estudo, mas, principalmente, a prática espírita “fora dos muros”.

E o que isso significa?

Significa que há muitos espaços que podemos atuar –mas sem pedantismo, achando que iremos transmitir o ápice da interpretação cristã. Devemos atuar levando o ombro amigo, a palavra sincera, o escutar, o alimento que falta e, quem sabe, novas possibilidades de ver o mundo. E tudo isso tem que ser feito com muita humildade por nossa parte. Vejam, há uma grande diferença entre “Vocês precisam disto aqui” e “O que vocês precisam?”, compreendem? Escutemos primeiro, para sabermos como atuar de forma satisfatória, mitigando qualquer necessidade.

E qual a relação disso com o tema do texto?

Esses falsos profetas só conseguem entrar na maioria dos corações por não serem apresentadas outras possibilidades de leitura dos textos bíblicos e dos próprios direitos que essas pessoas possuem. Existia um vácuo no coração desses marginalizados –pela sociedade burguesa– que apoiam esses candidatos políticos, meus irmãos e minhas irmãs, e que foi preenchido pelas igrejas neopentecostais. Diante das inúmeras dores que nos apresentam, temos a possibilidade de levar o amor e a sustentação do corpo e da alma para muitos, como o próprio Cristo fez. O propósito não é o proselitismo barato, mas a encarnação do apóstolo Lucas em nós, andando ao lado dos pobres, dos humildes e pequenos, e principalmente dos marginalizados, dos pecadores públicos e das mulheres que, depois de tantos séculos, ainda se encontram em luta por igualdade de direitos.

Só assim, aos poucos, iremos enfraquecer as investidas desses que se dizem cristãos, mas que são, em verdade, os mesmos que matariam o próprio Cristo, acusando-o de heresia.

Notas:

[1] É necessário que não cometamos o erro de imaginar o movimento evangélico como uma massa amorfa e homogênea. Da mesma forma que há espíritas que não compactuam com as políticas de Bolsonaro e sua trupe há, também, muitos evangélicos que buscam uma grande renovação de ideias no país.

[2] https://g1.globo.com/…/crivella-oferece-facilidades…

[3] https://g1.globo.com/…/aumenta-em-51-o-numero-de-casos…

[4] https://brasil.estadao.com.br/…/rio-de-janeiro…

[5] https://odia.ig.com.br/…/5645389-menina-e-vitima-de…

[6] https://www1.folha.uol.com.br/…/video-da-universal…

[7] https://revistaforum.com.br/…/o-plano-de-poder-do…/

[8] https://exame.abril.com.br/…/projeto-de-poder-de-edir…/

[9] https://oglobo.globo.com/…/em-livro-bispo-macedo-prega

Publicado no Facebook em 17/01/2021

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