
Coronavírus causa doença contagiosa. E ela não é um juízo moral.

Uma homenagem a “Moor”

- Transcrito de FROM, Erick. Conceito Marxista de Homem. 6a Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
- Personalidade do movimento operário inglês e internacional, filha mais nova de Marx, companheira do socialista inglês Eduard Aveling. Participou da Federação Democrática liderada por Henry Hyndman no início dos anos 1880. Junto com Eduard Aveling e William Morris participou da formação da Liga Socialista, tendo publicado, no Commonwal – jornal mensal da entidade – vários artigos e comentários sobre a questão feminina e outras questões. Foi uma ativa militante sindical, e em 1889 participou, como delegada, da fundação da Segunda Internacional. Após a morte de Engels dedicou-se à tarefa de organizar os manuscritos de Marx. Suicidou-se em 31 de março de 1898 com a idade de 43 anos. Marxist Internet Archive. Disponível em:
Quando os mansos herdarão a terra?

Quando os mansos herdarão a terra?
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.” Jesus, em Evangelho de Mateus, 5, 5
O discurso das bem-aventuranças para mim é a mais bela passagem do Evangelho, porque nela parece que Jesus quis resumir a totalidade de sua proposta revolucionária para as relações humanas ontem e hoje. Destaco uma delas, por considerá-la muito pertinente ao cenário que se descortinou em nosso país nos últimos anos, gosto do termo descortinar porque remete a algo que estava oculto e se revela. Escrever esse texto foi um grande desafio, demorei um tempo fora do meu padrão de escrita, achei muito difícil encontrar as palavras que traduzissem o que gostaria de transmitir, só muito tempo depois compreendi que estava resistindo, certamente a mesma resistência que muitos companheiros e companheiras espíritas, do campo da esquerda, talvez enfrentem, para falar do par de opostos: mansidão x violência. Então optei por escrever um texto provocativo, muito mais para questionar do que para responder, só assim passei a me sentir menos desconfortável com o tema. Afinal somos chamados em toda a nossa formação, no espiritismo, a sermos mansos, brandos e pacíficos, a nos contrapormos firmemente a qualquer tipo de violência, então o dilema está posto, ele consiste em nos perguntarmos como encaminhar a luta da ideologia que sustenta nossa visão de mundo sem sermos violentos? Afinal como lidar com um mundo conturbado, onde assistimos diariamente a aparente vitória dos violentos? Violência que se expressa na polícia, braço armado do estado, que agride negros e pobres; no estado, que não garante as mínimas condições e sobrevivência do povo e ainda desmonta as poucas políticas de bem-estar social de nosso país; no homem machista, que agride, violenta, silencia, coage e mata as mulheres; na violência urbana, que nos torna prisioneiros dos espaços seguros, obstruindo a nossa liberdade de ir e vir na hora e para onde quisermos; na degradação ambiental, com destruição de reservas vitais para a sustentabilidade da vida no planeta; nas guerras comercias e militares, que destroem famílias, deixam órfãs as crianças num rastro de destruição e terra arrasa; na fome de milhões de seres humanos morrendo de inanição, enquanto poucos vivem chafurdados em verdadeiras orgias alimentares; na degradação do corpo, seja pela promiscuidade sexual, seja pela ditadura de um padrão de beleza que mata e infelicita homens e mulheres; na homofobia, que grotescamente assassina, com requintes de crueldade, o outro que apenas busca ser o que é; nos religiosos mercadores da fé, que distorcem os ensinamentos de Jesus para caberem em suas ganância e fome de poder; nos empresários corruptos, que compram os políticos, e nos políticos, que se vendem aos empresários; e no racismo estrutural, que ignora 300 anos de escravidão e suas perversas sequelas para o povo negro. A pergunta é: como ser manso diante de tanta opressão, violência, perversidade e loucura? Como ser manso diante, da injustiça, da hipocrisia e do cinismo? Talvez estejamos precisando compreender melhor o que é mansidão? De que mansidão falava Jesus quando lidava com uma sociedade na qual a violência também imperava? Sim, porque a cultura do Império Romano se caracterizava por sua dureza, crueldade, violência e pela instabilidade política e religiosa, e, por outro lado, os judeus, apesar de subjugados política e economicamente ao império Romano, seguiam suas tradições religiosas, que não se separavam da política e das normas sociais, a lei mosaica regia a vida do povo judeu. Leis essas extremamente rígidas e duras, em especial para as mulheres. Então como Jesus exerceu a mansidão diante de um cenário de extrema violência? Ele defendeu ideias e agiu de forma absolutamente coerente com aquilo que defendia, aproveitando cada experiência da vida cotidiana para ensinar e agir contrapondo-se à injustiça, à hipocrisia e à violência reinantes no seio daquela sociedade. Porque a cada momento evolutivo, a sociedade se organiza e constrói sua dinâmica de acordo com o conjunto das individualidades dos seus membros, tendo como resultante uma estrutura social com seus avanços e retrocessos, com suas virtudes e perversidades. Portanto não podemos utilizar a proposta de mansidão para justificar nossa passividade diante da injustiça, perversidade, opressão e hipocrisia. Jesus não pregou a violência armada mas atuou no campo das ideias, buscando encontrar nos corações humanos solo fértil para plantar as sementes de amor, de solidariedade de fraternidade para que a árvore do bem coletivo crescesse e desse frutos. Jesus se armou de um ideal e com força, coragem e firmeza o defendeu até a morte, e nós até que ponto estamos defendendo nossas ideias? Até que ponto estamos sendo coerentes entre o que defendemos na oratória e na escrita e as nossas atitudes? Porque as ideias são sustentadas e nutridas pelas atitudes. São as ideias que mudam o mundo, porque ideias não morrem jamais, ela estão sempre se espalhando e fecundando corações até que se coagulam e se transformam em ação, e aí as mudanças ocorrem. Todas as transformações das sociedades humanas, ocorreram porque indivíduos e grupos se colocaram à frente do seu tempo e enfrentaram suas mazelas, e todos, sem exceção, sofreram represálias dos que não desejavam as mudanças. Não confundir mansidão com passividade, porque expressar a indignação diante da injustiça não é ser violento, desmascarar a hipocrisia não é ser perverso, e foi isso que fez Jesus e podemos ter certeza que ele se insurgiu contra aquela ordem social vigente. Por que ele foi assassinado? Por que o crucificaram se ele não pegou em armas, não ofendeu ninguém, não tentou tomar o lugar de ninguém? Ele defendeu um ideal e agiu de acordo com esse ideal. Talvez possamos nos inspirar em sua conduta, e aproveitarmos todos os espaços e oportunidades da vida cotidiana para exercitarmos nosso ideal, ainda que por conta dessa defesa sejamos desprezados por uns, incompreendidos por outros e até presos ou mortos por terceiros. Afinal que herança deixaremos para os mansos que herdarão a terra quando aqui não mais estivermos? Deixaremos a única coisa que não morre jamais, mataram Jesus, mas suas ideias atravessaram o tempo e alcançaram nossos corações. E, como diz a belíssima canção “Luzes da Ribalta”, composta pelo inesquecível Charles Chaplin (1889-1977), na versão de Antônio Almeida, “para que chorar o que passou, lamentar perdidas ilusões, se o ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações”.Os fascistas mostram suas garras
Hoje à noite, algumas pessoas pouco afeitas à liberdade de expressão e à democracia tentaram, aos gritos, me impedir de prosseguir com meu discurso de paraninfo na formatura da turma de Jornalismo da Unisinos. A virulência desse ataque – que fez até a instituição colocar seguranças para me acompanharem na saída do auditório – só reforçou a importância do que foi dito. Por isso, compartilho a seguir o discurso, que pôde ser proferido até o fim graças ao apoio de professores, formandos, alunos, ex-alunos e muitos mais.
Felipe Boff

DISCURSO DE FORMATURA
A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados. No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias. Querem exemplos? “É só você fazer cocô dia sim, dia não.” “Você está falando da tua mãe?” “Você tem uma cara de homossexual terrível.” “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai.” É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos. O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019. O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.” Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF. E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos. Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais. Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”. Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”. Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece. Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”. Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano. Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”. Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez. Publicado no Facebook em 8/3/2020.A fascinação e a necropolítica miliciana
“239. A fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão produzida pela ação direta do espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula. Fora erro acreditar que a este gênero de obsessão só estão sujeitas as pessoas simples, ignorantes e baldas de senso. Dela não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes sob outros aspectos, o que prova que tal aberração é efeito de uma causa estranha, cuja influência eles sofrem.”
Allan Kardec, “O livro dos médiuns”. 2ª parte, cap. XXIII.

Precisamos falar do sistema patriarcal que predomina nas instituições espíritas

Precisamos falar do sistema patriarcal que predomina nas instituições espíritas
Aline Bueno de Godoy, Ana Paula Coelho, Andrea Ronqui e Marcela Lino – CartaCapital Publicação original e completa aqui. É uma questão urgente que as mulheres tenham mais visibilidade e credibilidade no meio espírita. A Federação Espírita do Estado de São Paulo anunciou em suas redes sociais uma palestra que será realizada no dia 8 de março, em homenagem ao dia das mulheres, com o título ‘A participação da mulher no espiritismo’. Um título bastante interessante, não fosse o fato de o palestrante ser um homem. Ao ser questionado no Instagram, o palestrante respondeu que se a intenção é de homenagem não há necessidade de representatividade. Pois bem. Nós, mulheres espíritas, progressistas, viemos para dizer que não nos sentimos homenageadas, mas sim, desrespeitadas. […] Assim, se nas casas temos um grande número de mulheres, por que quando se fala de levar o espiritismo à luz de todos/as não conseguimos listar mulheres? Será que as mulheres são limitadas? Será que Deus deu a missão mediúnica de levar a palavra apenas a homens? Temos certeza de que se você estuda bem o espiritismo, sabe que isso não condiz com os princípios da doutrina. Portanto, precisamos falar do sistema patriarcal que predomina nas instituições espíritas. Esse sistema ainda molda as instituições espíritas de forma estruturante. Para ficar com o exemplo da Feesp, além da palestra que citamos, temos também o exemplo do congresso que será realizado este ano: a imensa maioria de palestrantes é homem, isso sem mencionar que também são brancos, héteros, cis, tudo bem de acordo com a sociedade patriarcal. […] Enquanto as pautas identitárias se destacam mais na sociedade, e são cada dia mais necessárias, espaços influenciadores e formadores como a Feesp continuam recusando-se a rever e desconstruir paradigmas institucionais. Não acreditamos que a equipe Feesp tenha feito isso por má intenção ou por recusa, mas sim por desatenção, por estarem alheios às pautas sociais e não terem compreendido a importância dessa nova postura. Mas é essa desatenção que ainda fortalece problemas sérios como as violências contra a mulher, o feminicídio etc. Em 2018, 40,5% das mortes de mulheres foram por questões de gênero. Em 2019, esse percentual subiu para 52% e não houve nenhum mês em que uma mulher não fosse morta por causas relacionadas a gênero (segundo o portal G1). Essas diferenças aparecem também quando o assunto é emprego: em 2019, segundo dados do IBGE, as mulheres eram maioria entre os desempregados. Entre os homens, a taxa de desemprego ficou em 10,9% no 1º trimestre, ao passo que entre as mulheres foi de 14,9%. […] Se o Espiritismo se pretende como um dos impulsionadores do progresso do mundo, faz-se urgente que as federações se atentem para a representatividade nas casas espíritas. As mulheres contribuem nas casas espíritas de forma total, desde o cafezinho até a tesouraria, e muitas vezes são elas que fazem a instituição funcionar, provando todos os dias sua capacidade. Não é raro encontrar uma casa em que toda a assistência, administração e gestão sejam feitas por mulheres, mas o presidente e sua chapa sejam maioria masculina. Este dado seria um ótimo início para uma palestra que fala da participação das mulheres no Espiritismo: dizendo que, sem elas, o espiritismo não existiria. Kardec precisou de médiuns mulheres para conseguir decodificar o Espiritismo e sua esposa, Amélie, foi essencial no processo. Podemos mencionar, ainda, as irmãs Fox, a quem coube a missão de trazer as manifestações mediúnicas à tona para que pudessem ser estudadas. Vale lembrar da emblemática e importante figura de Maria de Magdala, a quem Jesus se apresentou quando ressuscitou e qual foi a reação dos apóstolos senão de duvidar de seu testemunho? E a igreja apagar por completo sua visão amorosa e caridosa de apostolado e entregar a história fantasiosa de uma prostituta quando na verdade Maria de Magdala foi uma mulher dona de si e subversiva aos moldes da época? […] Querem nos homenagear? Unam-se, então, em vossos centros, casas, na mesa de bar, onde puderem e discutam o patriarcado, o machismo, a masculinidade tóxica que também oprimem vocês. Desconstruam e desçam do patamar de detentores da voz e da verdade, escutem, ouçam de verdade as mulheres à sua volta. Se temos um dia no calendário específico é para que todos nos lembremos do quanto ainda é preciso dizer o óbvio. Se você não encarnou como mulher, por favor, deixe que falemos por nós mesmas, não precisamos de porta-vozes. Puiblicado no Facebook em 2/3/2020.O espiritismo será o que os homens fizerem dele

Desigualdade e luta de classes no Brasil

Pesquisa Datafolha sobre religião

A vez dos progressistas
A conjugação desses três fatores –crescimento dos evangélicos, diminuição dos católicos e aumento dos sem religião– permite vislumbrar um quadro animador para quem, como nós, sustenta uma filosofia livre pensadora, não religiosa, mas espiritualista. O catolicismo formatou a civilização ocidental e, ao curso destes dois milênios, apesar de resistências internas, mostrou-se hábil para acompanhar suas mudanças culturais. Especialmente a partir das últimas décadas do século XX, a Cúria Romana tem demonstrado capacidade de modernização, com a ação de líderes progressistas, como o é o atual pontífice. Palavras atribuídas a Francisco, em cena do filme “Os dois papas”, num diálogo com o conservador Bento XVI, traduzem essa preocupação: “Parece que já não pertencemos a este mundo. Uma igreja que não casa com sua era se tornará viúva na próxima era”. Ou seja: o atual chefe do catolicismo, por seu pensamento e ações, lidera um processo de secularização da Igreja, aproximando-a da sociedade laica, não religiosa.Católicos, mas nem tanto
Dentre os 10% que se dizem sem religião, muitos são espiritualistas laicos, que sustentam um pensamento progressista, apto a identificar na proposta espírita sua visão de mundo. Bastará, para tanto, que o espiritismo renuncie a seu perfil religioso e se torne capaz de “casar-se” com as tendências da nova era. Mesmo no seio do catolicismo, milhares de pessoas admitem os princípios espíritas. Uma pesquisa de 2007 da própria Datafolha registrava que 44% dos católicos brasileiros acreditavam na reencarnação. Costumo dizer que, hoje, se alguém se postar em frente a uma Igreja e perguntar, na saída da missa, se os fiéis creem na reencarnação obterá mais de 50% de respostas afirmativas. O próprio papa tem externado conceitos que se chocam com a tradicional doutrina cristã e coincidem com a teoria espírita. Recente artigo do teólogo Leonardo Boff reproduz esta frase atribuída a Francisco: “Deus não conhece uma condenação eterna, pois perderia para o mal. E Deus não pode perder”.Terreno neutro
Na mesma medida em que o catolicismo se seculariza e mantém em seus quadros almas abertas ao progresso, o fundamentalismo cristão migra para as religiões pentecostais e neopentecostais. Nessa polarização, deixa de existir espaço, no Brasil, para a “religião espirita”, surgida no meio católico e que herdou muito do conservadorismo do qual este busca se libertar. Conclusão: ou o espiritismo reassume o perfil que lhe foi delineado por Kardec, de “terreno neutro” entre as religiões, deixando de se apresentar como uma delas, ou continuará figurando com escassa pontuação estatística, mesmo nos países onde tem maior representatividade, como no Brasil. Seu potencial de crescimento está nos segmentos dos “sem religião” e dos católicos progressistas. (Texto publicado na coluna Opinião em Tópicos dos jornais OPINIÃO, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, e ABERTURA, do Instituto Cultural Kardecista de Santos, edições de janeiro e fevereiro/2020)A cafajestagem bolsominion
