Resistência espírita: território do amor que pensa
Por Ana Claudia Laurindo e 23/1/2020
A Banalidade do Mal: o que levou o cidadão comum a aderir ao Nazismo
A Banalidade do Mal: o que levou o cidadão comum a aderir ao Nazismo
Por Joel Paviotti em Iconografia da História.
O que levou o cidadão de bem a aderir ao nazismo e fechar os olhos aos absurdos que ocorreram na Alemanha, durante o governo de Adolf Hitler?
Como o conceito de banalidade do mal alterou significativamente a forma de entender como a maldade ganha força nas sociedades contemporâneas, através de indivíduos comum.
Adolf Eichmann, o homem comum que enviou milhões de judeus para encontrar com a morte em campos de concentração, aguarda sua execução no corredor da morte.
Foi através da história desse burocrata alemão, que a filosofa Hannah Arendt criou o conceito de ‘banalidade do mal’, para explicar como um cidadão comum foi capaz de cometer maldades terríveis, a partir da perda da capacidade de reflexão.
O período do nazismo na Alemanha é considerado como produtor de uma das maiores tragédias da história da humanidade. Conhecido como holocausto, o evento consistia em separação, submissão ao trabalho forçado, e extermínio de judeus em massa. Os locais escolhidos para realizar essas barbáries foram os campos de concentração. Eichmann, filho de um bibliotecário e de uma empregada doméstica, foi um dos principais responsáveis por organizar a logística e viabilizar as viagens dos vagões da morte. Em um serviço que propiciou o start para o processo de extermínio dos judeus.
Após a queda do Reich, e ocupação das tropas aliadas em Berlim, Eichmann conseguiu fugir para a Argentina, onde mudou de nome, e arrumou um emprego na Mercedes Benz. Após 15 anos vivendo na surdina da falsa identidade, foi capturado, em 1960, por uma equipe do Serviço Secreto Israelense. Levado até o Tribunal Internacional, Eichmann era tratado como um homem monstruoso, até o inicio do julgamento.
A ideia da monstruosidade do burocrata só foi desconstruída quando a Judia Hannah Arendt, que foi obrigada a se exilar nos Estados Unidos após ascensão do nazismo, foi enviada por uma revista norte-americana, para escrever sobre o processo de julgamento do alemão.
A filósofa, após ler as quase 4 mil páginas de inquérito policial e as peças de acusação e defesa, acabou se deparando com um homem terrivelmente comum. Eichmann era um pai de família exemplar, daqueles que olhava os cadernos dos filhos, que tratava a esposa com respeito e carinho, cultivava crença religiosa protestante, frequentava igreja e cumpria ordens sem questionamentos. Sua principal preocupação era executar suas funções com a maior eficiência possível. Hannah percebeu que o alemão não se considerava parte do assassinato em massa, que em sua mente o errado seria não ter realizado os atos de sua função. Durante o interrogatório, o ex-burocrata se sentia mal quando confrontado, pelas partes, que suas ações foram responsáveis pela morte de milhões de Judeus, que seu respeito às ordens do governo alemão foi responsável por levar parte significativa de um povo para câmara de gás.
Arendt foi pressionada de todos os lados para descrever Eichmann como o satanás, mas em respeito à honestidade intelectual, viu ali a oportunidade de criar um novo conceito para entender a maldade do século XX. Foi nessa ocasião que nasce um dos pontos altos de sua obra: ‘A banalidade do mal’.
Foi a partir do acompanhamento do julgamento que a filósofa teorizou que o pior mal é realizado pelo cidadão comum, o homem médio, pessoas que estão inseridas em um sistema onde a maldade é difundida por todos os lados, principalmente quando esses perderam a capacidade de reflexão crítica e a habilidade de dizer não e se indignar perante a anti-ética do sistema. Os monstros estão mais próximos de nós do que pensamos e todo homem pode reproduzir o mal sem entender o que está fazendo como um absurdo.
Os textos de Arendt, que receberam duras críticas pela comunidade internacional, foram publicados no livro ‘Eichmann em Jerusalém’, e alterou significativamente a visão da comunidade internacional sobre como os crimes contra humanidade ocorrem. A autora chegou a conclusão que o mal é difuso na sociedade, e que quando ele se banaliza, as barbaridades mais terríveis passam a ocorrer.
O conceito de banalidade do mal contribuiu para que os estados e as universidades passassem a se preocupar com o ensino reflexivo crítico, pautado nos direitos humanos e priorizassem a formação dos alunos através do ensino da maior pluralidade de ideias possível, para que eles não percam a capacidade de se indignar nas situações em que a ética humana é colocada em xeque.
O mal, se descuidado, passa de exceção para a regra, e os seus malfeitores não percebem a gravidade da maldade que estão perpetrando.
Deixar de ensinar nas escolas a pluralidade de ideias é contribuir para reforçar a banalização do mal entre nós.
P.S.: Um pouco antes do enforcamento, Eichmman enviou uma carta à corte que o julgou pedindo clemência, ele alegou que era apenas uma peça no sistema, e que os verdadeiros responsáveis pelas mortes foram os líderes do governo alemão.”
Referências:
AGUIAR, O. A. Violência e banalidade do mal. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/…/violencia-e…/. Acesso em 10/03/2019.
ANDRADE, Marcelo. A banalidade do mal e as possibilidades da educação moral: contribuições arendtianas. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n43/a08v15n43.pdf. Acesso em 11/03/2019. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.Ovelhas e lobos
“Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas.” Mateus, 10, 16.
Publicado no Facebook em 19/1/2020.Citação nazista
Obra de Eric Hobsbawn está disponível para download
História do marxismo de Eric Hobsbawm (completa)
Vol. 1 – O marxismo no tempo de Marx Vol. 2 – O marxismo na época da Segunda Internacional, parte 1 Vol. 3 – O marxismo na época da Segunda Internacional, parte 2 Vol. 4 – O marxismo na época da Segunda Internacional, parte 3 Vol. 5 – O marxismo na época da Terceira Internacional – a Revolução de Outubro, o austromarxismo Vol. 6 – O marxismo na época da Terceira Internacional – da Internacional Comunista de 1919 às frentes populares Vol. 7 – O marxismo na época da Terceira Internacional – a URSS da construção do socialismo ao stalinismo Vol. 8 – O marxismo na época da Terceira Internacional – o novo capitalismo, o imperialismo, o terceiro mundo Vol. 9 – O marxismo na época da Terceira Internacional – problemas da cultura e da ideologia Vol. 10 – O marxismo na época da Terceira Internacional – de Gramsci à crise do stalinismo Vol. 11 – O marxismo hoje, parte 1 Vol. 12 – O marxismo hoje, parte 2 Publicado no pagina EàE em 15/1/2020Resenha de Carlos Nelson Coutinho
Uma das maiores comprovações do valor científico do materialismo histórico, da teoria marxista da sociedade, é sua capacidade de aplicar-se a si mesmo: como todas as manifestações do pensamento humano, também o marxismo é fruto de constelações históricas concretas. E revela sua vitalidade porque evolui, se enriquece e se modifica na tentativa incessante de compreender e responder adequadamente aos novos problemas colocados pela evolução histórico-social.
Ainda são poucas, ao que eu saiba, as tentativas de elaborar uma história global do marxismo à luz do próprio marxismo. As amplas e importantes monografias sobre períodos e autores concretos, independentemente do seu eventual valor autônomo, são um material preparatório indispensável, mas não anulam a necessidade dessa história global; uma história que, por ser marxista, não pode se limitar a reproduzir a evolução das ideais, mas deve também indicar as raízes sociais dessas ideias e sua influência concreta nos movimentos políticos e sociais que nelas se inspiram.
Tão-somente uma história desse tipo pode indicar a resposta para uma questão decisiva: o marxismo foi capaz, em suas inúmeras ramificações e “escolas”, em suas várias etapas e correntes, de se conservar ao mesmo tempo fiel aos princípios básicos do materialismo histórico e à complexidade de uma realidade dinâmica e em permanente evolução?
Para uma concepção dogmática do marxismo, uma história assim concebida seria impossível. Marx e Engels (e Lênin) já teriam formulado um corpo doutrinário completo e acabado, que caberia aos novos marxistas apenas “aplicar” à realidade; tudo o que aparentemente diverge desse pretenso corpo acabado – definido, ademais, de modo estreito e dogmático – não passaria de “revisionismo”, de abandono ou traição do verdadeiro “marxismo” (ou “marxismo-leninismo”); e, por conseguinte, estaria fora de uma história do marxismo enquanto tal.
A posição que Eric J. Hobsbawm e seus colaboradores assumiram na programação e realização dessa “História do marxismo” (da qual é publicada agora o primeiro volume) diverge fundamentalmente dessa posição dogmática.
A presente “História” parte da existência de uma “pluralidade” de leituras do marxismo; mas, ao mesmo tempo, mostra como a teoria marxista conserva um núcleo unitário em meio às necessárias concretizações e variações. Por isso, Hobsbawm tem a preocupação de não convocar para a redação dos diversos capítulos da obra (projetada para quatro volumes) apenas marxistas, digamos, de uma mesma orientação. E já essa variedade de abordagens indica ao leitor a abertura dialética de um pensamento que, longe de se contentar com a mera repetição escolástica dos seus “clássicos”, revela-se tanto mais fiel aos ensinamentos dos mesmos quanto mais é capaz, ao mesmo tempo, de se manter fiel à realidade histórica em seu incessante devir.
Dando espaço em sua “História” ao que poderíamos chamar de “pluralismo” marxista, Hobsbawm não pretende dizer que todas essas “escolas” e correntes têm o mesmo valor de cientificidade ou a mesma fidelidade ao marxismo. Ao admitir o fato real do pluralismo nas investigações marxistas, não se está admitindo um relativismo vulgar ou um ecletismo anticientífico. O que se está é constatando um outro fato real que, também no interior do marxismo, a busca da verdade não pode fugir à explicitação ampla e democrática de um debate aberto, de um livre confronto de ideias.
O especial de Natal do Porta dos Fundos é uma blasfêmia?
O especial de Natal do Porta dos Fundos é uma blasfêmia?
Dora Incontri – Jornal GGN
“A polêmica sobre o especial de Natal do Porta dos Fundos, a Primeira Tentação de Cristo, veiculado pela Netflix, segue firme. Eu mesma recebi de várias pessoas o convite para cancelar a assinatura do canal por conta da ‘blasfêmia’, cometida pelo grupo.
[…]
Apesar desses questionamentos, que o artista pode fazer a si mesmo, considero que a arte tem que ser livre sempre. Não podemos colocar limites, porque ela usa as armas que dispuser, que puder, para justamente desconstruir sacralidades, relativizar coisas absolutistas, usar reflexões provocativas, que nos levem a um estranhamento da realidade.
Assisti ao Especial de Natal e apesar de me considerar cristã e amar profundamente Jesus, não me senti em nada ofendida.
Primeiro, porque mesmo no campo teológico, histórico, houve e há inúmeras discussões sobre a figura de Jesus. Teria sido ele mais humano ou mais divino ou apenas humano? Teria conhecido as ‘tentações’ da carne? Estaria ele seguro de sua missão?
Outra coisa interessante que até muitos cristãos primitivos chegaram a considerar: o Deus do Velho Testamento era o mesmo Deus ensinado por Jesus? Um Deus guerreiro, punitivo, vingativo – que manda Abrahão matar seu filho, como prova de fidelidade – coisa aliás citada por Gregório no especial… Havia, por exemplo, os marcionitas, uma corrente de ‘heréticos’, – ou que foram assim considerados por divergirem do credo católico – que achavam que o Novo Testamento não deveria ser incorporado, ligado ou submetido ao Velho. Hoje vemos o acerto dessa proposição, quando evangélicos radicais citam mandamentos absurdos do Velho Testamento, que aliás, se opõem frontalmente à visão amorosa de Jesus.
Então, no reino da liberdade, que deve ser o horizonte que todos queremos para o mundo, não há nada que não possa ser discutido, questionado ou refutado.
[…]
Como anarquista, defendo a liberdade sempre. Se não gosto de algo, não vejo, desligo o canal e pronto.
Assim, não achei graça no Especial de Natal do Porta dos Fundos, mas lembrando Voltaire, defenderei até a morte, o direito de expressão da arte.”
A leitura do texto completo pode ser feita aqui.
O patrão quando manda embora
2019 termina assim
Meu vizinho decidiu não viver mais. Deixou mulher e filho. Tinha menos de 40 anos. Trabalhava com Uber após uma demissão que o deixou na lama.
Certamente, as pessoas dirão: “ah, mas não foi só por isso!”. Eu gostaria de frisar o “só por isso”. Em relação aos suicidas, o primeiro pensamento que vem é o da covardia e depois o do pecado. Continuamos enterrando os suicidas fora dos campos santos.
Fui com ele até meu trabalho, em novembro. Conversamos bastante, durante os 40 minutos da viagem. Ele, como eu, fora demitido sem receber nada de uma empresa. Assim como eu, teve ex-colegas de trabalho que foram defender os patrões, frente a um juiz claramente patronal. Assim como eu, não foi amparado pela justiça trabalhista e assim como eu teve de pagar as custas processuais. Há dois anos.
E as pessoas dirão: “ah, mas a justiça trabalhista tava cheia de gente vivendo às custas das causas; gente vagabunda”. Amigo leitor, nem eu nem meu vizinho somos vagabundos. Trabalhamos desde muito jovens.
Assim como eu, ele ficou depressivo. Assim como eu, foi parar no hospital muitas vezes (este, ano, no meu caso, umas dez vezes, sendo uma delas cinco dias de UTI). Assim como eu, muitos de seus amigos sumiram. Assim como eu, ele perdeu a dignidade que o mercado dá a quem tem um emprego regular, salário, os “direitos trabalhistas” que a justiça atual insiste em retirar. Assim como eu, ele ouvia “você precisa levantar da cama”. Assim como centenas de milhares de brasileiros vitimados pelo sistema nos últimos anos.
Somos 24 milhões de brasileiros na informalidade, fazendo Uber, entregando Ifood, catando latinhas, o que para o jornalismo da Globo é empreendedorismo. São milhões sem fundo de garantia, sem férias, décimo-terceiro — e o jornalismo, a despeito dos gritos dos pequenos lojistas, mostra que as vendas cresceram. Uma mera comparação com os números do ano passado mostram que não. Não crescemos, não vendemos, e alimentamos um mercado com “empreendedores sem patrão”.
A uberização deixa a sociedade instável. Sem poder de compra, sem fundo, sem nada, com os ganhos flutuantes, não há como planejar… E alguém dirá: “ah, mas basta trabalhar bastante, que o Uber dá, sim”. Meu! Trabalhe 15, 18 horas num dia! É voltar ao começo da industrialização!
Diferentemente de mim, que tenho amparo, meu vizinho não teve. Diferentemente de mim, ele não conseguiu trabalho. Foi um processo para o chão, para o buraco, para o escuro para ele.
Era um cara estudado. Em nossa conversa, vi que comungávamos de uma mesma visão de mundo: éramos e continuamos sendo contra um governo miliciano, assassino, que retira as poucas conquistas que tivemos nas últimas décadas.
Como eu, ele via que estamos perdendo tudo: a natureza, a saúde, a educação formal (e, eu diria, a informal), a paz. Os números de feminicídios e assassinatos da população LGBT aumentaram. As invasões de terras indígenas, quilombolas e de terreiros aumentaram.
E há quem diga que meu vizinho tirou a vida por ser fraco, por ser covarde, por não ter tido esperança, por não pensar no filho.
Era um cara sorridente, amável. Deixei minha casa aberta. Faço isso com pouquíssimas pessoas. Eu creio que poderia ter estendido a mão mais firme.
Num ano que começou com a frase “ninguém solta a mão de ninguém”, ele percebeu que isso era impossível porque ninguém segurava a mão de ninguém. Assistimos passivamente a todas as perdas, à iniquidade, à violência estatal, à violência urbana e fizemos muito pouco.
Meu vizinho não teve a ajuda da Justiça, da religião (preocupada com as coisas da “alma”, enquanto precisamos de feijão e pagar o colégio dos filhos), dos amigos, da família.
Bom, em memória dele, dessa vez não posso terminar o ano com frases bonitinhas e feitas. Estou bem triste.
Mas espero que 2020 seja um ano de luta, para que heróis como ele permaneçam vivos.