Milton Medran Moreira – Jornal Opinião
Pesquisa Datafolha publicada nos primeiros dias de 2020 confirmou tendência que se acentua desde as últimas décadas do século XX: a passos largos, as religiões evangélicas no Brasil ameaçam a supremacia do catolicismo. Hoje, 31% dos brasileiros se declaram evangélicos. Os católicos, que já representaram 99% da população, são apenas 50%, enquanto que os “sem religião”, categoria praticamente inexistente nas pesquisas mais antigas, já somam 10% de nossa população. A “religião espírita” continua aparecendo em terceiro lugar no ranking das “crenças” dos brasileiros, com 3%, índice no qual estaciona há décadas.
A vez dos progressistas
A conjugação desses três fatores –crescimento dos evangélicos, diminuição dos católicos e aumento dos sem religião– permite vislumbrar um quadro animador para quem, como nós, sustenta uma filosofia livre pensadora, não religiosa, mas espiritualista. O catolicismo formatou a civilização ocidental e, ao curso destes dois milênios, apesar de resistências internas, mostrou-se hábil para acompanhar suas mudanças culturais. Especialmente a partir das últimas décadas do século XX, a Cúria Romana tem demonstrado capacidade de modernização, com a ação de líderes progressistas, como o é o atual pontífice. Palavras atribuídas a Francisco, em cena do filme “Os dois papas”, num diálogo com o conservador Bento XVI, traduzem essa preocupação: “Parece que já não pertencemos a este mundo. Uma igreja que não casa com sua era se tornará viúva na próxima era”. Ou seja: o atual chefe do catolicismo, por seu pensamento e ações, lidera um processo de secularização da Igreja, aproximando-a da sociedade laica, não religiosa.
Católicos, mas nem tanto
Dentre os 10% que se dizem sem religião, muitos são espiritualistas laicos, que sustentam um pensamento progressista, apto a identificar na proposta espírita sua visão de mundo. Bastará, para tanto, que o espiritismo renuncie a seu perfil religioso e se torne capaz de “casar-se” com as tendências da nova era. Mesmo no seio do catolicismo, milhares de pessoas admitem os princípios espíritas. Uma pesquisa de 2007 da própria Datafolha registrava que 44% dos católicos brasileiros acreditavam na reencarnação. Costumo dizer que, hoje, se alguém se postar em frente a uma Igreja e perguntar, na saída da missa, se os fiéis creem na reencarnação obterá mais de 50% de respostas afirmativas. O próprio papa tem externado conceitos que se chocam com a tradicional doutrina cristã e coincidem com a teoria espírita. Recente artigo do teólogo Leonardo Boff reproduz esta frase atribuída a Francisco: “Deus não conhece uma condenação eterna, pois perderia para o mal. E Deus não pode perder”.
Terreno neutro
Na mesma medida em que o catolicismo se seculariza e mantém em seus quadros almas abertas ao progresso, o fundamentalismo cristão migra para as religiões pentecostais e neopentecostais. Nessa polarização, deixa de existir espaço, no Brasil, para a “religião espirita”, surgida no meio católico e que herdou muito do conservadorismo do qual este busca se libertar.
Conclusão: ou o espiritismo reassume o perfil que lhe foi delineado por Kardec, de “terreno neutro” entre as religiões, deixando de se apresentar como uma delas, ou continuará figurando com escassa pontuação estatística, mesmo nos países onde tem maior representatividade, como no Brasil. Seu potencial de crescimento está nos segmentos dos “sem religião” e dos católicos progressistas.
(Texto publicado na coluna Opinião em Tópicos dos jornais OPINIÃO, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, e ABERTURA, do Instituto Cultural Kardecista de Santos, edições de janeiro e fevereiro/2020)