Desde que o Brasil começou a perder a esperança fui, aos poucos, evitando me expressar por meio da roupa. Acho que menos por medo e mais por cansaço ou vice-versa, não sei.
Mas ultimamente tenho começado a romper a barreira do silenciamento. Neste 24 de dezembro, depois de usar uma droga que causa euforia e sensação de poder chamada beta-endorfina, conseguida após cinco quilômetros de corrida, resolvi que iria cortar o cabelo com uma profissional – pela primeira vez este ano – e usaria a camiseta dos Espíritas à Esquerda.
Não conhecia o salão mas não se pode esperar nada diferente do usual numa região de Brasília onde a maioria votou em ‘você sabe quem’ no sentido J. K. Rowling da coisa e que, no exato espaço de dois quilômetros entre uma área comercial e outra, conta com uma igreja católica, três neopentecostais e uns 50 cabeleireiros. Quem conhece Brasília não vai estranhar. Aqui é uma cidade planejada e até na parte que cresce desordenadamente, os grileiros buscam inspiração em Niemeyer. Neste contexto sociogeográfico, corre-se o risco de uma camiseta dessas ser lida como ‘comunista macumbeira’.
Antes de sair, o diálogo:
– Cê vai com essa camiseta? Tá procurando treta, hein…
– Tô na minha. Quem quiser encarar…
– E o natal, fraternidade e tal?
– Saco cheio dessa hipocrisia.
E já que vou pra briga, volto e me preparo.
Ponho Gabriel Garcia Márquez debaixo do braço, como quem põe uma arma num coldre de ombro. Saio confiante e orgulhosa pelas trinta e duas revoluções armadas que o coronel Aureliano Buendia perdeu.”
Data: 25.12.2020
Por Elizabeth Hernandes
Membro do “Coletivo Nacional Espíritas à esquerda” em Brasília