A luta é para mudar

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Fotografia de Vladimir Lênin falando à multidão na Praça Vermelha, Moscou, em 25 de maio de 1919, tirada por W. A. Wovschin. A fotografia original é em preto e branco

A grande virtude daquele que luta pela transformação da sociedade, aliada à perseverança, é a capacidade de compreender com clareza a sua realidade, pois é por meio do melhor entendimento do mundo à sua volta que o artífice do novo mundo atua com eficácia na obra de preparação da nova sociedade.

A sociedade, como de resto toda a realidade do mundo material, segue, pouco a pouco, transformando-se num contínuo fluxo histórico. No caso do movimento da história das sociedades, essa transformação se dá por meio de processos dialéticos que a explicam e permitem seu melhor entendimento.

Seja no mundo físico, com suas mudanças geológicas contínuas que fazem do planeta um organismo em mutação, ou na esfera biológica, que se expressa pelas transformações constantes de corpos e espécies, tudo, como já dissera Heráclito, é um devir, um vir a ser, e a única substância do real é a mudança.

As transformações da organização das sociedades humanas, em específico, são mais bem compreendidas se vistas como ciclos contínuos de pequenas mudanças que acabam por formar estruturas sociais completamente novas, muito diferentes das que as originaram. Essa transformação gradual que gera algo novo, sem paralelo com sua origem, é chamada de movimento dialético.

Fotografia de Vladimir Lênin falando à multidão na Praça Vermelha, Moscou, em 25 de maio de 1919, tirada por W. A. Wovschin. A fotografia original é em preto e branco

A partir das propostas de entendimento das relações sociais humanas por meio do movimento dialético feitas por Hegel, dois discípulos dessa construção da dialética hegeliana, Karl Marx e Friedrich Engels, propuseram um método[1] para a análise histórica das sociedades que desvelou a todos a forma como se dão as transformação das organizações sociais. Entendeu-se, a partir da luz hegeliana e da senda aberta pelo método dialético de análise marxista, que as mudanças históricas no fenômeno social são regidas por leis tanto quanto as mudanças nas espécies biológicas também o são, como ensinou Darwin.

A importância do uso do método dialético para o entendimento de determinado momento histórico é dada pela melhor capacidade de leitura do real de quem o aplica. Portanto, o método marxista de análise, conhecido como materialismo dialético, é ferramenta essencial para todo aquele que se propõe a transformar a sociedade e a melhor compreender a realidade em que está inserido.

Lênin, em sua crítica ao “esquerdismo”[2], insiste, em muitos momentos do seu texto, sobre a importância da percepção correta da realidade para que se possa atuar da melhor forma possível e com os melhores resultados. Plekhánov, um dos primeiros marxistas russos e opositor de Lênin e do Partido Bolchevique, ainda no fim do século XIX, também ressalta a importância de se fazer uma leitura correta do mundo real para que se possa nele atuar com a eficácia pretendida, e foi assim, usando a análise marxista na realidade em que vivia, que percebeu a impossibilidade de um processo revolucionário proletário na Rússia semifeudal de Alexandre III[3].

Armado do método adequado, é necessário também compreender que o processo dialético que transforma as sociedades ocorre por meio de mudanças contínuas, que se acumulam até haver um momento de ruptura. A mudança que se dava de forma quantitativa e sequencial, nalgum momento apresenta-se como uma nova realidade, de outra qualidade. Ainda Plekhánov, em seu artigo sobre o processo das mudanças históricas[4], ressalta essa etapa de toda transformação dialética, seja da natureza ou das sociedades humanas: a mudança qualitativa.

Esse momento do processo dialético, em que uma nova realidade se apresenta em substituição a outra, é uma ruptura abrupta com a ordem anterior. As placas tectônicas do planeta, por exemplo, vão-se movendo pouco a pouco até que uma grande explosão se apresenta como fundadora duma nova condição da superfície terrestre. O mesmo se dá com a crisálida que, numa mudança de estado completa, irrompe-se em borboleta. Ou ainda a água que esquenta pouco a pouco e, de repente, ao atingir o momento de ruptura, transforma-se radicalmente num estado completamente novo. Todos são exemplos tirados do próprio texto indicado de Plekhánov.

O mesmo se dá com as sociedades. Suas mudanças, muitas vezes insignificantes ou imperceptíveis, acumulam-se até um momento em que uma estrutura completamente nova se apresenta. Esses momentos de ruptura são bem conhecidos na história como aqueles que foram marcados por processos revolucionários, geralmente violentos, e que foram capazes de instituir uma nova ordem social.

Todos os países independentes que experimentaram as transformações internas do sistema feudal de produção, que acabaram por gerar uma nova ordem socioeconômica, o sistema capitalista de produção, viveram processos violentos de ruptura que instauraram a nova estrutura de sua organização social. E esse entendimento dos processos dialéticos históricos de transformação social é também uma forma de melhor compreender a realidade em que se está inserido e as consequência dessa ação transformadora.

Portanto, se se pretende lutar por uma nova sociedade, em que homens e mulheres vivam em plena liberdade e sem a exploração da sua força de trabalho, é preciso compreender que num momento qualquer as forças dessa transformação, que se somam ao longo dos anos e séculos pelo acúmulo das conquistas pontuais de direitos, desencadearão eventos disruptores que instaurarão uma nova realidade nas sociedades humanas.

Concluindo, então, essa breve reflexão, pode-se afirmar, àqueles que têm fome e sede de justiça e lutam por uma nova realidade nas relações humanas, que o caminho do consolo aos que choram é a capacidade de compreender com clareza a realidade em que se vive, usando o método adequado, para que nela se possa atuar na busca da sua transformação, obtendo os melhores resultados e entendendo a necessidade dialética da ruptura, porque, afinal, não basta interpretar o mundo, mas sim transformá-lo[5].

Notas:

[1] Ver “A ideologia alemã”, de Marx e Engels, em que é aplicado o método dialético para o entendimento da história das sociedades.

[2] Ver “Esquerdismo: doença infantil do comunismo”, de Vladimir Lênin.

[3] Comentário feito por China Miéville em sua obra “Outubro: história da Revolução Russa”.

[4] Ver “Os saltos na natureza e na história”, de Georgi Plekhánov.

[5] Essa é a 11ª das “Teses sobre Feuerbach”, de Karl Marx.

Publicado no Facebook em 10/06/2020

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