Chacina. Matança. Extermínio. Uma operação policial que resultou em 25 mortes é em tudo um fracasso técnico e moral. Se a função da polícia é preservar a paz, a integridade dos cidadãos e a ordem da sociedade, então a operação do dia seis de maio na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, foi um fracasso em todos os sentidos. A Polícia Civil fluminense fracassou, ou está escondendo suas intenções reais.
O saldo de 25 mortos, sendo um policial, revela, na melhor das hipóteses despreparo, incapacidade, falta de inteligência e truculência. E a pior das hipóteses parece ser a mais plausível: uma ação violenta deliberada e seletiva.
Com a conivência da grande imprensa, a Polícia diz que 24 mortos eram “bandidos”. A afirmação contrasta com os relatos de moradores: casas invadidas, pessoas sendo arrastadas, tiros atingindo estação de metrô, portas arrombadas, poças de sangue pelo chão, centenas de cartuchos de munição detonadas pelas ruas. Não é difícil deduzir que as vítimas são pessoas pobres e negras na sua maioria, jovens provavelmente.
As versões oficiais desenham um confronto entre policiais e bandidos, como se fosse possível traçar uma linha de moralidade que justificasse a matança. Acontece que o cenário que “justifica” a operação é a suposta “guerra às drogas”, que mata mais gente do que as próprias drogas.
Especialistas em segurança pública sugerem que a ação promove o enfraquecimento de determinadas quadrilhas para favorecer a ocupação de territórios por milícias, o que se traduziria numa ação de estado para favorecer um tipo de organização criminosa.
Nenhuma morte se justifica. Especialmente porque dos dois lados as vítimas são sempre jovens negros e pobres, soldados de uma guerra que não é deles que beneficia elites de vários escalões.
A operação do Jacarezinho, a chacina, é claramente mais uma manifestação da necropolítica, do extermínio seletivo, racista, eugenista e deplorável. Reflexo de uma sociedade que vive um evidente apartheid social que se aprofunda sob governos que tem a morte como programa de governo.
E, como todo programa de governo, contempla ações pragmáticas. Não se pode ignorar a sequência de fatos, amplamente divulgada na Imprensa:
1. Menos de 12 horas antes da chacina, o Presidente da República reuniu-se com o governador do Rio, Cláudio Castro. Cláudio Castro é a pessoa que pode parar uma operação desse tipo. Ou ordenar.
2. A chacina, perdão, operação “Exceptis”, foi protagonizada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, sob o pretexto de que traficantes estavam aliciando crianças e adolescentes. Desde quando os traficantes NÃO aliciam crianças e adolescentes vulneráveis? Por que mais uma ação de “defesa das criancinhas do Brasil” resulta em mais mortes de pretos e pobres?
3. Quem ganha com a chacina? As milícias. Simples e sinistro assim. Numa unidade da Federação controlada pelo crime, quando o tráfico perde, a milícia ganha. E o cidadão? Esse já nasce derrotado, que o digam as crianças negras vítimas de “balas pedidas”.
Esta chacina foi enorme, mas não foi a primeira. Soma-se às trágicas mortes de crianças por “balas perdidas”, desaparecimentos, fuzilamentos injustificáveis (lembram daquele músico que sofreu 80 tiros?).
Estancar a necropolítica que se nutre de racismo, homofobia, sexismo e toda forma de discriminação é tarefa urgente. Essa é uma nota de luto que deve ser concluída com uma esperança de luta. Faça alguma coisa para parar esse rio de sangue.