Religião também é política

0
Sim, “religião também é política”. E deixamos aqui essa reflexão feita por Sheila Walker e Chucho Garcia em entrevista ao jornal quando do “1º Encontro de Povos de Terreiros Ègbé – eu e o outro”, realizado nos dias 15 e 16 de junho, em Belo Horizonte, MG.
Reflexão feita por Sheila Walker e Chucho Garcia no “1º Encontro de Povos de Terreiros Ègbé – eu e o outro”
E fica a dica para os muitos que vêm à nossa página dizer que religião e política não se misturam ou, particularizando, que não deveríamos misturar o espiritismo à política. Para nós, da página, e que isso fique BEM claro, não há como dissociar o espiritismo da realidade social em que vivemos, portanto, espiritismo É política na sua essência, espiritismo e política são indissociáveis. E mais, aqueles que pretendem pregar um suposto espiritismo apolítico fazem justamente a política sem consciência, sem buscar a reflexão sobre a realidade, portanto é a pior política possível para as pessoas trabalhadoras que sofrem a realidade da exploração cotidiana de seu suor e de sua alma. Somos seres integrais e não há como pensar um espiritismo inócuo, apolítico e insosso. Espiritismo é para seres humanos, para trabalhadores, mulheres, pobres, homens, negros, LGBTs, índios, sem-teto, sem-terra, enfim, para os que vivem no mundo real, sofrem e precisam de consciência, organização e consolo. Para nós, não há como ser diferente disso. Texto do Portal Geledés. Publicado no Facebook em 30 de junho de 2019.

Breve recorte sociopolítico

40 anos da morte de J. Herculano Pires. Para Herculano Pires, “o espírita tem, como cidadão, o direito e o dever de intervir na vida civil do seu país, de participar dos pleitos eleitorais, tanto votando como sendo votado.” E “criaríamos uma ilusão antiespírita se acreditássemos na possibilidade dessa abstenção política alvitrada por alguns confrades em diversas ocasiões.”
José Herculano Pires, “Apóstolo Do Espiritismo”
Ele lembra a imagem do rev. Stanley Jones, em Cristo e o Comunismo, de que o marxismo é o chicote do templo para expulsar os vendilhões. Mas que pode a humanidade torná-lo dispensável, bem como a qualquer corrente esquerdista revolucionária, se optar pelo caminho da espiritualidade, ou seja, se se afastar do “individualismo capitalista, que a tudo corrompe e desvirtua”. Propõe Herculano o que chamou “movimento do Reino”. Uma resposta à situação incômoda vivida, segundo ele, pelo verdadeiro espírita em face das influências perigosas exercidas pela política e pelos partidos sobre espíritas e suas associações; uma solução intermediária entre dois extremos: transformar o movimento espírita em partido político, ou fundar um movimento político que arregimenta espíritas enquanto está à margem do espiritismo. Este movimento do Reino, sem ser necessariamente integrado apenas por espíritas, mas por indivíduos com filiação política ou não, se constituiria por todos que aceitassem seus “objetivos sociais”, sua “reivindicação social e moral, com vistas ao estabelecimento de uma ordem mundial baseada na justiça, no equilíbrio, na fraternidade e no entendimento.” Segundo Herculano, “teria de ser um movimento socializante, contrário ao individualismo capitalista”, e que “poderia começar pelo estabelecimento de um sistema cooperativista de natureza cristã, cujas unidades seriam as pedras fundamentais da nova ordem econômica.” Se, por um lado, tornar o espiritismo uma derivação política de si mesmo embaraçaria ou prejudicaria de vez a execução de sua tarefa divina de trabalhar o coração dos homens, por outro, a dispersão dos espíritas pelos vários partidos políticos equivale, para Herculano, a uma demonstração de incoerência, de uma falta de objetivo político e social na própria doutrina espírita, que o têm. Portanto, Herculano Pires propõe um caminho que, se bem refratário às manipulações demagógico-partidaristas de direita e de esquerda, faz questão de se afirmar socializante e contra o individualismo capitalista, que a tudo corrompe e desvirtua; caminho que, visando atingir uma nova ordem econômica mundial mediante um sistema cooperativista (e cristão), decerto já não aceita a denominação de capitalismo. Utopia? Bem… Isso caberia numa longa conversa, que eu adoraria ter com Herculano, regada a café. (Cf. PIRES, Herculano J. O Sentido da Vida. In: Sociologia espírita, pp. 73/81. São Paulo: Paidéia, 2005.) Por Sergio Aleixo em 09 de março de 2019.

Que faremos agora, Brasil?

“Mas é infâmia demais… Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!” Quando vi Caetano num vídeo feito no México, pálido e trêmulo, pedindo para que se tomassem providências para proteger os Wajãpis no Amapá, que estavam sendo atacados… vi que não podia falar de amenidades, hoje, nessa coluna. Aliás, não temos podido mais falar de amenidades, e eu não tenho me eximido de tocar nas feridas abertas. Qualquer pessoa que tenha a oportunidade e a força de escrever, de falar, de gritar, seja na rua, no Face, no Twiter, num blog ou meramente para os amigos, não pode se calar, não pode se isentar diante das calamidades a que estamos assistindo todos os dias.
Sentimos facadas no peitos todos os dias
As facadas que mataram o cacique dos Wajãpis são as mesmas que cortam a floresta. São parentes dos tiros que mataram Marielle, que teria feito 40 anos na semana passada. As facadas estão nas palavras do presidente (sic) que ameaçam um jornalista que está fazendo seu trabalho e mostrando ao mundo a sujeira do judiciário. As facadas não são as que ele supostamente levou, as que o livraram dos debates, as que não o fizeram sangrar e dadas por alguém que já está solto. As facadas são as que sentimos todos os dias no peito, quando lemos sobre o desmonte do país, quando vemos que há um mês estão presos em São Paulo, por prisão política, Preta Ferreira e companheiros, por lutarem por um teto pelos sem teto…, quando lembramos de Lula preso no frio de Curitiba, quando está público e notório que sua condenação foi fruto de um ato inquisitorial. […] Facadas são as que se afundam em nosso coração, ao vermos a ciência, as universidades, as artes, todo nosso patrimônio cultural, tão duramente construído, estar na mira de terraplanistas, que votam na ONU junto com as ditaduras mais retrógradas do planeta. Estamos assistindo a um projeto de terra arrasada e a impotência dos que têm lucidez para enxergar isso está levando muito gente à desesperança, ao desespero, à depressão. Sou diariamente procurada por gente, que conheço ou não, para o desabafo do total desencantamento. Pois aqui evoco Kardec, uma das minhas inspirações. No Livro dos Espíritos, há uma pergunta e uma resposta que se adequam muito bem ao momento presente: – Por que no mundo, os maus exercem maior influência do que os bons? – Pela fraqueza dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos; quando quiserem, terão a preponderância. Onde estão os brasileiros solidários, os humanistas, os que acreditam que é preciso respeitar a vida, praticar a justiça imparcial e diminuir a miséria, a violência e, acima de tudo, preservar o Brasil como nação soberana e unida? Estão intimidados, paralisados, atônitos? Por que não se faz uma grande frente democrática nacional, unindo políticos suprapartidariamente, artistas, intelectuais, juristas, movimentos sociais, religiosos progressistas e também militares que ainda tenham um pouco de amor à pátria, e se organiza uma resistência contra a barbárie? As diferenças agora não importam. O passado de dissenções agora não importa. É preciso uma ação emergencial, para nos deter à beira do abismo. Mas para todos nós no dia a dia da desesperança, o que nos cabe fazer? A resistência diária é nos solidarizarmos mutuamente, trabalhar nas bases para socorrer, consolar, ajudar. Não desistirmos da música, da poesia, da arte, da prece, do amor e da companhia das pessoas que nos fazem bem. Porque precisamos reunir forças, permanecermos saudáveis psiquicamente, até que a tempestade passe e enxerguemos a luz no final de não sei quantos anos.” Por Dora Incontri para o Jornal GGN em 29 de julho de 2019. O Jornal De Todos os Brasis – O Jornalista Luís Nassif lidera equipe Do Jornal GGN.  Publicado no Facebook em 31 de julho de 2019.

Nós, o lixo marxista

Tomou posse o primeiro governo eleito de extrema-direita do Brasil. Com ele, não há negociação alguma possível. E nem ele procura alguma forma de negociação com aqueles que não comungam seus credos, que não louvam seus torturadores e que não acham que “é duro ser patrão no Brasil”. Não há razão alguma para se enganar e acreditar em certa normalidade: a lógica que irá imperar daqui para frente é a da guerra. Pois isto não é um governo, isto é um ataque. Já o discurso do sr. Jair Messias foi claro. Questões econômicas e sociais estiveram em segundo plano enquanto as duas palavras mais citadas eram “deus” e “ideologia”. Deus estava lá, ao que parece, para nos livrar da “crise moral” em que a república brasileira se encontra. Isto, diga-se de passagem, há de se conceder ao sr. Jair Messias: vivemos mesmo uma crise moral profunda. Ela está instalada no cerne do governo brasileiro. Pois como justificar um governo cujo ministro da justiça ganhou seu cargo como prêmio por ter colocado o candidato mais popular a presidente nas grades e pavimentado a estrada para a vitória de seu atual chefe? Como descrever um governo que já nasce com ministros indiciados e um réu confesso que se escarnece da população brasileira ao afirmar “já ter se acertado com Deus” a respeito de seus malfeitos? Como descrever um presidente cujo motorista foi pego em operações financeiras absolutamente suspeitas e se negado duas vezes a comparecer à justiça sem sequer ser objeto de condução coercitiva? Mas o destaque evidente é a mais nova luta do estado brasileiro contra a “ideologia”. Enquanto uma de suas primeiras medidas governamentais foi diminuir o valor previsto do aumento do salário mínimo, mostrando assim seu desprezo pela sorte das classes economicamente mais vulneráveis, o sr. Jair Messias convocava seus acólitos à grande cruzada nacional para lutar contra o socialismo, retirar das escolas o lixo marxista e impedir que a bandeira brasileira seja pintada de vermelho. Alguns podem achar tudo isto parte de um delírio que normalmente acomete leitores de Olavo de Carvalho. Mas gostaria de dizer que, de certa forma, o atual ocupante da presidência tem razão. Sua sobrevivência depende da luta contínua contra a única alternativa que nunca foi tentada neste país, que nunca se acomodou nem às regressões autoritárias que nos assolam, nem aos arranjos populistas que marcaram nossa história. Pois ninguém aqui tentou expropriar meios de produção para entregá-los à autogestão dos próprios trabalhadores, ninguém procurou desconstituir o Estado para passar suas atribuições a conselhos populares, aprofundando a democracia direta, e nem levou ao extremo necessário a luta pelo igualitarismo econômico e social que permite à todos os sujeitos exercerem sua liberdade sem serem servos da miséria e da espoliação econômica. Ou seja, a verdadeira latência da sociedade brasileira que poderia emergir em situações de crise como esta é um socialismo real e sem medo de dizer seu nome. A sociedade brasileira tem o direito de conhecê-lo, de pensar a seu respeito, de tentar aquilo que ela nunca viu sequer a sombra. Ela tem direito de inventá-lo a partir da crítica e da autocrítica do passado. Mas contra isto é necessário calar todos os que não se contentam com a vida tal como ela nos é imposta por essa associação macabra de militares, pastores, latifundiários, financistas, banqueiros, iluminados por deus, escroques que tomaram de assalto o governo e que sempre estiveram dando as cartas, de forma direta ou indireta. Assim, quando Jair Messias fala que irá lutar contra o lixo marxista nas escolas, nas artes, nas universidades, entendam que esta luta será a mais importante de seu governo, a única condição de sua sobrevivência. Pois ele sabe de onde pode vir seu fim depois de ficar evidente o tipo de catástrofe econômica e social para a qual ele está nos levando. Por Vladimir Safatle para a Folha de São Paulo em 5 de janeiro de 2019. Publicado no Facebook em 05 de janeiro de 2019.   

Kardec: ciência, mediunidade e transformação social

Juliana Paula Magalhães
A página “Espíritas à esquerda” anuncia uma nova coluna periódica de opinião sobre filosofia e espiritismo: agora também teremos entre nós, de forma regular, os textos maravilhosos da nossa querida Juliana Paula Magalhães. Juliana é paulistana, doutoranda e mestra em filosofia e teoria geral do direito pela Faculdade de Direito da USP e bacharela em direito pela mesma instituição. É também autora da obra “Marxismo, humanismo e direito: Althusser e Garaudy”, publicada pela Editora Ideias & Letras. Sua coluna de opinião na nossa página se chamará “Espiritismo, filosofia e sociedade”. Bem vinda, Juliana! —————————————————————

Kardec: ciência, mediunidade e transformação social

O recém-lançado filme “Kardec: a história por trás do nome” é uma brilhante obra cinematográfica, bastante fiel aos fundamentos do legado do mestre lionês. Um importante interregno da vida do professor Rivail –que passou a adotar o pseudônimo Allan Kardec ao ter conhecimento de uma encarnação anterior como sacerdote druida– é retratado, demonstrando a verve de educador e de intelectual combativo do fundador do espiritismo. Interessante notar que a estreia ocorreu em momento extremamente oportuno da história nacional e mundial. Em um período no qual conservadorismo e reacionarismo campeiam, o filme apresenta com primor o espírito iluminista e científico de Kardec. Coincidentemente, 16 de maio de 2019 foi o dia seguinte às históricas manifestações pela educação em nosso país e o filme inicia justamente apresentando o professor Rivail indignado com os rumos que a educação estava tomando na França, sob o governo de Napoleão III. O espiritismo, diferentemente do que muitos pensam, não se trata de um movimento iniciado por um caráter religioso, mas sim eminentemente científico. O cético Rivail ficou bastante intrigado com os fenômenos das “mesas girantes”, na época bastante comuns nos salões franceses. De início, ele acreditou tratar-se de pura prestidigitação, no entanto, ao investigar com cuidado, percebeu que as mesas, na realidade, eram comandadas por inteligências desencarnadas, mediante o concurso de médiuns. Daí surgiu todo o edifício teórico do espiritismo. O rigor científico de Kardec em suas pesquisas era notável e não deixava espaço para embustes e fanatismos. O culto aos médiuns e as tolas crendices –tão comuns, infelizmente, no movimento espírita brasileiro– não pertenciam ao horizonte do mestre lionês. A comunicação de espíritos por meio de apenas um médium não era suficiente para embasar os avanços teóricos da codificação espírita. Kardec recorria a diversos médiuns, das mais diferentes idades e formações e em localidades distintas, indagando as mesmas questões e obtendo as mesmas respostas e esse era um critério importante, ao lado do cuidado metodológico, para que os textos fossem publicados. Em uma época anterior às descobertas de Freud, Kardec pode, em certa medida, ser considerado uma espécie de precursor da psicanálise, por se dedicar ao estudo de manifestações obtidas de maneira inconsciente. Enquanto a psicanálise limita sua abordagem ao horizonte materialista, a perspectiva espírita avança no estudo das manifestações de inteligências desencarnadas, sem desconsiderar os aspectos psíquicos dos médiuns. Por outro lado, na época, Kardec ainda não dispunha do ferramental teórico da psicanálise, o que, em alguma medida, impossibilitou que ainda maiores avanços fossem obtidos. A partir daí já podemos perceber a fecundidade e a importância fundamental de um diálogo entre espiritismo e psicanálise, o qual, contudo, em geral, é negligenciado. O movimento espírita, cuja maior expansão ocorreu no Brasil, mostrou-se, em larga medida, marcado por atavismos religiosos, por uma veneração aos médiuns, por argumentos de autoridade, e por indivíduos que buscam promoção pessoal às custas do espiritismo, buscando vender uma imagem de “seres espiritualizados” e privilegiados, narrando constante contato com espíritos superiores, satisfazendo, dessa maneira, o próprio orgulho ao se sentirem superiores aos demais. Há ainda aqueles que procuram vantagens de ordem material, disfarçados de beneméritos, de médiuns ou de intelectuais, vivendo às custas do espiritismo, mercantilizando a mediunidade e os ensinamentos espíritas. Nesse cenário de horrores, o resgate da cientificidade que sempre pautou as atitudes de Kardec é indispensável. É necessário que o estudo das manifestações espíritas seja feito com rigor e cuidado. O edifício teórico do espiritismo precisa se consolidar e avançar cada vez mais, tanto em seu aspecto científico quanto filosófico, pois, como dizia Kardec, “fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade”. A transformação social é um horizonte que igualmente deve pautar os caminhos do espiritismo, haja vista que os incômodos diante das desigualdades e das injustiças sociais estiveram presentes no pensamento espírita desde sua origem. O filme é muito feliz ao mostrar a preocupação social de Kardec. Contemporâneo de Karl Marx, o célebre descobridor do materialismo histórico, Rivail descortinou para nós o continente da espiritualidade, demonstrando que, ao lado das determinações materiais, a realidade espiritual também exerce influência considerável nos rumos da humanidade terrena. Espiritismo e marxismo, embora com ferramentas distintas, apontam para o mesmo norte de ruptura com as explorações e opressões que se apresentam em nosso mundo. Há um belo diálogo no filme, no qual uma das jovens médiuns que colaboravam com Kardec lhe diz: “não se pode apagar uma luz que já foi acesa”. Trata-se de uma sublime verdade. Contudo, diante dos rumos que a grande massa dos espíritas tem tomado na atualidade, é forçoso constatar que o combustível dessa luz talvez não tenha condições de vir do movimento espírita, mas de cientistas, filósofos, intelectuais e lutadores das causas sociais tão céticos quanto o professor Rivail… Publicado no Facebook em 24 de maio, 2019. Coluna Espiritismo, filosofia e sociedade por Juliana Paula Magalhães

Razão, emoção, espírito…

A temperança é uma das quatro virtudes cardinais, caracterizada pelo domínio de si e pela moderação dos desejos. Nos últimos anos o Brasil tem-se convulsionado e o tecido social em seu fino entrelace ameaça romper-se com consequências imprevisíveis. Em momentos assim urge evocarmos a temperança, essa virtude anda em falta, nas mentes e corações que se deixam levar pela enxurrada de informações bombardeadas diariamente ao sabor dos interesses de pessoas e grupos. O mais novo capítulo dessa história, é o furo de reportagem do The interceptBr, sobre os bastidores da operação Lava Jato, operação que vem influenciando as decisões políticas no país nos últimos 5 anos. Diante das evidências de conluio entre os procuradores do Ministério Público da Lava Jato e o ex-juiz Moro, responsável pelo julgamento dos acusados despertou fortes emoções. Por um lado, os defensores do ex-presidente Lula, que sempre afirmaram que ele era inocente e preso político, entraram em euforia, por outro lado os defensores do ex-juiz Moro entraram no modo ódio à máxima potência. Observando o comportamento de ambos os lados, veio-me à mente a imagem da temperança, palavra do vocabulário filosófico, mas também carta dos arcanos maiores do Tarô. Em ambos os campos, tanto da filosofia quanto da tarologia, temperança tem o significado de equilíbrio, serenidade, domínio sobre si mesmo, moderação dos desejos. A sociedade brasileira está sob ataque, vem sendo bombardeada por informações, verdadeiras e falsas, é sempre bom lembrar, em especial na política, com graves consequências na vida de milhões de pessoas. O momento pede temperança, vamos sair da euforia e do ódio desmedido e buscar um ponto de calma e de equilíbrio para encontramos um caminho até a luz porque a noite já se faz longa demais e as pessoas estão doentes. A negação da realidade é um dos mecanismos de defesa, contra o sofrimento e o trauma, mais comuns entre os seres humanos. A realidade da cisão provocada pelos que realmente detêm muito poder e nenhum escrúpulo adoeceu seriamente o povo brasileiro. O medo se estabeleceu e com ele veio à tona o que há de pior no ser humano, associado à uma epidemia de obsessão espiritual, em função da baixa vibração que a desesperança, a impotência e o ódio fomentaram. Conclamo os espíritas e não espíritas, todos e todas que desejam encontrar um caminho que retire a sociedade brasileira dessa trilha para o abismo, a evocação do espirito da temperança, a calma e o equilíbrio diante do caos, só os que se pacificarem interiormente manterão a sanidade. Nada de euforia nem de ódio insano com os vazamentos das conversas entre juiz e procuradores da Lava Jato, vamos analisar os fatos à medida em que eles vierem à tona e a partir daí nos posicionarmos, sem revanchismos, sem tripudiar em cima do outro, nem ironizar seus anseios e esperanças. As pessoas se apegaram a seus heróis por sentirem medo, desesperança e descrença, esse estado de ânimo do povo brasileiro foi, em minha opinião, orquestrado, não foi ao acaso, foi um projeto daqueles que pensam que mandam no mundo para usurparem as riquezas e deixarem a devastação e a lama para os brasileiros. A técnica é dividir para dominar, só com muita temperança seremos capazes de perceber isso e reverter este cenário. Muitos podem odiar Lula e deveriam se perguntar a razão interna de tanto ódio, porque o ódio é um veneno que mata quem o sente. Mas mesmo para essas pessoas que o odeiam, ele está tendo um comportamento digno de ser observado. Eu assisti à sua primeira entrevista após a prisão e algumas coisas me chamaram atenção: eu vi um homem de cabeça erguida e não uma vítima; sua fala é de quem tem sede de justiça, mas não de vingança; às vezes indignado, mas sem ódio; calmo e ponderado, defendendo-se sem atacar. Entretanto tenho lido e ouvido muitas pessoas que acreditam na sua inocência e são seus defensores se mostrarem cheios de ódio e desejo de vingança, e passaram, a partir do desmascaramento da Lava Jato, a tripudiar daqueles que nela acreditaram. Será que esse é o caminho? Será que isso não nos torna aquilo que combatemos? A ignorância deve ser esclarecida, os equívocos compreendidos e corrigidos. Calma, serenidade, ponderação, equilíbrio, reconciliação e amor talvez sejam os antídotos para sairmos dessa longa noite. Porque por mais longa que seja uma noite ninguém segura o alvorecer. Essa foi a coluna Dialogando com Isabel Guimarães Publicado no Facebook em 15 de junho, 2019. Leia a coluna anterior clicando aqui.

Para além do bem e do mal

Afinal, onde está o limite entre o bem e o mal? Nos espaços religiosos em geral e nos centros espíritas em particular, quando questionados, os frequentadores de templos religiosos são unânimes em afirmar que a compaixão, a solidariedade e a bondade são qualidades a serem cultivadas e praticadas. A questão a ser feita é: por que somos ainda tão maus uns com os outros? O que acontece com os seres humanos para terem atitudes tão sectárias, ofensivas, grosseiras, agressivas, violentas e destrutivas uns com os outros? Questionados os cristãos do século XXI sobre o que é Deus, responderão que é amor supremo, bondade suprema e misericórdia suprema, entretanto, mesmo tendo inúmeros exemplos de seres humanos altruístas que nos ensinam lições de bondade e gentileza, expressando em atos, palavras e atitudes o amor e a bondade, a maioria segue entorpecida na ignorância, sem consciência da sua essência divina.
Optimistic and pessimistic people. Watercolor conceptual drawing.
A bondade pode ser rastreada no coração humano, desde tempos imemoriais, quando seres humanos foram capazes de se contrapor ao pensamento hegemônico do momento histórico, colocando, muitas vezes, a liberdade e a vida em risco, transcendendo a estreita percepção egoica e estendendo as mãos a quem precisava. Diante do cenário do mundo contemporâneo, de sociedades altamente complexas, é preciso fazer uma reflexão profunda a respeito da bondade e da maldade. Entre 1885 e 1886, o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) escreveu uma das obras mais importantes da sua vida e talvez uma das mais importantes do século XIX. “Além do bem e do mal” é uma obra na qual Nietzsche questiona os critérios que definem bem e mal, quais são nossos critérios para valorar algo? Quais são nossos valores hoje? Afinal, nossa essência é boa ou má? Nascemos bons e nos tornamos maus ou o meio vai nos moldando? Colocando freios aos nossos maus instintos? Ou será que não nascemos nem bons nem maus, apenas dotados de instintos? De onde surgiram os conceitos de bondade e compaixão? Nesse ponto, precisamos quebrar certos tabus incrustados no movimento espirita, diferenciando religião e religiosidade. O quanto a religião com seus dogmas e controles do comportamento é limitadora da autossuperação dos seres humanos? Nós espiritas nos colocamos como seguidores de uma religião sem dogmas, em que o pecado não existiria e a evolução do espirito depende de seu esforço em melhorar-se a cada encarnação. Entretanto, observamos que hegemonicamente os espiritas substituíram dogmas de outras religiões, os chamando por outros nomes, mas que tem o mesmo efeito limitador da expansão da consciência para níveis mais elevados. Então o inferno se chama umbral; o pecado, lei de causa e efeito; o castigo divino se chama carma; os obsessores substituem o diabo dos evangélicos; e a reverência a determinados espíritos, encarnados ou desencarnados, se iguala à reverência aos santos da igreja católica. Assim, vamos engessando comportamentos, amarrados a valores e verdades imutáveis, criticando qualquer um que ouse pensar fora da caixinha, nos abstendo de reflexões críticas que impulsionem a transcendência para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Os valores são criados por nós e por isso dependem do tempo e do espaço e são, portanto, mutáveis. Essa compreensão básica é fundamental para dar conta das grandes questões postas ao espírito no século XXI. Afinal, quando sairemos do maniqueísmo e atravessaremos a ponte do bem e do mal ao encontro da bondade genuína, aquela que não é fruto da barganha com o Criador, que não é fruto do medo do fogo do inferno ou do carma negativo? Onde está a raiz do mal? Talvez na nossa vã tentativa de destruir no outro aquilo que não suportamos em nós, talvez no comportamento de manada no qual somos escravos da expectativa do outro, talvez no dogmatismo religioso que engessa e retira toda espontaneidade, talvez na ignorância a nosso próprio respeito, talvez no extremo egoísmo que ainda predomina no coração da maioria dos habitantes da terra, talvez tudo isso junto, porque a resposta à questão do bem e do mal não é simplicista, se reveste de alta complexidade, porém, certamente não vamos encontrar respostas no dogmatismo, no sectarismo e na alienação do enfrentamento aos desafios da nossa sociedade. Nós criamos tudo que chamamos de mal e só nós podemos mudar este cenário. Jesus nos dá um caminho quando conta a parábola do bom samaritano (Lucas 10:30-37). Ele conta essa parábola em reposta ao questionamento de quem é o nosso próximo a quem devemos amar como a nós mesmos? Aqui cabe identificar a origem e perfil das personagens dessa passagem do Evangelho. A história tem quatro personagens principais: o homem que é atacado por bandidos em uma estrada e deixado agonizante, um sacerdote, um levita e um samaritano. Naquela época, sacerdotes e levitas eram considerados homens de Deus e os samaritanos párias, pois não se reconheciam judeus nem seguiam suas leis e religião. Entretanto, tanto o sacerdote quanto o levita foram incapazes de terem compaixão pelo homem atacado por bandidos, passaram direto e foram certamente orar ao seu Deus se achando melhores do que o samaritano, mas foi esse último que teve compaixão, não quis saber se aquele que precisava de ajuda era pobre ou rico, judeu ou samaritano, ele simplesmente interrompeu seu caminho e se dispôs a ajudar quem precisava. Enfim, a bondade se manifesta independente da religião, cor, classe social, gênero, orientação sexual, lugar na sociedade, bandido ou cidadão dentro da lei. Jesus deixa a dica e faz o convite com a pergunta que fecha a parábola: quem vocês acham que fez a vontade de Deus? E a resposta: aquele que agiu com compaixão para com seu próximo. Oremos por um mundo com menos sacerdotes e levitas e mais samaritanos. Essa foi a coluna Dialogando com Isabel Guimarães Publicado no Facebook em 23 de maio, 2019. Leia a coluna anterior clicando aqui.

Nova ordem espiritual

A página “Espíritas à esquerda” passará a trazer colunas periódicas de opinião de alguns nomes ligados ao espiritismo e à política. Nossa primeira aquisição é Isabel Guimarães, nascida em Itajuípe, na Bahia, formou-se em medicina veterinária pela UFBA e fez especializações em psicologia analítica pela APPJ-SP e em saúde coletiva pela UFBA. É mestre em medicina e saúde pela UFBA e doutora em ciências da saúde também pela UFBA. Terapeuta junguiana, atualmente atende na sua clínica Espaço Ísis, em Salvador. Também atua como palestrante e expositora espírita e tem um programa de rádio na Rádio Farol FM. Foi candidata ao cargo de deputada estadual nas eleições de 2018 pelo PT da Bahia.

Sua coluna de opinião na nossa página se chamará “Dialogando com Isabel Guimarães”. Bem vinda, Isabel.

—————————————————————-

Nova ordem espiritual

Nos últimos anos uma inquietação tem-me provocado incômodo, às vezes até insônia. Essa inquietação tem como principal gênese meus questionamentos em relação ao movimento espírita, em especial nas duas últimas eleições gerais de 2014 e 2018, por perceber que a interpretação de muitos conceitos consagrados no movimento espírita não mais respondia às grandes questões enfrentadas pelo espírito no século XXI. Ícones consagrados do espiritismo se mostraram dogmáticos, sectários, preconceituosos e absurdamente ignorantes em relação a certos temas, em especial à ideologia política. Confesso que me tomou um misto de perplexidade e decepção difícil de ser digerido, um desejo de abandonar tudo se apoderou de mim e só com muita disciplina, meditação e reflexão me mantive firme, compreendendo que não se pode confundir o conteúdo com a forma ou embalagem. Então me dispus a sair da zona de conforto e me posicionar firmemente, em relação ao que considerava uma deturpação da essência do Cristianismo, base ética dos pilares do espiritismo. Foi uma experiência fantástica sob todos os pontos de vista, embora em muitos momentos tenha sofrido críticas agressivas e duras, suportei as consequências da minha escolha, porque em tempos de crise o muro é o lugar dos doentes de egoísmo. Lidei com seres humanos que se diziam ateus, mas vivenciavam a mensagem de Jesus diariamente em sua bondade, gentileza e desejo de fazer o bem e também conheci tantos outros que se diziam cristãos e se portavam como verdadeiros algozes do outro. Talvez a velha máxima de que política e religião não se discutem ou se misturam tenha afastado o movimento espírita da realidade vivida para uma realidade fantasiada, travestida em frases feitas de “somos todos irmãos”, “vamos praticar a caridade” e “fazer o bem sem olhar a quem”, entretanto o comportamento e as escolhas dos que assim teorizam é absolutamente contraditório, pois se prestam a sustentar um status quo de uma sociedade elitista, extremamente desigual, dividida em classes onde os seres humanos valem pela sua capacidade de consumir, de ter coisas e não pela sua essência. Minha inquietação permanece, porém a energia mobilizada por esse movimento interno direciona-me para reflexões em torno da necessidade de pensar em uma nova ordem espiritual, na desconstrução de antigos conceitos e verdades cristalizadas que emperram o processo de evolução espiritual. Abrir espaços de reflexão e troca de ideias entre os espíritas, que talvez também estejam experimentando essa inquietação, essa necessidade de revisar “verdades” cristalizadas, que serviram em um determinado tempo e lugar, mas que precisam ser atualizadas. Considerando a evolução, processada com tanta rapidez no século XX e que segue igualmente célere no século XXI, quais os desafios dos espíritos neste século? Como avançar para um mundo sem fome, sem guerras, sem desigualdade e violência? O capitalismo é o modelo hegemônico de organização social do mundo, seus paradigmas de consumismo, acumulação de riquezas, exploração dos recursos naturais, individualismo e egoísmo que mandam no mundo, os senhores da guerra que fornecem armas aos povos são os detentores do capital, dos meios de produção, dos bancos, do mercado financeiro etc. Como então avançar para um olhar espiritualizado sobre esse mundo constituído nessas bases? Partindo desse pressuposto, considero fundamental a discussão/reflexão sobre esse modelo de organização social pelo movimento espírita, na busca da construção de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna, conforme preconizou Jesus: “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados”. Publicado no Facebook em 22 de abril, 2019.

Machismo no espiritismo

Novo texto exclusivo de Isabel Guimarães para a página “Espíritas à esquerda” com provocações instigantes sobre gêneros no movimento espírita. É nossa coluna dialogando com Isabel Guimarães.

Machismo no espiritismo

Falar sobre machismo no movimento espirita parece ser ainda um tabu para muitos adeptos. No entanto, as mulheres espiritas necessitam assumir o protagonismo dessa discussão como provocadoras de reflexões e críticas ao modelo machista presente no espiritismo, que tem entre seus postulados a afirmação que espíritos não têm sexo e encarnam no corpo físico que melhor serve aos seus propósitos evolutivos. Trazer à luz aquilo que está nas sombras é debater criticamente a invisibilidade das mulheres na direção dos centros espíritas e sua quase ausência entre os palestrantes nos grandes eventos espiritas sejam eles locais ou nacionais. Minha inquietação sobre o tema em tela começou porque me chamaram a atenção duas coisas: primeiro, a maciça presença de mulheres nos centros espiritas em relação à presença de homens, em palestras, grupos de estudo e demais atividades a esmagadora maioria de frequentadores e trabalhadores é do sexo feminino; em segundo lugar, observando material de divulgação de eventos espiritas locais e nacionais percebo a ausência de palestrantes mulheres e, mesmo quando presentes, elas são em quantidade infinitamente menor que os homens. A questão posta que precisamos discutir e responder é: o que ocorre no trajeto da participação das mulheres no movimento espirita que provoca essa lógica inversa? Muitas mulheres fazendo os centros espiritas existirem de fato e poucas presentes nos espaços de poder que dão o tom e a direção do movimento. A moral que sustenta o espiritismo é a moral cristã, a base é a ética proposta por Jesus, que foi profundamente revolucionária na época em que esteve encarnado na terra e o é até hoje. Sua proposta não tem nada de machista, bem ao contrário, em um época em que as mulheres não tinham valor, ele andava com elas, tinha discípulas e, em várias passagens narradas nos Evangelhos, ele se dirigia às mulheres sem distinção em relação aos homens, porém nos centros espíritas parece que o machismo fortemente presente no Velho Testamento e nos escritos de Paulo de Tarso atuam com mais força que o seu legado, quando se tratam das desigualdades de gênero. Começando pela Gênesis e a história da “maçã” que Eva, inadvertidamente, experimenta da árvore do conhecimento e Adão a acompanha, mas, questionado por Deus, ele responde que foi a mulher que o levou a experimentar o fruto proibido, ou seja, desde Adão que os homens tendem a culpar a mulher por suas escolhas que dão errado, esse roteiro é conhecido por 11 entre 10 mulheres. É comum ver homens culpando as mulheres por seus fracassos, inclusive na cama e até as responsabilizando pelo ato de violência do estupro por exemplo. Até que ponto essa cultura judaico-cristã, extremamente machista, está impregnada no modelo de organização centrado na falta de equidade entre gêneros que o espiritismo adota em sua prática? Na carta que Paulo escreveu ao jovem pastor Timóteo (I Timóteo 2, 11 a 15) sobre como ordenar um culto, lemos: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação.” São muitos os exemplos bíblicos de situações que evidenciam o sentimento de superioridade dos homens em relação às mulheres, sentimento esse que está na gênese da cultura machista, profundamente arraigada em todas as religiões cristãs, e no movimento espírita não é diferente. Talvez algumas ou muitas pessoas considerem que no espiritismo não existe machismo, talvez tragam exemplos de centros comandados por mulheres, e de mulheres que fazem palestras em grandes eventos, mas, vejam, não vamos cair no reducionismo que leva as pessoas a interpretar um fenômeno coletivo apenas a partir de sua experiência pessoal ou a partir das exceções. Sim, existem centros espíritas comandados por mulheres. Sim, existem mulheres que conseguiram se destacar como palestrantes, entretanto chamo atenção à proporcionalidade entre a quantidade delas no movimento e as que conseguem ocupar esses lugares. Parece ser muito mais fácil para os homens alcançarem espaços de poder no movimento espírita e quando digo poder não é no sentindo de mando, mas no sentido de se fazer ouvir e contribuir na direção do movimento. Conheço mulheres que são profundas conhecedoras do espiritismo e outras que são médiuns excepcionais, mas não alcançam o mesmo destaque dos homens na mesma condição. Quando falamos de machismo no espiritismo, não podemos deixar de destacar o quanto as próprias mulheres acabam contribuindo para a perpetuação desse estado. Faço palestras e ministro aulas em centros há muito tempo, e algo que sempre me chamou atenção é como em momentos que proponho dinâmicas de grupo e divido a turma procurando sempre distribuir os homens presentes, sempre minoria, para que tenha pelo menos um em cada grupo, o que ocorre é que, na hora de os grupos apresentarem o resultado da atividade solicitada, a escolha do relator ou relatora, apesar de os grupos terem mais mulheres do que homens, o mais comum é que o único homem do grupo seja escolhido para representá-los. É perceptível que o machismos está tão impregnado, faz parte de forma tão poderosa na vida cotidiana, que aquelas mulheres não percebem que, ao passarem a representação de um grupo composto por maioria feminina para um homem, estão fazendo por acreditarem em sua inferioridade, por acreditarem que um homem fará melhor do que qualquer uma delas, por acreditarem que o homem sabe mais do que elas. Podemos enumerar outras razões, mas essas são suficientes para ilustrar o quanto é necessário fomentar a discussão em torno do machismo no espaço religioso, pois é quase certo que as mulheres, ao procederam assim, não estão conscientes de sua contribuição para fortalecer o machismo e a exclusão das mulheres nos espaços de poder e direção do movimento espírita. Esse é um tema muito complexo e espinhoso, não tenho pretensão de, nessas poucas linhas, esgotar todos os aspectos da questão, acredito que terei que escrever outros textos em torno dessa temática, mas espero que esse artigo inicial, seja provocador de um debate mais amplo, no qual homens e mulheres espíritas possam refletir, discutir e propor caminhos para desconstrução do machismo e construção de um movimento que contemple as habilidades e competências do espírito, independente do gênero que esteja utilizando nesta encarnação. Vale destacar que o propósito de trazer este tema para discussão não tem como objetivo uma guerra ou disputa entre gêneros, mas evidenciar uma prática comum que muitas vezes passa despercebida pela naturalização da cultura machista que está impregnada em todos os espaços, inclusive e principalmente nos espaços de pratica religiosa. A ideia é evidenciar e trazer para o campo da discussão consciente e responsável, tendo como meta a elaboração de uma nova ordem espiritual, onde não caiba mais o machismo, fruto da ignorância e do atraso. Leia a coluna anterior clicando aqui. Publicado no Facebook em 10 de julho de 2019.

Espiritismo sem templo, é possível vivenciar?

“A derrocada humanitária demonstrada no cerne do Movimento Espírita brasileiro desde a campanha eleitoral para a presidência da República, induziu diversas pessoas ao abandono da vivência espírita em centros aos quais se agregavam e trabalhavam coletivamente, por não suportarem o contrassenso de contemplarem dirigentes e palestrantes, apoiarem Jair Bolsonaro, o destruidor das referências críticas. Esta vivência também perpassou meu caminhar. Também não consegui amenizar os efeitos da decepção, e externei em escrita, neste blog. Foi aí, nesta abertura de voz, que conheci o teor vibratório de muitas pessoas que se dizem espíritas e mesmo assim são agressivas, ou seja, estavam apoiando a campanha das armas por afinidade. Aprendi a lidar com os comentários violentos que vieram e tornei-me estudiosa não apenas aos moldes tradicionais, pois incluí estes comportamentos em minha plataforma analítica, razão pela qual escrevo sobre o tema. […] Em um texto intitulado ‘Espíritas pegarão em armas para defender Bolsonaro?’ recebi a seguinte resposta de um expositor: ‘Espíritas pegam em armas para defesa do Brasil’. Ninguém no grupo se espantou com tal declaração. Parecia encaixada na atmosfera. Vendo tal situação, como poderemos aconselhar uma pessoa que não coaduna com estas concepções a permanecerem nestas casas? Fixação em condenar Lula e o uso de adjetivos impróprios, principalmente após as revelações trazidas a público nos últimos dias sobre a Lava-Jato mostrando que a divisão existe, está mantida e os espíritas bolsonaristas ficaram com os espaços físicos sob seu comando na maioria das situações. Claro que não ocorre assim por todos os cantos do Brasil, pois ainda existem as casas espíritas sob liderança do bom senso, verdadeiros pontos de luz mostrando que ainda há razão no Movimento Espírita que atua no país. Mesmo assim o número dos espíritas sem templos onde possam encontrar espaços de estudos, trabalhos e vivências edificantes, é grande. O que estará por acontecer neste Brasil, com vistas aos espíritas progressistas? Se podemos nos reunir online para debates, estudos e acolhimento mútuo, o presencial poderá ser suprimido? Quem são os donos das casas espíritas, afinal?” Por Ana Claudia Laurindo, publicado em 17 de julho de 2019 na Página “Repórter Nordeste“.