Razão, emoção, espírito…
Para além do bem e do mal

Nova ordem espiritual
A página “Espíritas à esquerda” passará a trazer colunas periódicas de opinião de alguns nomes ligados ao espiritismo e à política. Nossa primeira aquisição é Isabel Guimarães, nascida em Itajuípe, na Bahia, formou-se em medicina veterinária pela UFBA e fez especializações em psicologia analítica pela APPJ-SP e em saúde coletiva pela UFBA. É mestre em medicina e saúde pela UFBA e doutora em ciências da saúde também pela UFBA. Terapeuta junguiana, atualmente atende na sua clínica Espaço Ísis, em Salvador. Também atua como palestrante e expositora espírita e tem um programa de rádio na Rádio Farol FM. Foi candidata ao cargo de deputada estadual nas eleições de 2018 pelo PT da Bahia.
Sua coluna de opinião na nossa página se chamará “Dialogando com Isabel Guimarães”. Bem vinda, Isabel.
—————————————————————-Nova ordem espiritual
Nos últimos anos uma inquietação tem-me provocado incômodo, às vezes até insônia. Essa inquietação tem como principal gênese meus questionamentos em relação ao movimento espírita, em especial nas duas últimas eleições gerais de 2014 e 2018, por perceber que a interpretação de muitos conceitos consagrados no movimento espírita não mais respondia às grandes questões enfrentadas pelo espírito no século XXI. Ícones consagrados do espiritismo se mostraram dogmáticos, sectários, preconceituosos e absurdamente ignorantes em relação a certos temas, em especial à ideologia política. Confesso que me tomou um misto de perplexidade e decepção difícil de ser digerido, um desejo de abandonar tudo se apoderou de mim e só com muita disciplina, meditação e reflexão me mantive firme, compreendendo que não se pode confundir o conteúdo com a forma ou embalagem. Então me dispus a sair da zona de conforto e me posicionar firmemente, em relação ao que considerava uma deturpação da essência do Cristianismo, base ética dos pilares do espiritismo.
Machismo no espiritismo
Machismo no espiritismo
Falar sobre machismo no movimento espirita parece ser ainda um tabu para muitos adeptos. No entanto, as mulheres espiritas necessitam assumir o protagonismo dessa discussão como provocadoras de reflexões e críticas ao modelo machista presente no espiritismo, que tem entre seus postulados a afirmação que espíritos não têm sexo e encarnam no corpo físico que melhor serve aos seus propósitos evolutivos. Trazer à luz aquilo que está nas sombras é debater criticamente a invisibilidade das mulheres na direção dos centros espíritas e sua quase ausência entre os palestrantes nos grandes eventos espiritas sejam eles locais ou nacionais. Minha inquietação sobre o tema em tela começou porque me chamaram a atenção duas coisas: primeiro, a maciça presença de mulheres nos centros espiritas em relação à presença de homens, em palestras, grupos de estudo e demais atividades a esmagadora maioria de frequentadores e trabalhadores é do sexo feminino; em segundo lugar, observando material de divulgação de eventos espiritas locais e nacionais percebo a ausência de palestrantes mulheres e, mesmo quando presentes, elas são em quantidade infinitamente menor que os homens. A questão posta que precisamos discutir e responder é: o que ocorre no trajeto da participação das mulheres no movimento espirita que provoca essa lógica inversa? Muitas mulheres fazendo os centros espiritas existirem de fato e poucas presentes nos espaços de poder que dão o tom e a direção do movimento. A moral que sustenta o espiritismo é a moral cristã, a base é a ética proposta por Jesus, que foi profundamente revolucionária na época em que esteve encarnado na terra e o é até hoje. Sua proposta não tem nada de machista, bem ao contrário, em um época em que as mulheres não tinham valor, ele andava com elas, tinha discípulas e, em várias passagens narradas nos Evangelhos, ele se dirigia às mulheres sem distinção em relação aos homens, porém nos centros espíritas parece que o machismo fortemente presente no Velho Testamento e nos escritos de Paulo de Tarso atuam com mais força que o seu legado, quando se tratam das desigualdades de gênero. Começando pela Gênesis e a história da “maçã” que Eva, inadvertidamente, experimenta da árvore do conhecimento e Adão a acompanha, mas, questionado por Deus, ele responde que foi a mulher que o levou a experimentar o fruto proibido, ou seja, desde Adão que os homens tendem a culpar a mulher por suas escolhas que dão errado, esse roteiro é conhecido por 11 entre 10 mulheres. É comum ver homens culpando as mulheres por seus fracassos, inclusive na cama e até as responsabilizando pelo ato de violência do estupro por exemplo. Até que ponto essa cultura judaico-cristã, extremamente machista, está impregnada no modelo de organização centrado na falta de equidade entre gêneros que o espiritismo adota em sua prática? Na carta que Paulo escreveu ao jovem pastor Timóteo (I Timóteo 2, 11 a 15) sobre como ordenar um culto, lemos: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação.” São muitos os exemplos bíblicos de situações que evidenciam o sentimento de superioridade dos homens em relação às mulheres, sentimento esse que está na gênese da cultura machista, profundamente arraigada em todas as religiões cristãs, e no movimento espírita não é diferente. Talvez algumas ou muitas pessoas considerem que no espiritismo não existe machismo, talvez tragam exemplos de centros comandados por mulheres, e de mulheres que fazem palestras em grandes eventos, mas, vejam, não vamos cair no reducionismo que leva as pessoas a interpretar um fenômeno coletivo apenas a partir de sua experiência pessoal ou a partir das exceções. Sim, existem centros espíritas comandados por mulheres. Sim, existem mulheres que conseguiram se destacar como palestrantes, entretanto chamo atenção à proporcionalidade entre a quantidade delas no movimento e as que conseguem ocupar esses lugares. Parece ser muito mais fácil para os homens alcançarem espaços de poder no movimento espírita e quando digo poder não é no sentindo de mando, mas no sentido de se fazer ouvir e contribuir na direção do movimento. Conheço mulheres que são profundas conhecedoras do espiritismo e outras que são médiuns excepcionais, mas não alcançam o mesmo destaque dos homens na mesma condição. Quando falamos de machismo no espiritismo, não podemos deixar de destacar o quanto as próprias mulheres acabam contribuindo para a perpetuação desse estado. Faço palestras e ministro aulas em centros há muito tempo, e algo que sempre me chamou atenção é como em momentos que proponho dinâmicas de grupo e divido a turma procurando sempre distribuir os homens presentes, sempre minoria, para que tenha pelo menos um em cada grupo, o que ocorre é que, na hora de os grupos apresentarem o resultado da atividade solicitada, a escolha do relator ou relatora, apesar de os grupos terem mais mulheres do que homens, o mais comum é que o único homem do grupo seja escolhido para representá-los. É perceptível que o machismos está tão impregnado, faz parte de forma tão poderosa na vida cotidiana, que aquelas mulheres não percebem que, ao passarem a representação de um grupo composto por maioria feminina para um homem, estão fazendo por acreditarem em sua inferioridade, por acreditarem que um homem fará melhor do que qualquer uma delas, por acreditarem que o homem sabe mais do que elas. Podemos enumerar outras razões, mas essas são suficientes para ilustrar o quanto é necessário fomentar a discussão em torno do machismo no espaço religioso, pois é quase certo que as mulheres, ao procederam assim, não estão conscientes de sua contribuição para fortalecer o machismo e a exclusão das mulheres nos espaços de poder e direção do movimento espírita. Esse é um tema muito complexo e espinhoso, não tenho pretensão de, nessas poucas linhas, esgotar todos os aspectos da questão, acredito que terei que escrever outros textos em torno dessa temática, mas espero que esse artigo inicial, seja provocador de um debate mais amplo, no qual homens e mulheres espíritas possam refletir, discutir e propor caminhos para desconstrução do machismo e construção de um movimento que contemple as habilidades e competências do espírito, independente do gênero que esteja utilizando nesta encarnação. Vale destacar que o propósito de trazer este tema para discussão não tem como objetivo uma guerra ou disputa entre gêneros, mas evidenciar uma prática comum que muitas vezes passa despercebida pela naturalização da cultura machista que está impregnada em todos os espaços, inclusive e principalmente nos espaços de pratica religiosa. A ideia é evidenciar e trazer para o campo da discussão consciente e responsável, tendo como meta a elaboração de uma nova ordem espiritual, onde não caiba mais o machismo, fruto da ignorância e do atraso. Leia a coluna anterior clicando aqui. Publicado no Facebook em 10 de julho de 2019.Espiritismo sem templo, é possível vivenciar?

Espíritas, Rio de Janeiro e as guerras coloniais – parte I
Espíritas, Rio de Janeiro e as guerras coloniais – parte I
“Sendo a justiça uma lei da natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto?
‘É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso’.”
O livro dos espíritos, questão 874.

Espiritismo e militância política

Espiritismo e militância política
Onde começa a identidade política e a política de religiosidade, fé ou transcendência, pouco importa no contexto de uma existência, pois o que merece observação é a direção na qual se conduz a vida, sob os parâmetros erguidos. Como é possível perceber, na vida social, política é como o fluido universal, está em tudo! Portanto, negá-la é insistir no discurso alienado. Há quem afirme que a própria negação é em si uma ação política. Afirmar-se espírita sem comungar com as bases do espiritismo também merece um tanto de reflexão, afinal, não se trata de um simples termo, mas de um legado de descobertas sobre a supremacia da vida e a eternidade dos seres. Temos então, a alegre percepção da possibilidade de conciliar espiritismo e política sem precisarmos negar nenhuma das plataformas de pensamento, orientação de princípios e condutas individuais e coletivas. Urge acendamos esta candeia em múltiplas formas de expressões; pois sair do aconchego das redes sociais para atuar na concretude desafiadora da cotidianidade é prova de fé e manifestação de posicionamento político. Neste ponto, unamos a linha da coerência cristã ao perfil que desejamos fortalecer no campo dos interesses sociais, pois é na seara da verdade feita cotidiano, onde se enroscam desigualdades e gemidos abafados, que o rosto de Cristo se estampa. Talvez tenhamos como diferencial neste mundo de tantas provas, a alegria de muito nos amar, e assim, podermos localizar uns aos outros, no apoio e acolhida mútua mesmo durante as lutas. Amar não enfraquece a militância, mas areja as relações e possibilita convívios baseados na fraternidade, um princípio cristão, do qual não precisamos abdicar. Portanto, o espiritismo não é negação, mas reforço qualitativo da militância política, que por sua vez, pode ser elevação social, cultural e humanitária com reflexos globais. Para ler a coluna anterior clique aqui. Publicado no Facebook em 23 de julho 2019Cristão-espírita como luz no mundo

Cristão-espírita como luz no mundo
Sob os ventos de uma tempestade societária com força e propósito de abalar a estabilidade psicológica e a estima dos brasileiros que não coadunam com as políticas do presidente Bolsonaro, dentre os quais estamos nós –os espíritas progressistas–, vale recordar o fio condutor das nossas esperanças, para que não nos permitamos imiscuir demasiadamente na acidez derramada sobre a cotidianidade. Os cristãos são portadores da Boa Nova crística! O próprio Jesus nos permitiu anunciar um projeto de libertação a este mundo que sofre, e tantas vezes, desespera; fundamentando a fé em uma moral que vence dogmas e repudia o absolutismo das tradições, porque em nome do amor supera medos. Espíritas, lembrai-vos também da fé, na certeza de que “Deus, modelo de amor e caridade, nunca esteve inativo”, e continua operando nas causas da vida, sem nos desamparar jamais! As lutas travadas nos campos da mentalidade demonstram um confronto de energias e interesses, que para nós, sob a custódia dos esclarecimentos já recebidos, são partes dos fenômenos naturais que entrelaçam mundos distintos, logo, envolvem espíritos em diferentes escalas de vibração. E fugindo de qualquer tentação que nos direcione à simples ideia de superioridade, consideremos que estamos reunidos neste momento histórico para contribuirmos com as causas coletivas, pela sensibilidade social que ora nos caracteriza. Como manteremos a bandeira da paz erguida se desfalecermos na base da fé? As tristezas comuns, resultantes do sentimento de impotência diante de situações que nos escapam às mãos, sejam postas como oferendas da nossa humilde aceitação daquilo que não podemos mudar fora de nós. Olhando nos olhos de todas estas dores, nossas próprias lágrimas serão expressões de irmandade, adubando a subjetividade resistente, mas também amorosa e terna. Importa testemunharmos a fé em ações contínuas de fortalecimento das lutas humanitárias; nos círculos das terras e das águas, nas intervenções urbanas, nos temas da diversidade racial, sexual, e cultural, sejamos elos. Nem toda resistência é rugir de forças, e a singeleza do acolhimento tem sustentado gerações de oprimidos, vazado trevas seculares e mantido a luz de esperança que desafia poderes e poderosos do mundo. Com Cristo, com Kardec, nossas candeias iluminem estradas! Que os nossos sentimentos não se transformem em comburentes da alegria de viver, mesmo quando o sofrimento retalha a carne. A percepção de nós mesmos como inteligências corpóreas, porque estamos encarnados, nos avisa sobre a “centelha etérea” que flameja além dos olhares, senha intransferível que recebemos no ato da criação, nos ligando ao eterno. Longe das alienações que atrasam a jornada, e em harmoniosa posse da nossa identidade espiritual/racional, hoje cultivemos a alegria de aqui estarmos em agrupamentos virtuais de acolhimento e incentivo, contribuindo para o nosso distanciamento da escuridão. Que o Evangelho brilhe em nós! Leia a coluna anterior clicando aqui.Manifesto por uma espiritualidade livre de preconceito e da LGBTfobia
Junho é o mês de celebrar o Orgulho LGBTQIA+ e defender todas as formas de amor
O dia 29 de junho simbolizou a luta da comunidade LGBT estadunidense por direitos e por representatividade em uma sociedade conservadora, que não a respeitava e violentava sua existência. Passados 51 anos, embora muito se tenha conquistado em políticas públicas inclusivas e na ampliação da cidadania LGBTQIA+, ainda hoje, a cada 26 horas, um/a membro da comunidade é assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia. No Brasil, um ano após a aprovação da lei que criminaliza a homofobia e transfobia aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o país continua, lamentavelmente, como campeão mundial de crimes contra LGBTQIA+, principalmente contra pessoas trans e travestis. LGBTQIA+ ainda são proibidos/as de frequentarem espaços religiosos ou quando frequentam, precisam assumir uma identidade postiça, que não verdadeiramente a sua. Por conta de tudo isso, nós espíritas LGBTQIA+ e aliados/as, escrevemos –a várias mãos– um manifesto em forma de carta, defendendo uma espiritualidade mais inclusiva, antirracista, feminista e livre de todas as opressões, além de reforçarmos a importância de um estado laico de fato. Seguimos juntas, juntos e juntes na luta! ————————————————– Carta dos espíritas LGBTQIA+, familiares e aliados/as por uma espiritualidade livre de preconceito, LGBTfobia, racismo, machismo, sexismo e capacitismo. Frente Espírita LGBTQIA+ “Questão 202: Quando errante, que prefere o espírito; encarnar no corpo de um homem, ou no de uma mulher? Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.” Allan Kardec, “O livro dos espíritos”.- I) QUEM SOMOS
- II) O QUE COMBATEMOS E REPUDIAMOS
- Qualquer tipo de preconceito e discriminação LGBTfóbica dentro ou fora das casas espíritas, utilizando-se de argumentos pseudorreligiosos ou mediúnicos para oprimir, violentar, excluir e estigmatizar;
- Abordagens que têm sido feitas adotando como verdade o combate à ideologia de gênero, ressaltando o caráter hipócrita de rejeição de todo um trabalho científico que está sendo feito há muitos anos, tendo por base, dentre outras coisas, a teoria queer, além dos variados estudos de gênero em diversas universidades espalhadas pelo mundo –esse tipo de atitude reflete a negligência em atender às palavras de Kardec, de estarmos atentos aos progressos da ciência;
- Quaisquer associações de nossas vivências e lutas à pedofilia, que também combatemos;
- A ideia de que ser LGBTQIA+ seja resgate de vidas passadas, e que indivíduos LGBTQIA+ sejam desviados, doentes ou perturbados; colocações que afirmam essas ideias são reducionistas e mal intencionadas;
- A violência que as mulheres lésbicas e bissexuais, sejam elas cis ou trans, sofrem e que, muitas vezes, são reforçadas pelas religiões, que reproduzem e fortalecem o sistema patriarcal e heterocisnormativo; e
- Toda forma de preconceito com que nós, LGBTQIA+, sofremos desde o ingresso à casa espírita até a possibilidade do exercício de algum trabalho voluntário e de amor ao próximo.