Os espíritas não têm – e nem precisam ter – respostas sobre tudo

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Os espíritas não sabem todas as coisas, muito menos os espíritos. Os espíritos são as almas dos seres humanos que já perderam o corpo físico.

Por que devemos terceirizar nossas opiniões, nossos valores e nossa capacidade de julgamento?

“Guardai-vos dos falsos profetas que vêm ter convosco cobertos de peles de ovelha e por dentro são lobos. Conhecê-los-ei pelos seus frutos.” Mateus, cap. VII. vv. 15 a 20

“O que o espiritismo diz sobre o novo coronavírus?”, “o que o espiritismo pensa sobre queda de avião?”, “o que o espiritismo afirma sobre crianças índigos?”, “como o espiritismo interpreta os tsunâmis?”, “o que o espiritismo fala sobre política?”, “previsões espíritas sobre 2020”, “como o espiritismo vê os LGBTs?”.

Não é incomum ver –com muita tristeza– afirmações para esse tipo de perguntas, do tipo: “quem está morrendo de coronavírus é por que não está vibrando no amor”, “morreu todos juntos no avião por que os irmãozinhos eram romanos que jogavam cristãos na fogueira e estavam resgatando coletivamente um débito de vida passada” ou “LGBTs estão pagando débitos de vidas anteriores”.

Com a crueldade de corações bem distantes das vivências do evangelho de Jesus e com a profundidade de um pires, negando todo o rigor metodológico de Kardec, esses são apenas alguns dos exemplos de textos, vídeos no Youtube, palestras e mais uma porção de convites à desinformação (fakenews) que alguns espiritas andam divulgando.

Enquanto escrevia esse artigo, chegou mais uma dessas tristes pérolas. Perguntado sobre corrupção e política, um famoso palestrante espírita e que, por coincidência, também é juiz, tergiversou, enrolou e se manteve em cima do muro, local confortável para alguns desses famosos.

Ora, qualquer cidadão (e não precisa ser religioso, as vezes é até melhor que não seja), com o mínimo de senso ético, será contra qualquer tipo de corrupção dentro ou fora da política, inclusive aquela diária, travestida de “jeitinho brasileiro”, como furar fila, estacionar em local proibido ou mesmo, usurpando a fé e a fragilidade das pessoas, oferecer palestras, workshops, treinamentos, respostas milagrosas, cobrando caro por isso.

Para começo de conversa, o espiritismo não diz nada sobre as questões acima. Quem diz são espíritas que, baseados em suas ideologias (eu também tenho as minhas) e visões de mundo, interpretam, na maioria das vezes, de maneira bem catastrófica, punitivista e sensacionalista.

Como diz Paulo Freire: “Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?”

Por que devemos terceirizar nossas opiniões, nossos valores e nossa capacidade de julgamento?

Os espíritas não sabem todas as coisas, muito menos os espíritos. Os espíritos são as almas dos seres humanos que já perderam o corpo físico.

O espiritismo não acredita em gurus, escolhidos, profetas, pelo contrário, nos incentiva, constantemente, a uma fé racional e ao estudo constante.

Espírita nenhum, que estuda e pratica os ensinamentos dos espíritos, acredita em profecias, psicografias proféticas e mensagens aterrorizantes. Nós não somos uma “experiência” de Deus, tampouco, suas marionetes.

Indagados sobre isso, os espíritos responderam à Kardec:

“Devem, além disso, considerar-se suspeitas, logo à primeira vista, as predições com época determinada, assim como todas as indicações precisas, relativas a interesses materiais.”

Os espíritas não sabem todas as coisas, muito menos os espíritos. Os espíritos são as almas dos seres humanos que já perderam o corpo físico. A exemplo do que observamos na humanidade encarnada, o conhecimento que eles têm é correspondente ao seu grau de adiantamento moral e intelectual. A morte é uma passagem para a vida espiritual e não dá valores morais ou de inteligência a quem não os tem.

Para o espiritismo, a evolução envolve aspectos distintos e plurais, com infinitas trajetórias possíveis. Não é um processo linear, não há um caminho certo. A evolução não é apenas individual, mas do grupo de pessoas, encarnadas e desencarnadas, ao qual se está ligado. Evoluir implica em mudar a mentalidade e a massa crítica do grupo social.

Segundo os ensinamentos dos espíritos, evoluir significa modificarmos alguns comportamentos, por meio das sucessivas experiências (e vidas), ultrapassando limites pessoais, desenvolvendo potencialidades e ampliando a nossa capacidade de fazermos para os outros aquilo que gostaríamos que os outros nos fizessem. Jesus é o nosso modelo e guia.

O espiritismo não faz milagres, nem prodígios. Propicia aos seres humanos o conhecimento de algumas leis espirituais, também leis da natureza, causadoras de muitos fatos, considerados extraordinários, apenas por desconhecimento de sua origem. Ensina o ser humano a usar esses conhecimentos no exercício da sua transformação moral, por meio de um entendimento melhor dos ensinos de Jesus.

Percebam que temos muito trabalho pela frente, dentro e fora do movimento espírita: disputando narrativas, denunciando abusos cometidos por representantes espíritas, eliminando velhos paradigmas, construindo pontes em vez de muros, ensinando, didaticamente, conceitos de bem viver e justiça social e, sobretudo, resgatando os preceitos de amor e diálogo de Kardec, esquecidos pelos pseudomédiuns midiáticos, pelos dirigentes fanáticos e pelos expositores ensimesmados.

Por Franklin Félix para o Blogue “Diálogos da fé” da CartaCapital

Compartilhado no Facebook em 04 de agosto de 2020.

 

 

 

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