A doença é social

Uma reflexão espírita sobre o sofrimento psíquico e os transtornos mentais, destacando suas causas sociais e a urgência de um olhar humano e compassivo, livre de julgamentos e preconceitos.

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Imagem gerada por inteligência artificial

Regina Abrahão – EàE-RS

Segundo Darwin, não é o mais forte que sobrevive, mas o que melhor se adapta. Assistindo um episódio de Star Trek New Generation, ouvi o klingon Worf complementar a frase: “No espaço, sobrevive quem se adapta, mas evolui quem raciocina”.

Lembrei na hora: releituras das obras de Kardec, o período histórico em que viveu, a inquestionável influência da igreja católica. O avanço que significou o iluminismo para uma sociedade que ainda queimava livros e perseguia bruxas, que convivia com a escravização de negras e negros em suas colônias.

No dia seguinte, sábado pela manhã, assisti ao evangelho progressista, o programa “O Reino”, abordando temas tabus até hoje: sofrimento psíquico, transtornos mentais e suicídio. Obviamente a abordagem de Kardec nos chega impregnada dos conceitos morais de sua época e do medo provocado por quaisquer situações até então inexplicáveis, e do tratamento desumano dado a estes doentes.

Kardec classifica a loucura como “comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem coragem de suportar”. Recomenda “calma e resignação, serenidade, e que receba com alegria os revezes e as decepções”.

Transtornos mentais e sofrimento psíquico afetam o corpo, o pensamento, as emoções e o comportamento e causam diversos sintomas, geralmente exigindo medicação, terapia, e acompanhamento especializado. E podem também ser agravados pelas condições sociais. Mas não é fácil resolver o problema da miséria, da fome, da violência, do desemprego, da falta de moradia. Não numa sociedade que desperdiça um terço de todos os alimentos que produz, enquanto cerca de 733 milhões de pessoas sofrem grave insegurança alimentar.

Sim, o capitalismo adoece. O corpo, com os agrotóxicos venenosos, com a indústria farmacêutica que não busca cura, busca tratamentos continuados que podem se estender pela vida toda. E adoece a mente, com sua engrenagem perversa de exploração, precarização, jornadas exaustivas, salários aviltantes, assédio moral, mantendo sempre um exército de reserva de mão de obra para impedir a busca de melhores condições e remuneração. A organização social é planejada para concentrar bens, terras, riquezas, enquanto acena com o mito do esforço pessoal e da meritocracia.

Aceitar as dores da vida e se resignar, no capitalismo, equivale a morrer de fome sem perturbar os verdadeiros algozes. Sofrimento mental não é falta de esforço, de trabalho, nem de fé! É doença, e como tal deve ser tratada. Responsabilizar o sofredor por seu sofrimento é desumano, cruel, mas serve muito bem para garantir a continuidade da dominação e livrar de encargos as instituições sociais e os exploradores.

Segundo a OMS, a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo. Não por acaso, 75% dos suicídios ocorrem em países emergentes e pobres. Uma ressalva importante é que ricos também se suicidam. Em menor número, por motivos um pouco diferentes. A cultura capitalista criou o conceito de obsolescência. Todos os produtos têm vida útil, do celular ao fogão. Não à toa tantos recursos são gastos na indústria do rejuvenescimento. Uma modelo inicia sua carreira aos doze, treze anos. Com dezoito, está no auge da carreira. Aos vinte e cinco, exceto uber models, não encontra trabalho. Executivos de grandes empresas preferem o suicídio a baixar seu padrão de vida, idosos solitários, pessoas que julgam desonra a falência.

O sofrimento capaz de levar uma pessoa a tirar a própria vida deve ser insuportável. Também gays, lésbicas, trans, por vezes não suportam as dores. Infelizmente.

Influências espirituais? É possível. Mas a solução não virá apenas com atendimentos impessoais, mecânicos, um passe e o “volte na próxima semana” comuns nas casas espíritas. Nem com “cura gay”, envelopes em fogueiras sagradas, ameaças de inferno ou a ira de algum deus vingativo que estas desencantadas vítimas voltarão a sentir prazer em viver e entender que é necessário mudar este sistema monstruoso e lutar por dignidade e direitos, que nem imaginam ter.

Um abraço, uma palavra de atenção podem, quem sabe, ser o início da mudança. A saída é coletiva, A luta é gigantesca, mas é a saída.

Por fim, tenho que me curvar à sabedoria klingon de Mr. Worf. É necessário às pessoas espíritas raciocinar para evoluir. Uma nova compreensão das obras de Kardec é o caminho!

Gratidão ao coletivo Espíritas à Esquerda pela condução irretocável de “O Reino”!

ASSISTA O PROGRAMA MENCIONADO NO TEXTO

 

 

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