Autodestruição
Um inepto no comando da nau em plena tempestade.
A única saída é o impeachment
Vladimir Safatle – EL PAÍS Brasil Esse gesto tem força civilizadora. O Brasil não pode ter duas crises a gerenciar, a saber, o coronavírus e Bolsonaro. No dia 18 deste mês, três combativos deputados federais (Fernanda Melchionna, Sâmia Bonfim e David Miranda) protocolaram um pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Este pedido foi assinado por vários membros da sociedade civil, entre eles por mim. A este grupo, somaram-se mais de 100.000 assinaturas de apoio. O pedido motivou algumas críticas vindas, inclusive, da própria direção do partido de tais deputados, abrindo um debate importante a respeito das estratégias da oposição neste momento. Por isto, gostaria de aproveitar este espaço a fim de insistir que tais críticas estão profundamente equivocadas e expressam, na verdade, falta de clareza e direção em momento tão dramático de nosso país. Duas questões se colocam a respeito de tal problema. Primeiro, se devemos ou não devemos lutar pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Segundo, caso a primeira resposta seja afirmativa, há de se discutir quando um pedido desta natureza deveria ser feito. Sobre o primeiro ponto, normalmente os que recusam a tese do impeachment afirmam que de nada adiantaria trocar Bolsonaro por seu vice, o general Mourão. Tal troca, na verdade, equivaleria a entregar de vez o controle do estado ao Exército, com consequências catastróficas. Há ainda aqueles que dizem ser miopia política e irresponsabilidade administrativa lutar pelo impeachment em meio a maior crise sanitária que o mundo conheceu desde há muito. Melhor seria aproveitar o enfraquecimento de Bolsonaro e levar o estado brasileiro a retomar investimentos no SUS, a revogar o teto de gastos, entre outras ações. Aos que dizem nada adiantar trocar Bolsonaro por seu vice gostaria de dizer que o foco de análise talvez esteja equivocado. A questão coloca pelo impeachment não é ‘quem assume’. Antes, trata-se de mostrar claramente que o país repudia de forma veemente quem age a todo momento para solapar os espaços mínimos de conflito político e que demonstrou irresponsabilidade e incapacidade absoluta de gerenciar forças para preparar o país para lidar com uma epidemia devastadora. Bolsonaro é um agitador fascista e um chefe de gangue narcísico que zombou do povo brasileiro e de sua vulnerabilidade no momento em que devia ter baixado as armas, convocado um governo de união nacional, sentado com a oposição e convergido forças para colocar a sobrevivência das pessoas à frente das preocupações econômicas imediatas e das preocupações políticas de seu grupo. Neste sentido, um impeachment neste momento teria um valor civilizatório, pois deixaria claro que a sociedade brasileira não admite ser comandada por alguém que se demonstra tão inepto e com interesses exclusivos de autopreservação. Bolsonaro demonstrou nos últimos dias como é capaz de produzir ações que desmobilizam as tentativas da sociedade em conscientizar todos da situação em que nos encontramos. Suas ações custam vidas. A questão sobre quem ocupará o lugar de Bolsonaro é um cortina de fumaça que demonstra desconfiança na força destituinte da soberania popular. Este mesmo argumento foi usado quando Michel Temer estava nas cordas, na ocasião da greve dos caminhoneiros. Dizia-se que não fazia sentido troca-lo por Maia. Hoje, Maia é endeusado por alguns como o esteio da racionalidade no Estado brasileiro. Já aos que afirmam que o momento é de lutar para empurrar o Estado a aplicar políticas de proteção social, eu diria que os últimos dias mostraram que isto é algo da ordem do delírio. Pois o Governo aproveita a situação de caos para permitir às empresas cortarem jornada de trabalho e salários pela metade, permitir licenciamentos sem custos, usar os parcos recursos públicos para salvar empresas aéreas monopolistas especializada em espoliar consumidores e pressionar pelas mesmas ‘reformas’ que destruíram a capacidade do Estado de operar em larga escala em situações de risco biopolítico com esta. Ou seja, achar que é possível negociar com quem procura toda oportunidade para preservar seus ganhos, com quem se serve do Estado para espoliar o povo em qualquer situação que seja, demonstra incapacidade de saber contra quem lutamos. Que aprendam de uma vez por todas: neoliberais não choram. Eles fazem conta, mesmo quando as pessoas estão a morrer à sua volta. Engana-se quem espera que Bolsonaro faça alguma forma de reconhecimento da necessidade de políticas públicas fortes, como fez o presidente francês Emmanuel Macron em momento de desespero. Isto apenas demonstra como há setores da esquerda brasileira que nada aprenderam a respeito de nossos inimigos. A eles, devemos insistir que a única maneira de realmente combater a pandemia é afastando Bolsonaro do poder em um movimento que mostraria, ao resto da classe política, o caminho da guilhotina diante da cólera popular pela inação e irresponsabilidade do governo diante das nossas mortes. Volto a insistir, esse gesto tem força civilizadora. O Brasil não pode ter duas crises a gerenciar, a saber, o coronavírus e Bolsonaro. Já os que falam que o momento é cedo para um pedido de impeachment, que é necessário compor calmamente com todas as forças, diria que isto nunca ocorrerá. A esquerda brasileira já se demonstrou, mais de uma vez, estar em uma posição de paralisia e esquizofrenia. Ela grita que sofreu um golpe enquanto se prepara rapidamente para a próxima eleição, sem querer ver a contradição entre os dois gestos. Ela luta contra a reforma previdenciária enquanto a aplica em casa. Ela não encontrará unidade para um pedido de impeachment ou só encontrará muito tarde, quando setores da centro-direita e da direita já tiverem monopolizado a pauta do impeachment. Por outro lado, 45% da população é a favor do impeachment de Bolsonaro (Atlas Político), a população manifesta-se cotidianamente através de panelaços em bairros até então solidamente ancorados no apoio a Bolsonaro, grupos que o apoiavam entrar em rota de colisão com ele. Se este não é um bom momento para a apresentação do pedido, alguém poderia me explicar o que significa exatamente ‘bom momento’? Quando estivermos todos mortos? Nestas circunstâncias, melhor respeitar um princípio autonomista de grande sabedoria estratégica. Em um campo comum, baseado na ausência de hierarquia e na confiança entre todos os que partilham os mesmos horizontes de luta, todos têm autonomia de ação e decisão. Ninguém precisa de autorização para fazer uma ação política efetiva. Dentro do campo comum ou seus membros implicam-se nas ações feitas de forma autônoma ou quem não concorda não atrapalha. Fora disto, é a posição subserviente de esperar que o líder (que não existe mais) dê sinal verde ou aponte o caminho para os demais. O que significa uma forma de submissão que nunca poderia fazer parte das estratégias daqueles que lutam por uma emancipação real. Publicado no Facebook em 21/3/2020.Coronavírus causa doença contagiosa. E ela não é um juízo moral.
Uma homenagem a “Moor”
- Transcrito de FROM, Erick. Conceito Marxista de Homem. 6a Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
- Personalidade do movimento operário inglês e internacional, filha mais nova de Marx, companheira do socialista inglês Eduard Aveling. Participou da Federação Democrática liderada por Henry Hyndman no início dos anos 1880. Junto com Eduard Aveling e William Morris participou da formação da Liga Socialista, tendo publicado, no Commonwal – jornal mensal da entidade – vários artigos e comentários sobre a questão feminina e outras questões. Foi uma ativa militante sindical, e em 1889 participou, como delegada, da fundação da Segunda Internacional. Após a morte de Engels dedicou-se à tarefa de organizar os manuscritos de Marx. Suicidou-se em 31 de março de 1898 com a idade de 43 anos. Marxist Internet Archive. Disponível em:
Quando os mansos herdarão a terra?
Quando os mansos herdarão a terra?
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.” Jesus, em Evangelho de Mateus, 5, 5
O discurso das bem-aventuranças para mim é a mais bela passagem do Evangelho, porque nela parece que Jesus quis resumir a totalidade de sua proposta revolucionária para as relações humanas ontem e hoje. Destaco uma delas, por considerá-la muito pertinente ao cenário que se descortinou em nosso país nos últimos anos, gosto do termo descortinar porque remete a algo que estava oculto e se revela. Escrever esse texto foi um grande desafio, demorei um tempo fora do meu padrão de escrita, achei muito difícil encontrar as palavras que traduzissem o que gostaria de transmitir, só muito tempo depois compreendi que estava resistindo, certamente a mesma resistência que muitos companheiros e companheiras espíritas, do campo da esquerda, talvez enfrentem, para falar do par de opostos: mansidão x violência. Então optei por escrever um texto provocativo, muito mais para questionar do que para responder, só assim passei a me sentir menos desconfortável com o tema. Afinal somos chamados em toda a nossa formação, no espiritismo, a sermos mansos, brandos e pacíficos, a nos contrapormos firmemente a qualquer tipo de violência, então o dilema está posto, ele consiste em nos perguntarmos como encaminhar a luta da ideologia que sustenta nossa visão de mundo sem sermos violentos? Afinal como lidar com um mundo conturbado, onde assistimos diariamente a aparente vitória dos violentos? Violência que se expressa na polícia, braço armado do estado, que agride negros e pobres; no estado, que não garante as mínimas condições e sobrevivência do povo e ainda desmonta as poucas políticas de bem-estar social de nosso país; no homem machista, que agride, violenta, silencia, coage e mata as mulheres; na violência urbana, que nos torna prisioneiros dos espaços seguros, obstruindo a nossa liberdade de ir e vir na hora e para onde quisermos; na degradação ambiental, com destruição de reservas vitais para a sustentabilidade da vida no planeta; nas guerras comercias e militares, que destroem famílias, deixam órfãs as crianças num rastro de destruição e terra arrasa; na fome de milhões de seres humanos morrendo de inanição, enquanto poucos vivem chafurdados em verdadeiras orgias alimentares; na degradação do corpo, seja pela promiscuidade sexual, seja pela ditadura de um padrão de beleza que mata e infelicita homens e mulheres; na homofobia, que grotescamente assassina, com requintes de crueldade, o outro que apenas busca ser o que é; nos religiosos mercadores da fé, que distorcem os ensinamentos de Jesus para caberem em suas ganância e fome de poder; nos empresários corruptos, que compram os políticos, e nos políticos, que se vendem aos empresários; e no racismo estrutural, que ignora 300 anos de escravidão e suas perversas sequelas para o povo negro. A pergunta é: como ser manso diante de tanta opressão, violência, perversidade e loucura? Como ser manso diante, da injustiça, da hipocrisia e do cinismo? Talvez estejamos precisando compreender melhor o que é mansidão? De que mansidão falava Jesus quando lidava com uma sociedade na qual a violência também imperava? Sim, porque a cultura do Império Romano se caracterizava por sua dureza, crueldade, violência e pela instabilidade política e religiosa, e, por outro lado, os judeus, apesar de subjugados política e economicamente ao império Romano, seguiam suas tradições religiosas, que não se separavam da política e das normas sociais, a lei mosaica regia a vida do povo judeu. Leis essas extremamente rígidas e duras, em especial para as mulheres. Então como Jesus exerceu a mansidão diante de um cenário de extrema violência? Ele defendeu ideias e agiu de forma absolutamente coerente com aquilo que defendia, aproveitando cada experiência da vida cotidiana para ensinar e agir contrapondo-se à injustiça, à hipocrisia e à violência reinantes no seio daquela sociedade. Porque a cada momento evolutivo, a sociedade se organiza e constrói sua dinâmica de acordo com o conjunto das individualidades dos seus membros, tendo como resultante uma estrutura social com seus avanços e retrocessos, com suas virtudes e perversidades. Portanto não podemos utilizar a proposta de mansidão para justificar nossa passividade diante da injustiça, perversidade, opressão e hipocrisia. Jesus não pregou a violência armada mas atuou no campo das ideias, buscando encontrar nos corações humanos solo fértil para plantar as sementes de amor, de solidariedade de fraternidade para que a árvore do bem coletivo crescesse e desse frutos. Jesus se armou de um ideal e com força, coragem e firmeza o defendeu até a morte, e nós até que ponto estamos defendendo nossas ideias? Até que ponto estamos sendo coerentes entre o que defendemos na oratória e na escrita e as nossas atitudes? Porque as ideias são sustentadas e nutridas pelas atitudes. São as ideias que mudam o mundo, porque ideias não morrem jamais, ela estão sempre se espalhando e fecundando corações até que se coagulam e se transformam em ação, e aí as mudanças ocorrem. Todas as transformações das sociedades humanas, ocorreram porque indivíduos e grupos se colocaram à frente do seu tempo e enfrentaram suas mazelas, e todos, sem exceção, sofreram represálias dos que não desejavam as mudanças. Não confundir mansidão com passividade, porque expressar a indignação diante da injustiça não é ser violento, desmascarar a hipocrisia não é ser perverso, e foi isso que fez Jesus e podemos ter certeza que ele se insurgiu contra aquela ordem social vigente. Por que ele foi assassinado? Por que o crucificaram se ele não pegou em armas, não ofendeu ninguém, não tentou tomar o lugar de ninguém? Ele defendeu um ideal e agiu de acordo com esse ideal. Talvez possamos nos inspirar em sua conduta, e aproveitarmos todos os espaços e oportunidades da vida cotidiana para exercitarmos nosso ideal, ainda que por conta dessa defesa sejamos desprezados por uns, incompreendidos por outros e até presos ou mortos por terceiros. Afinal que herança deixaremos para os mansos que herdarão a terra quando aqui não mais estivermos? Deixaremos a única coisa que não morre jamais, mataram Jesus, mas suas ideias atravessaram o tempo e alcançaram nossos corações. E, como diz a belíssima canção “Luzes da Ribalta”, composta pelo inesquecível Charles Chaplin (1889-1977), na versão de Antônio Almeida, “para que chorar o que passou, lamentar perdidas ilusões, se o ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações”.Os fascistas mostram suas garras
Hoje à noite, algumas pessoas pouco afeitas à liberdade de expressão e à democracia tentaram, aos gritos, me impedir de prosseguir com meu discurso de paraninfo na formatura da turma de Jornalismo da Unisinos. A virulência desse ataque – que fez até a instituição colocar seguranças para me acompanharem na saída do auditório – só reforçou a importância do que foi dito. Por isso, compartilho a seguir o discurso, que pôde ser proferido até o fim graças ao apoio de professores, formandos, alunos, ex-alunos e muitos mais.
Felipe Boff
DISCURSO DE FORMATURA
A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados. No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias. Querem exemplos? “É só você fazer cocô dia sim, dia não.” “Você está falando da tua mãe?” “Você tem uma cara de homossexual terrível.” “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai.” É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos. O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019. O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.” Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF. E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos. Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais. Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”. Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”. Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece. Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”. Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano. Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”. Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez. Publicado no Facebook em 8/3/2020.A fascinação e a necropolítica miliciana
“239. A fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão produzida pela ação direta do espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula. Fora erro acreditar que a este gênero de obsessão só estão sujeitas as pessoas simples, ignorantes e baldas de senso. Dela não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes sob outros aspectos, o que prova que tal aberração é efeito de uma causa estranha, cuja influência eles sofrem.”
Allan Kardec, “O livro dos médiuns”. 2ª parte, cap. XXIII.
No pior momento da história recente do mundo, com uma pandemia que mata milhares e milhares, os brasileiros foram pegos com a calça nas mãos e, infelizmente, por sua própria escolha suicida. Além da luta contra um vírus que se propaga de forma estonteante e mata sem pudor, por aqui se luta também contra um verme, eleito por meio da mentira e do ódio, que tem tentado insistentemente piorar as consequências da pandemia mortal. Se esse verme, que ataca principalmente a mente desavisada e pouco elaborada, não for parado a tempo, o país viverá um período de caos, morte e agonia. Pelo que se vê nas notícias e nas redes sociais, esse verme cruel já infectou diversas pessoas, fazendo lembrar cenas da ficção de contos de zumbis, que agora pretendem sair às ruas para defender seu direito de morrer e matar indistintamente. Sim, é isso que essa estranha gente pretende com suas carreatas e protestos a favor da liberação irrestrita, ou “vertical”, do isolamento social decretado pelos entes federados subnacionais: a morte. A necropolítica miliciana, guiada por espíritos mal intencionados, nunca esteve tão explícita e à vontade para pregar seus reais objetivos. Cabe aos espíritas, amparados pelos ensinos de fraternidade e compaixão exarados por Jesus e pelos espíritos que auxiliaram Kardec, levantar a bandeira da racionalidade e lutar contra a necropolítica bolsonarista que se espalhou como uma obsessão coletiva, uma fascinação, no meio dos fracos de espírito e dos interessados no lucro acima da vida. Não há outra opção racional e moral nesse grave momento: é preciso, para quem pode, ficar em casa.