Teocracia: um projeto de estado

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Geron Dison/Unsplash
Foto: Geron Dison/Unsplash

A teocracia fundamentalista se instala no nosso país a passos largos. Se antes os avanços de setores radicais e fundamentalistas de igrejas várias sobre recursos e espaços do estado brasileiro era tímido e claudicante, como a testar possibilidades, agora, no período pós-golpe de 2016, é violento e intenso, explicitando o projeto em curso.

De um lado, o Congresso Nacional e o poder executivo, aliados no projeto de transformação do estado numa teocracia cristã, sob os olhares sempre desatentos e, por vezes, coniventes do poder judiciário, esforçam-se em dar a igrejas neopentecostais cada vez mais recursos oriundos do estado nacional, seja por meio do aumento significativo de propagandas do governo federal nas emissoras de rádio e TV dessas igrejas[1], ou por meio de absurdos perdões às mesmas igrejas de dívidas bilionárias com o estado[2].

Além desse indecente assalto aos cofres públicos, portanto assalto ao bolso de todo o povo brasileiro, independentemente de sua fé ou falta dela, o estado foi completamente tomado por pessoas escolhidas apenas pela crença que adotam, e não por suas capacidades técnicas ou administrativas[3]. Isso tem um nome muito claro: aparelhamento do estado. O estado brasileiro hoje está completamente aparelhado por pastores, crentes e fiéis que têm como única “virtude” a fé neopentecostal que professam. E deixam isso muito claro no trato das questões administrativas dentro do serviço público federal.

Por outro lado, e dando seguimento ao projeto teocrático de precarização educacional e científica da sociedade brasileira, os números de investimentos no setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ruiu drasticamente desde 2016, mostrando a tendência do projeto social teocrático em ação. Se em 2015 o país alcançou seu maior orçamento histórico em P&D, com valor acima de R$ 13 bilhões, em 2020, após quedas anuais sucessivas, esse valor esteve abaixo de R$ 2,5 bilhões[4], como mostra o gráfico que ilustra esse texto, cuja fonte é um estudo do IPEA, órgão do próprio governo federal.

A proposta, portanto, torna-se evidente: menos ciência, pesquisa, educação, Constituição; mais pastores, igrejas e textos ditos sagrados. O Brasil tem feito uma escolha sobre seu futuro a cada nova eleição em que coloca nos poderes republicanos pessoas e grupos que atentam contra os próprios valores republicanos. Mas essa escolha, a história mostra à mancheia, é um caminho de perda de direitos e liberdades, de perseguições e torturas, de injustiças e desigualdades, de trevas e sombras.

Esse é um momento histórico importante e todos os que aspiram por uma nova sociedade de justiça e fraternidade devem engajar-se na luta contra o projeto de transformação da sociedade brasileira numa teocracia fundamentalista cristã, numa Arábia Saudita cristã. E essa luta passa, necessariamente, pela luta contra o talibã cristão que se apossou do estado brasileiro. Não é uma questão de respeito à fé alheia ou do direito inalienável de professá-la em espaços privados, mas a fé criminosa que faz do Brasil uma sociedade teocrática deve ser denunciada e seus militantes combatidos.

Quanto aos espíritas, muitos se entregaram inocente e sofregamente ao projeto neopentecostal de tomada do estado brasileiro, amasiados pelo canto da sereia do obtuso discurso religioso conservador, sem se darem conta de que, logo ali, serão perseguidos por sua fé desviante da teocracia pré-instalada. Os bolsoespíritas que ainda mantêm sua posição em relação a esse projeto são parceiros dessa aberração político-teocrática e devem ser combatidos e denunciados sem parcimônia, cotidianamente, pois, além de serem propagadores dentro do meio espírita e entre seus incautos seguidores desse tenebroso projeto, são pessoas que deturpam todas as propostas espíritas de amor, fraternidade e justiça social. E, como bem lembra mensagem famosa das obras espíritas,

[…] Se as imperfeições de uma pessoa só a ela prejudicam, nenhuma utilidade haverá nunca em divulgá-la. Se, porém, podem acarretar prejuízo a terceiros, deve-se atender de preferência ao interesse do maior número. Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode constituir um dever, pois mais vale caia um homem, do que virem muitos a ser suas vítimas. Em tal caso, deve-se pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes.”[5]

Espíritas verdadeiros, unamo-nos na luta contra o talibã cristão, esteja ele onde estiver: numa igreja neopentecostal ou numa casa espírita qualquer.

Notas:

[1] https://www.brasildefato.com.br/2020/06/16/governo-gastou-r-30-milhoes-em-radios-e-tvs-de-pastores-que-apoiam-bolsonaro

[2] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/09/07/congresso-perdoa-r-1-bi-em-dividas-de-igrejas-bolsonaro-precisa-sancionar.htm

[3] https://veja.abril.com.br/blog/matheus-leitao/os-tres-pastores-de-bolsonaro/

[4] KOELLER, Priscila. Investimentos federais em pesquisa e desenvolvimento: estimativas para o período 2000-2020. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/202189_nt_investimento%20federais.pdf

[5] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Cap. X. Item 21.

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