

Releituras kardecistas – Marcio Sales Saraiva
Os espíritos foram criados “simples e ignorantes” ou “sem saber”. Eles crescem gradualmente até chegarem “progressivamente à perfeição”, através do “conhecimento da verdade” que brota das experiências múltiplas.
Esta é a síntese da evolução pessoal que os espíritos apresentam para Allan Kardec na questão 115, em O livro dos espíritos. Nada se diz sobre a tal “reforma íntima”. A questão é viver, experienciar, aprender e crescer, amadurecer, até chegar à plenitude de si mesmo. Esta é a concepção espírita, sem firulas ou misticismos.
Em outras palavras, podemos dizer que o espiritismo é universalista quando analisa a salvação-redenção dos indivíduos. Isso quer dizer que ninguém será condenado ao “inferno eterno” e, portanto, todos os espíritos “se tornarão perfeitos” um dia, pois “um pai justo e misericordioso não pode banir eternamente seus filhos” (questão 116), tal como pregam algumas religiões, especialmente as de matriz judaico-cristã.
É claro que o ritmo de amadurecimento e plenitude é pessoalíssimo. Cada espírito chegará ao ápice de seu desenvolvimento cognitivo e moral no tempo que for necessário, através de uma longa jornada por diversas encarnações. Alguns já alcançaram esta plenitude, outros ainda caminham com dificuldades, alguns estão parados na estrada faz tempo, mas nenhum espírito retrograda (questão 118). Ou seja, de acordo com o kardecismo, todos os espíritos crescem em ritmo variado, alguns podem até estacionar por algum tempo, mas nenhum poderá retroceder, pois isto feriria a lei natural de progresso contínuo.
Quando olhamos para o mundo, é fácil identificar espíritos reencarnados fazendo o mal, destruindo políticas sociais, ampliando o desemprego, espalhando o armamentismo, ampliando a fome e a desigualdade, agindo com egoísmo, perversidade e má-fé. Os espíritos dizem para Kardec que tais ações malignas nada têm com a criação divina, ou seja, “Deus não criou espíritos maus”, mas estes se tornaram maus “por sua vontade” (questão 121) e é sobre isso a alegoria da queda adâmica (questão 122).
Aí está a lei de liberdade. Os espíritos, encarnados ou desencarnados, podem escolher o caminho do mal e abandalharem-se. Deus, como mecanismo causal-criador, nada faz para intervir ou impedir, porém, de acordo com as leis cósmicas criadas pela causa primária, todo o mal feito irá retornar para quem o fez. Não por vingança, mas por conta de um mecanismo natural chamado lei de causa e efeito. Recebemos o que fazemos, sempre! E assim o mundo se autoajusta.
Nesta grande marcha ascensional, chamada por Pietro Ubaldi de “retorno ao sistema”, encontraremos espíritos que desde o início caminharam pela estrada íngreme do bem, outros pegaram o atalho do mal, mas todos estão envolvidos pela lei de progresso, todos estão em processo de aperfeiçoamento contínuo e dia chegará em que todos os espíritos chegarão à comunhão plena com a luz de Deus, à maturidade cognitiva-moral, ao estado de espíritos puros ou “anjos”, para usar uma imagem muito comum ao campo religioso.
Diz o Novo testamento que “Deus enviou o seu filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3:17). A ideia de que Jesus é o salvador do mundo inteiro e de que todas as coisas estarão reconciliadas com a divindade, com a causa primária, foi chamada de “apocatástase” e defendida por um dos grandes pais da igreja, Orígenes de Alexandria. O que o espiritismo kardequiano faz é atualizar a linguagem e a compreensão da salvação universal (apocatástase) através de uma longa jornada do espírito pela reencarnação.
Com o espiritismo, as tenebrosas ideias de “inferno eterno” ou de “juízo de Deus” baseadas em uma única existência foram desconstruídas. No lugar disso, o pensamento kardequiano nos ensina que somos espíritos em processo evolutivo, caminhando na direção do infinito, errando e acertando, mas sempre crescendo. E que um dia chegaremos à plenitude de nós mesmos, sempre julgados pela nossa própria consciência. Dizem os bons espíritos para Kardec (questão 540):
“É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pôde apreender em seu conjunto!”
Feminismos – com Elizabeth Hernandes e Marcos Costa
“Minha percepção acerca do aborto não foi modificada pelos homens, mas pelas mulheres”. A publicação, neste portal, do artigo “Desprezado Patriarcado, até quando?” suscitou amplo debate, como é usual ocorrer, sempre que se aborda a temática do aborto. Uma das repercussões diz respeito à chamada, feita por um grupo de mulheres do EàE-DF, para um debate sobre o assunto. O encontro virtual, denominado “Diálogos sobre o aborto: enfoque espírita”, marcado para 30 de julho de 2022, tem como objetivo discutir o assunto e produzir um documento a ser apresentado na plenária do II Encontro Nacional da Esquerda Espírita, dia 10 de julho em São Paulo.Feminismos com Elizabeth Hernandes – EàE-DF
Eu havia prometido escrever sobre a violência imposta a uma criança, por profissionais do judiciário, que deveriam atuar no interesse das vítimas. Mas eu não conseguia falar sobre o assunto. O lado racional dizia que nada mais havia a acrescentar, mas isso era apenas para disfarçar o horror do emocional, que não queria mais ver, ouvir, falar. Porque dói demais falar sobre uma criança abusada que não teve o acolhimento de quem deveria acolher, proteger e resgatar. Porque quando falo de meninas é sobre mim mesma, é sobre minhas filhas, é sobre todas as mulheres.
E sabe, Patriarcado, tem dias que a gente se cansa. Mesmo as mais combativas, as que se importam, as que não se resignam, as que não obedecem sempre, mesmo essas, têm seus dias de cansaço. E eu, que nem sou tudo isso, me sentia muito cansada nos últimos tempos. Cansada da Amazônia envenenada, dos ambientalistas trucidados, dos números da fome e da morte, das injustiças nunca resolvidas (quem mandou matar Marielle?). Cansada.
Mas em meio a esse imenso desânimo, minha filha, que está fora do Brasil, me manda uma mensagem e se diz horrorizada com o que aconteceu a uma jovem atriz que foi estuprada e que se viu na circunstância de levar adiante a gravidez, até o parto, após o qual deu, legalmente, a criança para adoção. Essa moça teve a intimidade violada por outros coestupradores, profissionais da mídia.
Mais uma que sofreu a violência de um estuprador e depois, a dos coestupradores. E aí, Patriarcado, não tem cansaço que me mantenha calada porque eu preciso, no mínimo, perguntar: até quando?
Até quando mulheres e meninas estarão indefesas diante de estupradores e coestupradores que as recebem no sistema de saúde e não lhes prestam os devidos cuidados; que as julgam no sistema judiciário ou as perseguem na mídia? Até quando a falsa moral religiosa, aquela da pátria-com-deus-pela-família-e-pela-liberdade continuará a deixar meninas e mulheres sem pátria, sem Deus, sem família e sem liberdade? Até quando?
O que leva alguns agentes do judiciário, do sistema de saúde e dos meios de comunicação a tratarem vítimas de abuso sexual como culpadas? O que os faz descumprir regras básicas dos códigos de ética que devem reger suas práticas?
E você ri na minha cara, Patriarcado, dizendo que eu sei muito bem o que é.
Sim, eu e muitos já sabemos.
O que leva essas pessoas a se tornarem coestupradoras é a moral tacanha, capitalista e igrejeira que move as cordas ocultas e desveladas de uma sociedade cruel. Uma sociedade fundada na cultura do estupro, da escravização e da produção de lucro a qualquer custo, principalmente da vida das mulheres.
Uma sociedade cheia de pessoas rezadeiras que levam o terço numa mão e a chibata na outra; que frequentam o centro espírita e falam com voz macia em defesa da vida, mas apenas falam. Na prática, votam duro contra a vida. Contra a vida das mulheres, do povo preto e de tudo que ameaça seus imaginários privilégios. São imaginários porque se trata de uma ilusão de segurança: ninguém está seguro onde as mulheres não estão seguras, onde os pretos são mortos estupidamente e a floresta e os povos originários são, sistemática e paulatinamente, destruídos.
Você, Patriarcado, não tem escrúpulos em usar qualquer tipo de ameaça: milícia, polícia, poder judiciário, sistema de saúde, exposição na mídia, fogo do inferno ou frio do umbral. E segue impune, matando e lesionando mulheres e meninas, todos os dias, seja no aspecto físico ou emocional.
E assim será –tudo pra você e nada pra nós– até perdermos o medo de confrontá-lo. Até a gente não se permitir nem mesmo se sentir muito cansada e emudecida de dor. Assim será até o dia em que, no âmbito religioso, ao invés da culpa, seja o amor a nossa força mobilizadora. Até o dia em que nos dispusermos a crer num Deus que concede livre arbítrio e aceitarmos o legítimo e humano direito de resolver, na vida material e concreta, as questões que são materiais e concretas.
Até quando?
Até que religiões aceitem a existência das mulheres e do seu direito de defender-se de todas as formas de violência, das práticas que atrasam a implantação do reino de amor e justiça prometido por Jesus.
Atenção, Patriarcado, nós continuaremos em luta por uma religiosidade que defenda, de forma concreta, o direito à vida e à liberdade.
Para que este “até quando?” se torne hoje, precisamos falar –em todos os lugares e nas casas religiosas– sobre o direito das mulheres à vida. Precisamos combater o moralismo que causa a morte de umas e torna coestupradores a outros.
Por hoje é só, Patriarcado. Mas saiba que nós estamos atentas e, quando uma de nós se cansa, há sempre uma filha que nos lembra do nosso dever maior para com Deus: o de amar ao próximo na medida em que amamos a nós mesmas. Sempre haverá uma filha que dirá: levanta, mãe, porque é sobre mim.
Releituras kardecistas com Marcio Sales Saraiva
Se no mundo físico temos uma sociedade dividida em classes sociais diferentes, com preconceitos e exclusões que mantêm determinadas hierarquias sociais, mais ou menos opressivas, não é assim no mundo espiritual.
Os espíritos de luz dizem para Allan Kardec que existe diferença no mundo dos espíritos, mas ela está assentada no “grau de perfeição” –ciência, sabedoria e virtudes ou bondade– de cada um e nas afinidades que os aproximam (questão 96 e 98 de “O livro dos espíritos”).
Basicamente, os espíritos de luz identificam, grosso modo, três grandes famílias de espíritos: os espíritos puros (também chamados de anjos), os espíritos medianos (também chamados de bons espíritos, pois desejam fazer o bem) e os espíritos imperfeitos (neles prevalecem a ignorância, as más paixões ou o desejo do mal). Em outras palavras, na cosmovisão espírita não existem demônios ou espíritos devotados única e exclusivamente para o mal. Não há também a figura de satanás, nem de capetas que estariam constantemente atrapalhando os planos do bem.
Esse temor de espíritos malignos foi algo que o espiritismo kardequiano destruiu, libertando o ser humano de crendices inúteis e favorecendo que o mesmo assuma sua responsabilidade existencial sem culpas e sem buscar legitimação em “ações do diabo”.
Além disso, os chamados espíritos imperfeitos são apenas irmãos nossos que, com o tempo, alcançarão também o grau de perfeição que todos nós estamos destinados, ou seja, a plenitude em comunhão com Deus.
Não há, portanto, um estado fixo na maldade, mas apenas ilusão e ignorância que, gradualmente, será dissipada, fazendo com que esses espíritos imperfeitos cheguem ao grau de espíritos medianos até se elevarem à categoria de espíritos puros.
Sim, um dia, todos nós seremos espíritos puros, mas entre esse estado final e o que vivemos ainda hoje, vai um enorme abismo que, somente através das reencarnações, poderemos nos depurar e alcançá-lo.
Esta concepção evolucionista e progressiva é um poderoso antídoto contra os preconceitos e os pavores causados pelas velhas concepções religiosas de céu e inferno, povoado por demônios que atordoavam a paz de espíritos dos seres encarnados.
O espiritismo nos traz, assim, uma visão de mundo onde o mal e a ignorância são estados transitórios da alma e, como todas as coisas, tende ao crescimento e amadurecimento, através de erros e acertos, ao longo de um processo pedagógico chamado de reencarnação.
Um dos dados mais interessantes, na questão 99, é que os espíritos de luz colocam os omissos, aqueles que não fazem nem o bem nem o mal, os que não se engajam nem a favor nem contra, dentro da categoria de espíritos imperfeitos ou inferiores.
Se em algumas religiões, o silêncio e a “neutralidade” são valorizados, no espiritismo kardecista não é assim, pois nele não basta ficar “de fora” das coisas que acontecem na vida, escondendo-se das nossas responsabilidades éticas e políticas. É preciso se comprometer com o bem, com o processo de crescimento de si mesmo e da sociedade onde vive, pois nós somos responsáveis pela nossa existência e pelo mundo social que criamos ao longo das reencarnações.
É dentro deste quadro que Allan Kardec apresenta, em “O livro dos espíritos”, a chamada “escala espírita”, subdividindo as três grandes famílias espirituais em 10 “classes” ou “categorias” de espíritos. Não se trata de uma visão dogmática. Kardec deixa claro que esta tabela classificatória “nada tem de absoluta” (questão 100) e que “os espíritos não ligam a menor importância” (questão 100) para tais convenções, pois o importante é a compreensão geral da ideia e não as tabelas que humanamente construímos. As fronteiras entre as famílias espirituais são borradas ou fluidas, pois há intercâmbio e interações de diversos tipos.
Em resumo, esqueça essa conversa de diabo ou satanás, pois no mundo dos espíritos (ou extrafísico) temos apenas três grandes famílias espirituais, mas não encontramos nenhuma classe de “espíritos demoníacos” –de acordo com Allan Kardec!– e nem uma divisão de classe social onde relações de dominação e exploração sejam estruturais, como nas sociedades capitalistas existentes.
Só nos mundos inferiores e nas regiões menos adiantadas da espiritualidade (ou erraticidade) encontramos relações de dominação e exploração, portanto, abolir tais estruturas de opressão, exploração e violência deveria ser o objetivo de todos os espíritas encarnados, procurando fazer deste planeta um espaço de igualdade, liberdade, justiça e fraternidade.
Ana Cláudia Laurindo
A inclinação do meio espírita brasileiro liderado por Divaldo Franco tem sido acreditar em sofismas rebuscados, anunciados com palavras conhecidas, ditas pelo médium , que ao analisar os conflitos armados entre a Rússia e a Ucrânia mostra o quanto se tornou fácil convencer multidões sobre uma narrativa, mesmo quando nada se compreende sobre o fato analisado. De maneira vergonhosa, a ortodoxia espírita tupiniquim atribui efeitos satânicos ao termo comunismo, ao qual Divaldo tem acostumado citar em discursos de cunho político conservador, que no contexto brasileiro logo indica com qual política está afinado. É lamentável observar a derrocada ética/humanitária deste núcleo que centralizou as representações da linda doutrina, manipulando através de médiuns oradores e escreventes, conteúdos que iludem, enganam, induzem milhares de mentes viciadas em poder e ajustes moralistas das condutas exteriores a enfileirar nas correntes nazi-fascistas envolvidas nas políticas partidárias em nosso país. Oportunidades de compreender os males sociais gerados por políticos de inclinação fascistas todos os brasileiros possuem há anos, mas a cosmossociologia espírita se torna cada vez mais envolvida nas teias do poder que privilegia líderes míopes para os desmandos da política hegemônica, que atua sobre os sentidos com a voracidade demoníaca real, pois o mal chega até as pessoas de carne e osso através de decisões políticas que desarmonizam e desequilibram todas as vítimas. Divaldo Franco nada entende sobre geopolítica mundial mas insiste em espalhar vídeos com conteúdos lastimosos para alimentar seus fanáticos seguidores, reafirmando jargões enquanto os libera da responsabilidade de estudar em fontes verdadeiras no intuito da compreensão que liberta; o jugo da classe não tem permitido essa experiência profunda de autonomia? Para não entender sobre política real, a casta salvífica que administra caridades materiais mantém-se no cercadinho espírita, fascinada em torno da fala rouca do médium arrogante, e lá se vão inúmeras experiências encarnatórias perdidas na preguiça de pensar! O número dos que estão recusando seguir sob a denominação “espírita” no Brasil está aumentando, pois lidar com as aparições patéticas dos médiuns perseguidores do “comunismo” está desanimando estudiosos da doutrina, médiuns anônimos sérios e comprometidos com o trabalho educativo, generoso e incentivador que Kardec espelha e indica nos muitos escritos que deixou. Espiritismo não tem donos, não necessita de guetos, e fomenta o livre pensar , mas infelizmente o meio espírita brasileiro atua contra estas assertivas e gera dependências religiosistas, caminhando para o lado oposto do que exemplificou Kardec, um espírito cientista e político, digno de respeito, mesmo nos casos de reprodução das verdades do seu tempo histórico, em evolução. O religiosismo acrítico sustenta as aparições de Divaldo Franco, as vezes oráculo, outras sofista, mas sempre comprometido com os interesses das classes dominantes e grupos hegemônicos dispersos nas instâncias de poder. Isso não é espiritismo. Isso é a escolha do médium e daqueles que o seguem. Despertemos. Texto publicado originalmente em Repórter Nordeste, gentilmente cedido pela autora para publicação.Releituras kardecistas com Marcio Sales Saraiva
A visão kardecista é de grande objetividade e sem misticismos quando o assunto é espírito, alma ou consciência. Em “O livro dos espíritos”, de Allan Kardec, nossa referência central nesta coluna, os espíritos são simplesmente “os seres inteligentes da criação” que “povoam o universo, fora do mundo material” (questão 76).
Seres de consciência, agentes inteligentes, estão por toda a parte, ainda que não visível para a maioria das pessoas e até mesmo para a ciência mais materialista e menos aberta para os fenômenos transpessoais.
Quem os criou?
A resposta é simples. Deus. Por outro lado, os espíritos superiores assumem seus limites cognitivos, sua ignorância, ao afirmarem que “ninguém sabe” o quando (tempo) e o como (processo) que se deu esta criação dos espíritos. “Eis o mistério”, diz na questão 78. “A origem deles é mistério”, diz a questão 81. E mesmo sobre sua “essência”, o próprio Allan Kardec assume: “somos verdadeiramente cegos” (comentário da questão 82).
O que o kardecismo nos deixa como informação razoável?
Os espíritos foram criados por Deus, existem antes do corpo físico, povoam todo o universo, são seres incorpóreos (mas não imateriais) e que Deus jamais deixou de criá-los em todos os tempos.
Eles “estão por toda parte”, porém, “há regiões interditadas aos [espíritos] menos adiantados”. Sendo assim, o deslocamento dos espíritos é maior quanto maior for sua evolução intelectual, cognitiva e ético-moral. Além do deslocamento, há também a possibilidade de um único espírito irradiar sua “presença” para diversos locais e direções, como o Sol (questão 92). E isso explica porque o espírito Irmão X poderá enviar uma mensagem que será psicografada por pessoas diferentes em locais diferentes ou porque um espírito poderá irradiar sua comunicação sendo “incorporado” (psicofonia) em diversos médiuns em casas espíritas ou espiritualistas diferentes, mesmo que seja no mesmo dia e horário.
Quanto mais avançado é um espírito, lógico, maior será seu poder de irradiação sem jamais perder sua unidade interna, sua “persona” individual.
Os espíritos poderão ser chamados de entidades, inteligências extrafísicas, entidades, almas, santos, anjos, o “Espírito Santo”, orixás etc. Não importa a forma com que, em cada cultura ou em cada saber religioso, o espírito poderá ser nomeado. Trata-se, para o kardecismo, simplesmente de comunicação dos espíritos, seres que momentaneamente não estão usando um corpo físico e denso como o nosso, mas que, em algum momento, poderão novamente mergulhar na carne (reencarnação) para poder continuar a longa jornada de volta para a casa divina.
Os espíritos não são coisas de “outro mundo”, pois eles estão aqui mesmo, entre nós, povoando todo o cosmo. Têm erros, acertos e preconceitos, mas também têm insigths, informações interessantes, preferências religiosas ou ideológicas, e apresentam grande sabedoria adequada ao seu grau de crescimento cognitivo-moral. Acima de tudo, os espíritos, para Allan Kardec, não devem ser idolatrados, não são perfeitos, nem puros —caso contrário, já nem poderiam se comunicar diretamente conosco, dada a nossa inferioridade— pois os espíritos que se comunicam com o mundo terreno são somente seres humanos, como nós, apenas sem a vestimenta corpórea, usando, em seu lugar, uma vestimenta perispiritual que lhe dá uma forma de apresentação.
Sendo assim, não se espante com espíritos e nem os tema, pois você é espírito e em todas as partes há espíritos. Talvez você não os veja, nem os sinta, mas aí é outro assunto.
Aldemario Araujo Castro – Espíritas à Esquerda DF*
A Constituição de 1988 trata a Educação com generosidade. Afinal, existe um virtual consenso de que a realização dos fins da República Federativa do Brasil, notadamente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, depende da eficiência do sistema educacional. O referido diploma fundamental da ordem jurídica brasileira proclama que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. São três, segundo a Carta Magna, os objetivos maiores da educação: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo para o exercício da cidadania e c) qualificação para o trabalho. Os princípios para o ensino no Brasil foram postos pelo constituinte nos seguintes termos: a) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; c) pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; d) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; e) valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; f) gestão democrática do ensino público, na forma da lei; g) garantia de padrão de qualidade e h) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Também foi previsto no Texto Maior a elaboração, por lei, de um plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: a) erradicação do analfabetismo; b) universalização do atendimento escolar; c) melhoria da qualidade do ensino; d) formação para o trabalho; e) promoção humanística, científica e tecnológica do País e f) estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. Parece fora de qualquer dúvida razoável a percepção acerca do tamanho e da complexidade das tarefas governamentais, especificamente no âmbito do Ministério da Educação, quanto à formulação e execução das políticas públicas realizadoras das definições constitucionais. Ocorre que o (des)governo Bolsonaro mostra diariamente sua reconhecida insensibilidade e incompetência para com a condução das questões educacionais, assim como o faz em relação às demais áreas sociais. Primeiro, fez escolhas miseráveis de titulares para a pasta ministerial da Educação. Tivemos Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Carlos Decotelli e, (até) agora, Milton Ribeiro. Essas escolhas demonstraram o profundo desprezo do maior dos apedeutas por tudo minimamente relacionado com Educação, Ciência e Tecnologia. Depois, pelas vozes e ações desses “ministros”, praticamente reduziu as políticas públicas na área da Educação ao combate aos fantasmas do “marxismo cultural”, da “ideologia de gênero” e da “pregação ideológica” no ambiente de ensino. Aqui e ali também foram vistos ataques ao suposto plantio de maconha nos campi universitários e outras esquisitices dessa natureza. Só faltavam aparecer na grande imprensa, em relação à área de Educação, os casos de corrupção presentes em vários outros setores da ação governamental. Não falta mais. As peripécias do ministro Milton Ribeiro e dos pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura (integrantes do “gabinete paralelo”) vieram a público. E vieram com força e requintes do mais abjeto maucaratismo juramentado e praticante (como diria o eterno Prefeito Odorico Paraguaçu). A fala do ministro da Educação é escancaradamente didática (nesse ponto ele foi competente, não há como negar): “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar. A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. A partir da divulgação dessa confissão, relacionada com a liberação de recursos do Ministério da Educação para Prefeituras, surgiram elementos adicionais como: a) várias audiências dos pastores com o ministro; b) vários encontros e fotos dos pastores com o presidente Jair Bolsonaro; c) eventos com distribuição de bíblias e a presença do ministro da Educação; d) voos em aviões da Força Aérea Brasileira – FAB e e) falas de vários prefeitos (pelo menos dez) detalhando o modus operandi dos “homens da fé”, incluindo pedidos explícitos de propinas, em dinheiro e ouro, e de apoio eleitoral. Houve registro até de desconto de 50% para a propina, dependendo de quem “encaminhasse” o pretendente (fontes: estadao.com.br, uol.com.br, g1.globo.com e metroples.com). No Supremo Tribunal Federal, a Ministra Carmén Lúcia determinou a abertura de inquérito para investigar o ministro Milton Ribeiro, pela suposta prática dos crimes de: a) corrupção passiva; b) tráfico de influência; c) prevaricação e d) advocacia administrativa. Segundo a Ministra: “Há de se investigar e esclarecer, de forma definitiva, a materialidade e a autoria das práticas com elementos objetivos e subsídios informativos definidos nos termos da legislação vigente, para se concluir sobre a autoria, os contornos fáticos e as consequências jurídicas a serem determinadas pelas condutas descritas na notícia de crime informada pela Procuradoria-Geral da República” (fonte: conjur.com.br). Não custa destacar que a corrupção é uma das marcas distintivas do (des)governo Bolsonaro. A família presidencial, antes com atuação política regional e limitada pelo raio de ação do “baixo clero”, operava com: a) milícias (com integrantes homenageados e incorporados como assessores); b) “rachadinhas” (apropriação de remunerações de servidores dos gabinetes parlamentares); c) funcionários fantasmas (como no curioso caso da “Wal do Açaí”); d) frequentes operações com imóveis (com uma curva ascendente e recheada de “galinhas mortas”) e e) lavagem de dinheiro em empresas de menor expressão (comércio varejista de chocolates, por exemplo). O envolvimento em corrupção “grossa” ou “pesada” dependia da ação numa arena política mais ampla e com o concurso de parceiros com larga e profunda experiência nesse “ramo”. No governo federal e a associação com os integrantes do famoso “Centrão” permitiram a “ampliação dos horizontes”. Somente a cegueira seletiva ou a ingenuidade em alta dose pode alimentar alguma ilusão acerca da supressão da corrupção no Brasil a partir da prática ludibriante da oração enganosa e coisas do gênero. Infelizmente, a corrupção sistêmica existente no Brasil por décadas (e séculos) continua operando em todos os níveis governamentais, com novos e velhos atores, com novos e velhos métodos. Nesse cenário de horrores se destacam os bilhões do “orçamento paralelo”. Todo esse triste cenário lembra o conhecido episódio protagonizado por Jesus Cristo quando flagrou a ação deletéria dos vendilhões no Templo de Jerusalém. Importa destacar a conduta de Jesus justamente porque esses senhores, todos eles, incluindo o chefe de Governo, se apresentam (acredite quem quiser) como fiéis e incansáveis discípulos do Mestre dos Mestres. Eis o relato do comportamento de Jesus Cristo transcrito diretamente da Bíblia, abstraído o debate se aconteceram dois episódios distintos: “Então ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas mesas. Aos que vendiam pombas disse: ‘Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu Pai um mercado!’ ” (João 2:15-16). “Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse: ‘Está escrito: ‘A minha casa será chamada casa de oração’; mas vocês estão fazendo dela um ‘covil de ladrões’ ”. (Mateus 21:12-13). Obviamente, a solução operada por Jesus (provavelmente o espírito mais evoluindo que já andou pela face da Terra) não deve ser tomada no sentido literal para os dias modernos. Não é o caso de expulsar, de chicote na mão, os vendilhões da educação brasileira. Entretanto, a revolta e a repulsa do Cristo devem ser as mesmas para adoção das sanções jurídicas pertinentes (improbidade administrativa, penais e civis) e das consequências políticas. Nesse último quesito, é dever da cidadania consequente combater a permanência desses malfeitores no cenário político e, sobretudo, nos espaços públicos de poder. É crucial recusar voto, apoio, espaço, olhos e ouvidos para esses mercadores da fé, da educação, dos sonhos e da dignidade dos brasileiros, a começar pelo principal e mais graduado deles.