Autora: Mariléia Dionísio
Este artigo, como indica o título, é sobre calopsitas, mulheres e espiritismo. E é possível estabelecer tal relação estranha inicialmente? Só lendo pra saber, né? E a relação começa lá atrás, muito lá atrás quando surgiram os primeiros animais e os primeiros seres humanos aqui no nosso planeta Terra. Mas não se preocupe, pois o salto de lá pra cá é grande e chega rápido a hoje, 2020, ano de pandemia.
Brasil, desigualdades de todos os tipos agravadas. Sofrimentos, inúmeros deles incluindo o desencarne (que poderia ter sido prorrogado) e o luto para 130 mil famílias (até o momento)[1]. Tristeza, tenho sentido uma tristeza profunda intercalada com sentimentos de impotência e indignação por um lado; esperança e resistência por outro, junto com a aprendizagem, dura.
Em meio a tudo isto, uma pequena alegria caseira: o piado bem baixinho como indício de que um filhotinho de calopsita havia nascido. Alegria que se transformou em força extra para parir este texto há dias sendo gestado sobre a dramática situação da mulher dentro de nossa sociedade, com ênfase na postura de espíritas.
Este filhotinho (que, espero, consiga sobreviver assim como os outros quatro que ainda não eclodiram dos ovos) é resultado de uma história composta por alguns capítulos e personagens.
Um dos capítulos que merece destaque corresponde aos episódios “entre tapas e beijos” que do sofá de meu ap’e’rtamento assistíamos praticamente todos os dias nesses oito anos do casalzinho de calopsitas. Na verdade, os “beijos” não eram beijos, mas cafunés que Derpina (a fêmea) fazia na cabeça de Derpi (o macho).
Normalmente, logo depois do almoço, ele abaixava a cabeça aos pouquinhos, tocando-a levemente e aguardava que ela, num gesto de carinho, passasse o bico gentilmente nas peninhas do pescoço/cabeça dele. E ela assim fez várias e várias e várias e várias vezes.
O enredo ganha uma singularidade: quando ele queria carinho e ela, por alguma razão que desconheço, não estava disposta, ele a bicava. Sim, batia até que ela fizesse o “carinho” ou cafuné que ele exigia unilateralmente. E se ela se negava e fugia, ele ia atrás, a perseguia, insistia até conseguir, com mais violência. Outro ponto: nunca vi Derpi retribuir carinho nos mesmos moldes.
“Ah, mas são animais”, você diria! Sim, são animais. E cada espécie animal tem comportamentos próprios desde que foram criados lá atrás e habitam este nosso mundo. Tem sido assim há milhares de anos. É a natureza, não é? Agem por instinto. Dentro do entendimento espírita (pelo menos do meu), são seres cada qual em uma determinada escala evolutiva e todos em desenvolvimento contínuo.
E nós, espíritas, será que alguma vez nos comportamos como Derpi e Derpina?
Será que, mesmo que já não sejamos simples animais, conseguimos agir como seres espirituais e perfectíveis que somos nos respeitando mutuamente aqui e agora sem precisar esperar “nosso lar” ou o “mundo regenerado”?
Será que as violências sofridas pelas mulheres dentro de seus próprios lares em várias formas (psicológica, física, moral e sexual, incluindo o estupro marital) são reconhecidas por nós como agressões que devem ser banidas?
Será que as violências das quais as mulheres têm sido vítimas ao longo da história são pautas nos grupos de estudo, reuniões, evangelização, juventude e palestras nas casas espíritas?
É tema de algum livro ou pesquisa que busca investigar as inter-relações ao longo das encarnações com alternância do espírito que violenta e é violentado em corpos ora de mulher ora de homem?
O 180 foi acionado por você alguma vez como gesto de caridade para uma mulher em sofrimento? Conseguiu orientar uma companheira fragilizada a buscar proteção e amparo nos órgãos do estado? Meteu sua colher ressignificando na prática o dito popular ao defender a vida de uma mulher? Participou de alguma ação para garantir que a Lei Maria da Penha fosse implementada? Lutou pela abertura de delegacias especializadas em sua cidade? Está se sentindo ofendidx com tais perguntas? Mais uma: votou em um determinado ser espiritual (você sabe a quem me refiro) que faz apologia do estupro, tem ódio a mulheres e foi eleito por milhões de brasileirxs que o apoiam e/ou se omitem em cumplicidade?
Derpina e Derpi formavam um casal de calopsitas adultas e viviam em dupla. Não participavam de uma sociedade (des)organizada como as nossas e nenhum dos dois estava na fase infantil.
Quantas meninas, mulheres em sua infância agredida, espíritas ou não, foram obrigadas a fazer cafuné, carinho e sexo?
Os números e estatísticas são assustadores. Temos tido coragem de olhar de frente para cada número e ver ali um ser espiritual –encarnado e vivenciando a fase infantil, adulta ou velhice– que carrega em sua jornada esta tragédia?
Você se sente responsável como parte de uma sociedade que joga tantas meninas em situações de vulnerabilidade quando negam a suas famílias condições dignas de emprego, escola, alimentação, saúde, cultura, esporte, lazer, moradia, por fim, proteção e segurança?
“Amar ao próximo” também pode significar individual –para você– e coletivamente –para as pessoas que participam da sua casa espírita– um “basta” à violência cometida contra as mulheres e, principalmente, aquelas que têm sido mais penalizadas como as mulheres pobres, as negras, as periféricas, as indígenas, as trabalhadoras em ocupações desvalorizadas e precarizadas, as portadoras de necessidades especiais, as mulheres do campo, enfim, as “minorias”, embora quantitativamente maiorias?
Quantas vezes situações de violência aconteceram desde que animais e seres espirituais encarnados como nós habitamos este planeta? Normal? Crime? …?
É a natureza? Agimos por instinto? Somos diferentes dos animais? Em quê?
Derpina e Derpi se acasalavam e, junto a outros fatores, como consequência, tiveram mais uma ninhada, desta vez com 5 ovinhos. Para minha tristeza, Derpina ficou doente e morreu um dia antes da
eclosão do 1º ovinho.
Nunca esquecerei a data: 7 e 8 de setembro, dias da Independência do Brasil e da cidade de Vitória. Fiquei triste por Derpina e sigo em luto pela morte de 130 mil brasileiros, pelo desmanche do nosso país que continua dependente se não mais de Portugal e do império inglês, agora do capital/rentista transnacional conjugado com subserviência ao império estadunidense.
Derpi, o pai e agora “viúvo”, segue no choco e espero consiga cuidar bem dos filhotinhos que vingarem. Pai-mãe ou pãe. A natureza lhe dá oportunidades. De maneira menos romantizada, a vida e a sociedade nossa de cada dia tem transformado muitas mulheres em “mãe-e-pai”. Pais negligenciam e abandonam as mulheres-mães e os filhos-órfãos, mas, raramente os “pais-abortadores” são assim denominados e criminalizados por isto.
Na história das calopsitas, não entrou o capítulo do aborto nem a fase de perseguição e acusação de serem criminosos. Não se pode dizer o mesmo da menina de 10 anos de São Mateus/ES, perseguida e chamada de criminosa por cidadãos do “bem”, “cristãos” e “espíritas”.
Confesso que, como a grande maioria dos espíritas, eu também entendia e defendia que a vida é dádiva de Deus, só a Ele cabe dar e tirar de acordo com seu amor, justiça e sabedoria infinitos. Continuo defendendo.
Mas junto a isto, refletindo sobre as inúmeras violências pelas quais as mulheres passam cotidianamente em uma sociedade estruturalmente desumana e injusta, relendo textos kardequianos, estudando junto a outrxscompanheirxs espíritas progressistas, revi meu entendimento e posição há alguns anos. Talvez isto signifique algo a você, ou não.
Passei a considerar também que, por mais que na questão 358 de “O livro dos espíritos” se encontre a afirmação ampla e geral “existe sempre crime quanto transgredis a lei de Deus”, em nenhuma outra passagem se aponta que cabe a nós, seres humanos, criminalizar quem vivencia a complexa experiência do aborto provocado. Ao contrário. O que se espera de nós é que criemos condições sociais gerais de vida digna para que toda e qualquer mulher-mãe-por-ser seja capaz de levar adiante sua decisão seja ela qual for, como ser espiritual que é responsável pelos seus atos, sujeito a “erros e acertos” numa infinita caminhada de aprendizagem e superação.
Outro ponto que merece destacar é que a codificação está repleta de situações nas quais nós, seres espirituais criados simples e ignorantes porém perfectíveis, agimos com base em “falhas”, “erros”, “desconhecimento”, “injustiça”, “maldade”, “perversidade”, “atrocidade”, enfim, uma gama de posturas negativas, sobretudo nestas fases iniciais, tendo em vista o longo tempo de evolução espiritual, e em várias áreas da vida individual e social. Nem por isto há grupos “pró-vida espíritas” criminalizando os “transgressores da lei de Deus”, sabidamente em sua maioria homens ricos, brancos, das elites e heteronormativos.
Pior, no caso de mulheres ricas e brancas que escolhem o aborto provocado, podem fazê-lo em clínicas protegidas pela justiça dos homens, de maneira segura evitando complicações e morte. Estas privilegiadas não são nem perseguidas nem vistas como criminosas. Que postura espírita é esta?
Por fim, entre calopsitas, mulheres e espiritismo neste quase conto, apresento uma última relação-capítulo conjugados: machismo e uma homenagem.
Na espécie das calopsitas, somente o macho tem características que permitem a ele assoviar. Pois não é que Derpi aprendeu um repertório incrível de MPB? Seria cômico se não fosse trágico que na nossa sociedade patriarcal e machista, a maior parte de tudo que a humanidade conseguiu desenvolver é atribuído de antemão aos homens e não às mulheres. Não deixa de ser uma violência e preconceito na maior parte das vezes que recebo alguém em casa, ao ouvir o assobio, perguntar já com uma resposta antecipada afirmando que foi meu marido quem o ensinou. Não, não foi. Nem preciso dizer quem fui, né?
A homenagem vai para as 130 mil famílias enlutadas ao resgatar a letra de uma das canções que Derpi assobia, letra tão necessária por seu caráter revigorador nestes momentos duros que todos vivemos de pandemia e fascismo tupiniquim. Também, representadas simbolicamente por Derpina, homenagem para as mulheres espíritas com a esperança de que, de algum modo, este texto contribua um pouquinho para nos tornarmos mulheres e espíritas melhores. Segue a letra da música:
“Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança, ele vem pra me dar a mão. Há um passado no meu presente, um sol bem quente lá no meu quintal. Toda vez que a bruxa me assombra, o menino me dá a mão. E me fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir: amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor. Pois não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver. E não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal. Bola de meia, bola de gude. O solidário não quer solidão. Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão. Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão.” (querido Milton).
Mariléia, mãe, cidadã brasileira e do universo.
Nota:
[1] O número oficial de mortos por covid-19 no Brasil já ultrapassou a trágica marca de 140 mil.
Publicado no Facebook em 26 de Setembro de 2020.Ref / Link: https://jornalcriticaespirita.files.wordpress.com/…/cri…Autora: Mariléia Dionísio
Em novo e patético discurso feito na Assembleia Geral da ONU, em seu 75° aniversário, o energúmeno miliciano envergonhou mais uma vez o povo brasileiro perante o mundo.
Seu discurso, recheado de baboseiras e mentiras, como sempre, acusa “caboclos e índios” pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal e pede ajuda para o combate à “cristofobia”[1], seja lá o que isso for na mente doente dessa gente criminosa, preconceituosa e fundamentalista.
Além dessas idiotices, o genocida afirmou ainda que o Brasil é um país “cristão e conservador”. Desde quando? Vale lembrar desse trecho da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[…]”
Ou seja, o estado brasileiro é laico[2] e isso está explícito na sua lei maior.
É certo que o mundo todo agora ri desse país entregue ao crime organizado, mas por aqui a comédia se transformou numa das maiores tragédias recentes que já se viveu em terras tupiniquins: genocídio, destruição ambiental, direitos roubados e teocracia em implantação sob o silêncio cúmplice dos demais poderes e da imprensa cooptados.
É triste, para os espíritas, saber que essa situação encontrou, e ainda encontra, apoio entre muitas pessoas e instituições espíritas: é o bolsoespiritismo, de infeliz e forte presença dentro do movimento espírita. Além da vergonha por conta dessa quadrilha no governo federal, os espíritas vivem uma dupla vergonha pela presença desse bolsoespiritismo, que mancha as propostas espíritas e dilacera sua reputação.
O povo brasileiro precisa urgentemente lutar por sua vida, pelo seu ambiente e por seus direitos e liberdades. E só há um jeito para isso:
Uma vergonha perante o mundo.
Em novo e patético discurso feito na Assembleia Geral da ONU, em seu 75° aniversário, o energúmeno miliciano envergonhou mais uma vez o povo brasileiro perante o mundo.
Seu discurso, recheado de baboseiras e mentiras, como sempre, acusa “caboclos e índios” pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal e pede ajuda para o combate à “cristofobia”[1], seja lá o que isso for na mente doente dessa gente criminosa, preconceituosa e fundamentalista.
Além dessas idiotices, o genocida afirmou ainda que o Brasil é um país “cristão e conservador”. Desde quando? Vale lembrar desse trecho da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[…]”
Ou seja, o estado brasileiro é laico[2] e isso está explícito na sua lei maior.
É certo que o mundo todo agora ri desse país entregue ao crime organizado, mas por aqui a comédia se transformou numa das maiores tragédias recentes que já se viveu em terras tupiniquins: genocídio, destruição ambiental, direitos roubados e teocracia em implantação sob o silêncio cúmplice dos demais poderes e da imprensa cooptados.
É triste, para os espíritas, saber que essa situação encontrou, e ainda encontra, apoio entre muitas pessoas e instituições espíritas: é o bolsoespiritismo, de infeliz e forte presença dentro do movimento espírita. Além da vergonha por conta dessa quadrilha no governo federal, os espíritas vivem uma dupla vergonha pela presença desse bolsoespiritismo, que mancha as propostas espíritas e dilacera sua reputação.
O povo brasileiro precisa urgentemente lutar por sua vida, pelo seu ambiente e por seus direitos e liberdades. E só há um jeito para isso:
#ForaBolsonaro!
Publicado no Facebook em 22 de Setembro de 2020.Ref/Link:
Notas:
[1] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/…/marina-se…/
[2] https://www.justificando.com/…/o-principio-da…/
No capítulo que trata “das ocupações e missões dos espíritos”, Kardec, em “O livro dos espíritos”, recebe essa instigante resposta à sua pergunta sobre o propósito das encarnações na vida material. E a resposta não poderia ser mais sugestiva:
“Em instruir os homens, em lhes auxiliar o progresso; em lhes melhorar as instituições, por meios diretos e materiais. […]”
De significado profundo, a resposta apresentada pelos espíritos que o auxiliaram aponta para um objetivo primordial nas nossas existências terrenas: auxiliar o progresso humano e suas instituições, lançando mão dos meios diretos e materiais.
Não há como tergiversar sobre essa resposta ou buscar escamotear seu conteúdo relevante. Aqui estamos, todos, para melhorar a sociedade pelos meios que nos foram dispostos pela própria vida material. E melhorar a sociedade, ou seja, suas instituições, é justamente o conhecer-se e melhorar-se, é a transformação proposta pelos espíritos que insinuam que esse objetivo não é alcançado de forma individual, mas necessariamente coletiva. Portanto, não se deve falar em “reforma íntima”, que não passa de recurso erístico meritocrático, mas em luta pela transformação da realidade que nos cerca, que, por fim, transformar-nos-á a todos em pessoas melhores, mais humanas e fraternas.
As propostas espíritas são transformadoras e revolucionárias, precisamos colocá-las em prática!
Publicado no Facebook em 20 de setembro de 2020.Ref.: O Livro dos Espíritos
“E percorria Jesus toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo.”
Mateus, 4, 23.
Em sequência aos textos propositivos duma nova realidade de ação-reflexão do movimento espírita, discutem-se algumas formas para sua atuação.
Destaca-se que esse é o terceiro texto com reflexões e aprofundamentos sobre essa proposta. Os outros dois podem ser lidos nos endereços abaixo:
“Por um novo movimento espírita”
https://www.facebook.com/espiritasaesquerda/posts/1058329021228088
“O que fazer? Ou uma proposta inicial para encaminhamentos dos ‘problemas candentes do nosso movimento'”
https://www.facebook.com/espiritasaesquerda/posts/1073049716422685
Pretende-se aqui esmiuçar um pouco as propostas rascunhadas no segundo texto, em que se afirma:
“Esses novos grupos e instituições devem ter como objetivo primacial a construção da estratégia de sua inserção na luta pela superação da cruel realidade social existente. Suas reuniões, estudos, conferências e ação social devem ter esse maior propósito colocado como horizonte, como meta à sua atuação, exemplificando o poder revolucionário da filosofia espírita. Afinal, de que adianta decorar perguntas e respostas de livros e não ser capaz de usar esse tipo de conhecimento para transformar a realidade ao seu redor? E transformar não é apenas dar o pão no momento de fome extrema, que também é importante, mas construir uma sociedade em que mulheres e homens não tenham mais que sentir fome.”
A partir do claro entendimento do objetivo transformador das propostas espíritas, não no sentido individual, mas coletivo, porque não é possível transformar-se sem a transformação de toda a sociedade, o que se propõe é a mudança da atuação do movimento espírita no sentido de se tornar instrumento na busca das mudanças da sociedade desigual e injusta em que se vive.
E isso é radical e revolucionário, pois não se parte da proposta de evangelização, no sentido clássico, apartada do contexto vivido por todos, que pretende apenas formar prosélitos de classe média e experienciar a prática da caridade como simples entrega de fardos e itens aos pobres, como se esses fizessem parte duma outra realidade, dum outro mundo.
Os ensinos de Jesus e dos espíritos que auxiliaram Kardec são recursos valiosos que podem, e devem, compor um mosaico de ações que promovam a construção da autoconsciência transformadora do povo, pois um povo alheio à sua realidade social, econômica e ambiental e à sua identidade jamais conseguirá dar passos no sentido da superação de suas mazelas e dificuldades. Portanto, se se pretende verdadeiramente promover a transformação proposta nos ensinos evangélicos e espíritas, é preciso antes de tudo atuar no sentido de possibilitar ao povo a elaboração de sua autoconsciência, ou seja, o foco do novo movimento espírita dever ser o trabalho de conscientização.
E aqui não há nenhuma pretensão de protagonismo nessa tarefa, pois a conscientização é uma conquista de determinado grupo ou de toda a sociedade. Ela não é algo dado por um terceiro, mas construída a partir da própria realidade em que se vive, pois só quem a vive é capaz de dela tomar consciência. Caberá, portanto, ao novo movimento espírita entender seu papel de ferramenta, de meio, de instrumento, de mero auxiliar que facilita a conquista dessa consciência social.
Os núcleos espíritas desse novo movimento devem, preferencialmente, estar vinculados a comunidades populares, de trabalhadores, para, junto com eles –e jamais para eles–, promover atividades e reflexões, com o apoio indispensável dos ensinos evangélicos e espíritas, que contribuam para a construção da consciência crítica de todos os envolvidos.
Portanto, não haveria espaço nessa nova proposta de ação-reflexão para palestras evangélicas alienantes ou reuniões de estudos de caráter dogmático e ortodoxo. Isso porque não há uma doutrina a ser ensinada, não há um fiel a ser conquistado, mas uma tarefa de construção de consciência coletiva a ser feita por meio das transformadoras propostas espíritas, já que o que se objetiva não é um profitente espírita, mas um homem liberto e consciente.
Reuniões, estudos, eventos devem então se pautar pelo diálogo e pela participação intensiva de todos. E qualquer reflexão de caráter espiritual e evangélico deve partir da realidade concreta em que vive a comunidade que se insere o núcleo espírita. Muitas reflexões, diálogos e estudos espíritas podem ser feitos a partir das condições concretas da vida do povo, como as dificuldades das relações de trabalho, as condições objetivas do bairro em que se vive, a moradia, as dificuldades enfrentadas pelas famílias trabalhadoras no acesso à educação e à saúde, os problemas enfrentados por negros, mulheres e LGBTs da comunidade, a violência urbana, as drogas etc. E, a partir da análise desse contexto socioeconômico e da reflexão dos textos espíritas, será possível encontrar não só o consolo proposto por esses textos, mas a força para transformar a situação concreta, que é o valor maior dos ensinos evangélicos.
Esses novos núcleos espíritas devem também promover incansavelmente a auto-organização em todos os sentidos. Primeiro, a auto-organização do trabalho, motivando o trabalhador a participar de cooperativas, movimentos sociais, organizações de bairro e sindicatos profissionais, mostrando que é por meio da luta coletiva que se conseguirá transformar a realidade, jogando por terra o discurso hegemônico e falacioso da meritocracia individual. Segundo, é preciso também fazer com que o próprio núcleo espírita seja auto-organizado, que a própria comunidade dirija e decida os rumos desse novo movimento espírita. A classe média, maioria dentro do carunchoso movimento espírita retrógrado e conservador, precisa abdicar de seu protagonismo e ser mero instrumento da promoção da participação popular na organização desses novos núcleos.
Por fim, as atividades de caridade material, necessárias dentro das comunidades pobres onde vive o povo trabalhador, devem-se nortear pela reflexão e decisão conjuntas e pelo auxílio mútuo. Ou seja, é a leitura da realidade concreta, feita com a participação de todos, que deverá pautar as ações a serem tomadas por todos, incluindo obrigatoriamente a própria comunidade. Não há simplesmente doação de cestas básicas, roupas ou que tais sem que toda a comunidade participe da definição de suas necessidades e também da própria atividade de auxílio mútuo. Portanto, não é apenas um doar alienante, mas uma ação que constrói relações coletivas e promove a consciência libertadora.
As propostas espíritas trazem consigo esse poder transformador revolucionário. O que se precisa é colocá-lo em ação. Essas propostas foram trazidas há mais de cento e sessenta anos por uma miríade de espíritos como ferramenta de auxílio nesse processo que, como se sabe pela lei de evolução, ocorrerá de qualquer forma, “conosco, sem nós ou contra nós”[1]. E o que aqui, pois, propõe-se é que se coloque o movimento espírita a favor desse processo, mudando o triste rumo em que hoje se encontra.
Nota:[1] Frei Inocêncio Engelke, em carta pastoral à pequenina cidade mineira de Campanha, em 1950, mostrando sua preocupação sobre a ausência da Igreja Católica no processo de libertação do povo camponês.Publicado no Facebook em 05 de setembro de 2020.
O miliciano corrupto criou mais uma cortina de fumaça para tirar o foco dos esquemas e bandidagens da sua família. A estratégia da vez é falar da “liberdade de escolha” da vacinação pelos indivíduos.
Reprodução: internet.
O tema certamente mereceria uma dissertação completa, mas, para não entrar na onda da distração intencional, vale apenas lembrar que esses “liberais” de fancaria defendem a liberdade de escolha para vacinação, colocando em risco a vida e a saúde de toda a sociedade, mas são contrários a outras pautas de escolhas individuais como drogas e aborto.
Mas voltando ao que interessa, afinal, para não entrar na estratégia miliciana e corrupta da distração e da cortina de fumaça, quando o inominável responderá sobre os R$ 89 mil depositados na conta da primeira-miliciana pelo Queiroz?
Sobre cortinas de fumaça do presidente corrupto, recomenda-se esse vídeo curto e ilustrativo da Blogueirinha do Fim do Mundo, Maria Bopp:
https://youtu.be/RG8COJtn_zIPublicado no Facebook em 04 de Setembro de 2020.
Imagem:Lideranças da Oposição Operária participando de evento do Partido Comunista, com destaque para Alexandra Kollontai, autora do famoso panfleto “A Oposição Operária”.
A institucionalização e a burocracia são sempre um grande desafio para as boas ideias e para a continuidade da ação transformadora. Em todos os espaços de poder, seja um mero centro espírita, uma grande instituição federativa, uma cooperativa, um sindicato, um partido político ou um governo, há sempre o risco de a burocracia e a institucionalização atuarem no sentido de impedir a plena implantação das propostas que originalmente o geraram. A máquina, ou seja, a burocracia administrativa, buscará manter para si todos os espaços de atuação, desde os micropoderes até o poder central da organização, geralmente trabalhando no sentido de expulsar todos os que porventura questionarem a forma de atuação do poder centralizado.
Por isso, para qualquer organização que se proponha democrática na estrutura interna de poder, é de suma importância manter sempre todos os espaços de comunicação e participação abertos e prontos para para o livre diálogo.
O texto abaixo ilustra esse problema dentro do Partido Comunista na Rússia pós-revolução e as consequências bem conhecidas.
Destaque para a autora da brochura “A Oposição Operária”, a líder bolchevique Alexandra Kollontai.
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Esquerda dissidente na Revolução Russa
1919-1922: A Oposição Operária[1][2]
Uma breve história de um grupo dentro do Partido Comunista Russo que lutou contra o aumento da burocracia partidária e pelo controle sindical sobre a indústria que, em 1922, havia sido dissolvida à força pelo partido.
A Oposição Operária começou a se formar em 1919, como resultado das políticas do comunismo de guerra, que estabeleceram uma precedência para a dominação do Partido Comunista sobre filiais e sindicatos locais do partido. Durante a guerra civil, a Oposição Operária começou a agitar-se contra a falta de democracia no Partido Comunista como resultado das ações centralizantes da burocracia do partido. A Oposição Operária, composta quase inteiramente por trabalhadores sindicalizados (com força particular entre os metalúrgicos), defendeu a restauração do poder para os sindicatos e sindicatos locais do partido e foi liderada por respeitados bolcheviques veteranos como Alexander Shliapnikov, Alexandra Kollontai e Sergei Medvedev.
Na 9ª Conferência Russa do Partido Comunista, em setembro de 1920, as discussões sobre o crescimento da burocracia partidária e o funcionamento da economia soviética levaram a uma grande controvérsia. Por um lado, Lênin argumentou que era papel dos burocratas partidários ensinar os trabalhadores sindicalizados a administrar a economia do país; e por outro lado, a Oposição Operária tomou a linha oposta; que deveriam ser os próprios sindicatos, não burocratas partidários, que deveriam assumir a tarefa de construir a economia comunista. Como Alexandra Kollontai escreveu em seu panfleto seminal da Oposição:
“Não pode haver autoatividade sem liberdade de pensamento e opinião, pois a autoatividade se manifesta não só na iniciativa, na ação e no trabalho, mas também na independência. Não damos liberdade à atividade de classe, temos medo de críticas, deixamos de confiar nas massas: portanto, temos burocracia conosco. É por isso que a Oposição Operária considera que a burocracia é nossa inimiga, nosso flagelo e o maior perigo para a existência futura do próprio Partido Comunista. […] A Oposição Operária disse o que há muito tempo foi impresso no ‘Manifesto comunista’ por Marx e Engels: a construção do comunismo pode e deve ser obra das próprias massas trabalhadoras. A construção do comunismo pertence aos trabalhadores.”
– Alexandra Kollontai, “A Oposição Operária”.
O grupo exigiu que a administração industrial fosse responsabilidade dos sindicatos e que os sindicatos controlassem a economia nacional como um todo. Apesar de ter um apoio substancial entre as bases do Partido Comunista, a liderança do partido recusou sua plataforma em sua totalidade. Lênin chegou ao ponto de afirmar que o partido “deve combater o desvio sindicalista, que matará o partido a menos que esteja totalmente curado dele”. (Lênin, “A crise partidária”). A Oposição também argumentou que, para combater a burocratização, todos os não proletários deveriam ser expulsos do Partido Comunista e de posições administrativas do governo. Eles também argumentaram que tais cargos deveriam ser eleitos, não nomeados.
Deve-se ressaltar, no entanto, que o apelo da Oposição Operária para que o controle da economia nacional fosse entregue aos sindicatos não era tão honroso quanto parece. O Conselho Central de Sindicatos Russos era inteiramente um braço do estado bolchevique, preocupando-se principalmente de disciplinar os trabalhadores em vez de lutar por melhores condições. Eles eram totalmente diferentes dos comitês de fábrica, que tinham sido organizados na base pelos próprios trabalhadores. Em 1918, Shliapnikov chegou a dizer que os comitês fabris estavam colocando o controle “nas mãos de uma multidão que, devido à sua ignorância e falta de interesse na produção, está literalmente colocando um freio em todo o trabalho” (citado no Controle dos Trabalhadores de Carmen Sirianni e democracia socialista: A Experiência Soviética). Embora a Oposição Operária argumentasse repetidamente que o comunismo só poderia ser construído pelos próprios trabalhadores e era a favor do controle sindical total da economia para conseguir isso, não era de forma alguma o mesmo que o controle real dos trabalhadores da economia. Para ser franco, eles preferiram que os burocratas que administravam a economia fossem dos sindicatos, e não do Partido Comunista.
Tais problemas ideológicos internos que a Oposição Operária sofreu relacionavam-se quase inteiramente à sua incapacidade de rejeitar alguns dos princípios centrais do bolchevismo e romper inteiramente com o Partido Comunista Russo. Geralmente, os membros da Oposição Operária eram experientes bolcheviques organizadores de base, oriundos da classe trabalhadora que passaram a vida inteira agitando sua classes. Como tal, eles naturalmente tinham uma lealdade aos órgãos do poder de classe que haviam sido criados em tempos de luta.
No entanto, sua lealdade simultânea ao bolchevismo e ao Partido confundiu a questão do papel da organização revolucionária e sua relação com a classe trabalhadora. Assim, embora eles possam ter argumentado que a “construção do comunismo pode e deve ser o trabalho das próprias massas trabalhadoras”, sua incapacidade de rejeitar o vanguardismo do socialismo autoritário significava que eles também argumentavam que “o Partido Comunista Russo é o único líder político responsável da luta revolucionária na construção das massas operária e camponesa”. (Shliapnikov, sobre as relações entre o Partido Comunista Russo, os soviéticos e os sindicatos de produção).
Lendo os textos da Oposição Operária, um fato gritante é que, embora argumentassem repetidamente pelo controle sindical da economia e por uma maior democracia dentro do Partido Comunista, eles não desafiaram a dominação política do próprio partido. Embora a Oposição Operária quisesse maior controle sindical da economia, os cargos reais de poder administrativo deveriam ser eleitos através das filiais locais do partido. O problema básico que a Oposição Operária tinha com o Partido Comunista Russo era que ele estava nomeando burocratas em posições de poder a partir do centro, em vez de elegê-los em nível local. Eles não pretendiam desafiar o monopólio do próprio Partido Comunista.
Os eventos de Kronstadt, e sua reação a ele, mostram mais claramente esses problemas. Quando Kronstadt entrou em erupção em oposição à dominação comunista da Rússia e exigiu um retorno ao slogan “Todo o poder aos sovietes”, a Oposição Operária se apoiou em seu partido e muitos até se ofereceram para ajudar no ataque militar à revolta. Kronstadt marcou um problema para a Oposição Operária: por que sua classe estava atacando o Partido Comunista, os únicos “líderes políticos responsáveis da luta revolucionária”? Sua incapacidade de romper com a bagagem vanguardista do leninismo significava que eles finalmente encontraram falhas com sua classe e não com os novos burocratas do Estado.
No entanto, mesmo com uma lealdade tão grande ao leninismo, a Oposição Operária foi um desvio muito grande do leninismo ortodoxo do partido. No 10º Congresso do Partido, em março de 1921, as posições da Oposição Operária foram rejeitadas, suas ideias condenadas, e foram ordenadas a dissolver-se.
Embora os membros da Oposição continuassem sua agitação, eles ainda se encontravam sob ataque da burocracia do Partido Comunista. Shliapnikov falou de como os membros da Oposição dos Trabalhadores foram expulsos do partido, às vezes sistematicamente transferidos para diferentes distritos, às vezes totalmente expulsos do partido. Ações semelhantes foram tomadas contra sindicatos que tinham uma lealdade tradicional à Oposição Operária. Por exemplo, a conferência sindical dos metalúrgicos de 1921 votou uma lista de candidatos recomendados para a liderança sindical do Comitê Central do Partido Comunista. Esta votação, no entanto, foi ignorada e os líderes partidários nomearam seus próprios candidatos para o cargo, no intuito de lembrar os metalúrgicos quem estava no poder, pois seu sindicato tinha sido um centro de atividade da Oposição Operária.
Em 1922, a Oposição dos Trabalhadores seria finalmente derrotada. O 11º Congresso do Partido veria a liderança do partido apresentar uma moção para expulsar os líderes da Oposição Operária do partido. Embora os laços estreitos da Oposição com as bases do partido significaram que a moção falhou, o grupo foi quase totalmente dissolvido como resultado do esforço conjunto dos líderes partidários. Por exemplo, dos 37 delegados da Oposição Operária ao 10º Congresso, apenas quatro conseguiram retornar como delegados votantes para o próximo congresso. Após tal pressão, a Oposição Operária entrou em colapso.
Em seu Apelo dos 22, distribuídos no congresso do partido em 1922, eles imploraram aos delegados do Comintern para reconhecer as “medidas repressivas contra a expressão [de suas] opiniões dentro do partido” e ajudar a “acabar com todas essas anormalidades”. Esses gritos de socorro, no entanto, caíram em ouvidos surdos.
Em 1926, os membros restantes da Oposição se juntaram brevemente à Oposição de Esquerda liderada por Trótski, que, agora se descobrindo em desvantagem com a burocracia do partido, começou a lutar contra a crescente burocracia e a falta de democracia que ele mesmo ajudou a criar. De fato, o destino de Trótski se assemelharia ao da Oposição. Depois de abandonar a classe operária russa em favor do poder político e da lealdade partidária, a Oposição Operária foi expulsa do partido e muitos de seus líderes (incluindo Shliapnikov e Medvedev) mais tarde seriam julgados e executados por seus pequenos desvios da ideologia partidária ortodoxa. Assim como Trótski, a Oposição Operária seria destruída pelas estruturas autoritárias que ajudaram a criar com o abandono dos rebeldes de Kronstadt, marcando a derrota final da única força na Rússia que poderia tê-los resgatado de seu destino.
Publicado no Facebook em 03 de Setembro de 2020.Referências:
Notas:
[1] Traduzido por Medvedev Sergei Pavlovich a partir do original, disponível em:
https://libcom.org/history/1919-1922-workers-opposition
[2] Publicado pela página
Crítica Desapiedada
Link
Postagem original:
https://criticadesapiedada.com.br/…/esquerda…/
Imagem da postagem:
Lideranças da Oposição Operária participando de evento do Partido Comunista, com destaque para Alexandra Kollontai, autora do famoso panfleto “A Oposição Operária”.
Paulo Freire, talvez o maior intelectual brasileiro da história, fez, durante seu exílio em Santiago, Chile, em 1968, esse prefácio maravilhoso à sua obra mais conhecida, a “Pedagogia do oprimido”.
Nesse texto, que vale a leitura completa, Freire fala sobre a liberdade, a conscientização e também sobre o sectarismo como opção infeliz de ação política.
Uma reflexão imprescindível à ação espírita e social. Portanto, espíritas, não basta pensar o espírito e o mundo, é preciso transformá-los!
Primeiras palavras[1]
Paulo Freire
AOS ESFARRAPADOS DO MUNDO
E AOS QUE NELES SE
DESCOBREM E, ASSIM
DESCOBRINDO-SE, COM ELES
SOFREM, MAS, SOBRETUDO,
COM ELES LUTAM.
As páginas que se seguem e que propomos como uma introdução à “Pedagogia do oprimido” são o resultado de nossas observações nestes cinco anos de exílio. Observações que se vêm juntando às que fizemos no Brasil, nos vários setores em que tivemos oportunidade de exercer atividades educativas.
Um dos aspectos que surpreendemos, quer nos cursos de capacitação que damos e em que analisamos o papel da conscientização, quer na aplicação mesma de uma educação realmente libertadora, é o “medo da liberdade”, a que faremos referência no primeiro capítulo deste ensaio.
Não são raras as vezes em que participantes destes cursos, numa atitude em que manifestam o seu “medo da liberdade”, se referem ao que chamam de “perigo da conscientização”. “A consciência crítica (… dizem…) é anárquica.” Ao que outros acrescentam: “Não poderá a consciência critica conduzir à desordem”? Há, contudo, os que também dizem: “Por que negar? Eu temia a liberdade. Já não a temo”!
Certa vez, em um desses cursos, de que fazia parte um homem que fora, durante longo tempo, operário, se estabeleceu uma dessas discussões em que se afirmava a “periculosidade da consciência critica”. No meio da discussão, disse este homem: “Talvez seja eu, entre os senhores, o único de origem operária. Não posso dizer que haja entendido todas as palavras que foram ditas aqui, mas uma coisa posso afirmar: cheguei a esse curso, ingênuo e, ao descobrir-me ingênuo, comecei a tornar-me crítico. Esta descoberta, contudo, nem me faz falta e me dá a sensação de desmoronamento”. Discutia-se, na oportunidade, se a conscientização uma situação existencial, concreta, de injustiça, não poderia conduzir os homens dela conscientizados, a um “fanatismo destrutivo” ou a uma “sensação de desmoronamento total do mundo em que estavam esses homens”.
A dúvida, assim expressa, implicita uma afirmação nem sempre explicitada, no que teme a liberdade: “Melhor será, que a situação concreta de injustiça não se constitua num ‘percebido’ claro para a consciência dos que a sofrem”.
Na verdade, porém, não é a conscientização que pode levar o povo à “fanatismos destrutivos”. Pelo contrário, a conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação.
“Se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, se deve a que estas são componentes reais de uma situação de opressão”[2].
O medo da liberdade, de que necessariamente não tem consciência o seu portador, o faz ver o que não existe. No fundo, o que teme a liberdade se refugia na segurança vital, como diria Hegel[3], preferindo-a à liberdade arriscada.
Raro, porém, o que manifesta explicitamente este receio da liberdade. Sua tendência é, antes, camuflá-la, num jogo manhoso, ainda que, às vezes, inconsciente. Jogo artificioso de palavras em que aparece ou pretende aparecer como o que defende a liberdade e não como o que a teme.
Às suas dúvidas e inquietações empresta um ar de profunda seriedade. Seriedade de quem fosse o zelador da liberdade. Liberdade que se confunde com a manutenção do status quo. Por isto, se a conscientização põe em discussão este status quo ameaça, então, a liberdade.
As afirmações que fazemos neste ensaio, não são, de um lado, fruto de devaneios intelectuais nem tampouco, de outro, resultam, apenas, de leituras, por mais importantes que nos tenham sido estas. Estão sempre ancoradas, como sugerimos no início destas páginas, em situações concretas. Expressam reações de proletários, camponeses ou urbanos, e de homens de classe média, que vimos observando, direta ou indiretamente, em nosso trabalho educativo. Nossa intenção é continuar com estas observações para retificar ou ratificar, em estudos posteriores, pontos afirmados neste ensaio. Ensaio que, provavelmente, irá provocar em alguns de seus possíveis leitores, reações sectárias.
Entre estes, haverá, talvez, os que não ultrapassarão suas primeiras páginas. Uns, por considerarem a nossa posição, diante do problema da libertação dos homens, como uma posição idealista a mais, quando não um “blablablá” reacionário. “Blablablá” de quem se “perde” falando em vocação ontológica, em amor, em diálogo, em esperança, em humildade, em simpatia. Outros, por não quererem ou não poderem aceitar as críticas e a denúncia que fazemos da situação opressora, situação em que os opressores se “gratificam”, através de sua falsa generosidade.
Daí que seja este, com todas as deficiências de um ensaio puramente aproximativo, um trabalho para homens radicais. Cristãos ou marxistas, ainda que discordando de nossas posições, em grande parte, em parte ou em sua totalidade, estes, estamos certos, poderão chegar ao fim do texto.
Na medida, porém, em que, sectariamente, assumam posições fechadas, “irracionais”, rechaçarão o diálogo que pretendemos estabelecer através deste livro.
É que a sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A radicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta. Enquanto a sectarização é mítica, por isto alienante, a radicalização é critica, por isto libertadora. Libertadora porque, implicando no enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva.
A sectarização, porque mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada.
Parta de quem parta, a sectarização é um obstáculo à emancipação dos homens. Daí que seja doloroso observar que nem sempre o sectarismo de direita provoque o seu contrário, isto é, a radicalização do revolucionário.
Não são raros os revolucionários que se tornam reacionários pela sectarização em que se deixam cair, ao responder à sectarização direitista.
Não queremos, porém, com isto dizer –e o deixamos claro no ensaio anterior[4]– que o radical se torne dócil objeto da dominação.
Precisamente porque inscrito, como radical, num processo de libertação, não pode ficar passivo diante da violência do dominador.
Por outro lado, jamais será o radical um subjetivista. É que, para ele, o aspecto subjetivo toma corpo numa unidade dialética com a dimensão objetiva da própria ideia, isto é, com os conteúdos concretos da realidade sobre a qual exerce o ato cognoscente. Subjetividade e objetividade, desta forma, se encontram naquela unidade dialética de que resulta um conhecer solidário com o atuar e este com aquele. É exatamente esta unidade dialética a que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a realidade para transformá-la.
O sectário, por sua vez, qualquer que seja a opção de onde parta na sua “irracionalidade” que o cega, não percebe ou não pode perceber a dinâmica da realidade ou a percebe equivocadamente.
Até quando se pensa dialético, a sua é uma “dialética domesticada”.
Esta é a razão, por exemplo, por que o sectário de direita que, no nosso ensaio anterior, chamamos de “sectário de nascença” pretende frear o processo, “domesticar” o tempo e, assim, os homens. Esta é a razão também porque o homem de esquerda, ao sectarizar-se, se equivoca totalmente na sua interpretação “dialética” da realidade, da história, deixando-se cair em posições fundamentalmente fatalistas.
Distinguem-se, na medida em que o primeiro pretende “domesticar” o presente para que o futuro, na melhor das hipóteses, repita o presente “domesticado”, enquanto o segundo transforma o futuro em algo pré-estabelecido, uma espécie de fado, de sina ou de destino irremediáveis. Enquanto, para o primeiro, o hoje ligado ao passado, é algo dado e imutável; para o segundo, o amanhã é algo pré-dado, prefixado inexoravelmente. Ambos se fazem reacionários porque, a partir de sua falsa visão da história, desenvolvem um e outro formas de ação negadoras da liberdade. É que, o fato de um conceber o presente “bem comportado” e o outro, o futuro como predeterminado, não significa que se tornem espectadores, que cruzem os braços, o primeiro, esperando a manutenção do presente, uma espécie de volta ao passado; o segundo, à espera de que o futuro já “conhecido” se instale.
Pelo contrário, fechando-se em um “círculo de segurança”, do qual não podem sair, estabelecem ambos a sua verdade. E esta não é a dos homens na luta para construir o futuro, correndo o risco desta própria construção. Não é a dos homens lutando e aprendendo, uns com os outros, a edificar este futuro, que ainda não está dado, como se fosse destino, como se devesse ser recebido pelos homens e não criado por eles.
A sectarização, em ambos os casos, é reacionária porque, um e outro, apropriando-se do tempo de cujo saber se sentem igualmente proprietários, terminam sem o povo, uma forma de estar contra ele.
Enquanto o sectário de direita, fechando-se em “sua” verdade, não faz mais do que o que lhe é próprio, o homem de esquerda, que se sectariza e também se encerra, é a negação de si mesmo.
Um, na posição que lhe é própria; o outro, na que o nega, ambos girando em torno de “sua” verdade, sentem-se abalados na sua segurança, se alguém a discute. Daí que lhes seja necessário considerar como mentira tudo o que não seja a sua verdade. “Sofrem ambos da falta de dúvida”[5].
O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em “círculos de segurança”, nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la.
Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos[6]. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar.
Se a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do revolucionário. Daí que a pedagogia do oprimido, que implica numa tarefa radical, cujas linhas introdutórias pretendemos apresentar neste ensaio e a própria leitura deste texto não possam ser realizadas por sectários.
Queremos expressar aqui o nosso agradecimento a Elza, de modo geral nossa primeira leitora, por sua compreensão e estímulos constantes a nosso trabalho, que também é seu. Agradecimento que estendemos a todos quantos leram os originais deste ensaio pelas críticas que nos fizeram, o que não nos retira ou diminui a responsabilidade pelas afirmações nele feitas.
Publicado no Facebook em 30 de Agosto de 2020.Ref:
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.
[2] WEFFORT, Francisco. Prefácio a Paulo Freire: educação como prática da liberdade.
[3] HEGEL, Georg W. F. A fenomenologia do espírito.
[4] FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade.
[5] ALVES, Márcio Moreira. Conversa de Paulo Freire com o autor.
[6] “Enquanto o conhecimento teórico permaneça como privilégio de uns quantos ‘acadêmicos’ dentro do Partido, este se encontrará em grande perigo de ir ao fracasso”. LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução?
Nossos irmãos do candomblé e da umbanda têm sofrido sistemática e contundentemente o ódio dos religiosos fanáticos fundamentalistas e têm sido o alvo preferencial do racismo estrutural e da perseguição do estado aparelhado pelo neofascismo cristão.
Todo o apoio e solidariedade à luta de terreiros e centros em prol da liberdade religiosa e do estado verdadeiramente laico.
Não se enganem, espíritas, que suas instituições também serão, mais cedo ou mais tarde, perseguidas e vilipendiadas por esse ódio religioso que se espraia como um câncer nefasto na sociedade brasileira.
Abaixo, postagem da escritora e professora da UERJ,
Stela Guedes Caputo
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“Amigos e amigas, todos e todas nós acompanhamos estarrecidos e estarrecidas o caso recente de uma mãe, em Araçatuba, que perdeu a guarda de sua filha de 12 anos, por estar se iniciando no candomblé. Sem qualquer amparo legal, a aberração jurídica já foi revertida e mostrou, mais uma vez, como atua o racismo religioso em nosso país. Nós, do KéKeré, reunimos alguns instrumentos legais para fortalecer a nossa luta pela liberdade religiosa e contra o racismo religioso. O terreiro é UM DIREITO das crianças e pedimos o apoio dos lutadores e lutadoras antirracistas e pela liberdade religiosa nessa campanha. Professores e professoras podem usar em suas aulas em que a alteridade precise ser defendida, explicada (não precisava, mas o racismo religioso exige isso). Os terreiros podem imprimir, podem conversar com seus membros, em especial, as crianças. O terreiro é um direito da infância. Quem desejar, aqui no face, pode ajudar a compartilhar.”
Publicado no Facebook em 22 de agosto de 2020.
A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovou em primeiro turno, na última terça-feira, dia 18 de agosto, um projeto de lei que propõe proibir quaisquer exposições artísticas em espaços públicos que contenham “teor pornográfico”, entendido no texto como “expressões artísticas ou culturais que contenham fotografias, textos, desenhos, pinturas, filmes e vídeos que exponham o ato sexual e a performance com atrizes ou atores desnudos”.
Imagem: Wikicommons/Reprodução
Mas não só, o texto do projeto de lei ainda a ser submetido a nova votação na CLDF pelos deputados e deputadas distritais também propõe vetar a exibição de “símbolos religiosos” que, conforme o projeto, são “elementos, objetos cultuados pelas diversas matrizes religiosas que representam o sagrado e a fé de seus seguidores”.[2]
Resumindo, o que a retrógrada, conservadora e reacionária CLDF quer propor aos moradores de Brasília é a censura, apenas isso. Proibir nudez e símbolos religiosos nas artes é, por exemplo, censurar todas as manifestações renascentistas e medievais. É censurar qualquer peça em teatro público que traga temática adulta ou religiosa.
Proibir e censurar corpos desnudos é uma obsessão freudiana que traduz as dificuldades dessa estranha gente cheia de traumas e dificuldades em suas vidas privadas. Proibir e censurar manifestações artísticas que exponham símbolos religiosos é colocar a fé acima da cultura popular e isso é inaceitável num estado que se proponha a ser laico.
O projeto de lei da CLDF, que vem sofrendo críticas justas e severas de todos aqueles que se opõem a esse passo injustificado rumo a uma teocracia fundamentalista cristã, é uma peça que bem se encaixaria, por exemplo, num contexto de cerca de mil anos atrás. Mas que no século XXI é uma barbaridade inaceitável e repugnante.
Caso essa insanidade jurídica seja aprovada pelos estouvados deputados brasilienses, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) lhe cassar a vigência por clara afronta ao princípio constitucional da liberdade de expressão artística, como bem colocado no inciso IX do art. 5º:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
…………………
IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
…………………”[3]
Cabe a todos os cidadãos manterem-se atentos a essas reiteradas tentativas do protofascimo neopentecostal de retirar direitos e liberdades em nome da sua fé doentia.
Publicado no Facebook em 20 de agosto de 2020. Ref:
[1] Toda nudez será castigada – Nome de famosa peça de teatro de Nelson Rodrigues que fala justamente da hipocrisia das famílias tradicionais e conservadoras.
[2] https://www.metropoles.com/…/cldf-adia-votacao-em-2o…
[3] https://www.senado.leg.br/…/con1988_15.12.2016/art_5_.asp
A escritora canadense Margaret Atwood lançou, em 1985, um livro intitulado “The Handmaid’s Tale”, que se tornou famoso após ser transformado em série televisiva. Em português, o livro se chama “O conto de aia”.
Imagem: Cena da segunda temporada da série “The Handmaid’s Tale”.
A trama ocorre num futuro não muito distante, quando as taxas de fertilidade caem em todo o mundo por causa de problemas ambientais, poluição e doenças sexuais. Surge então, como solução, um governo totalitário: a República de Gilead, uma teocracia fundamentalista cristã, que governa sobre o “antigo” Estados Unidos. A nova sociedade é militarizada, hierarquizada e dividida em castas, nas quais as mulheres são brutalmente subjugadas e, por lei, não têm permissão para trabalhar, possuir propriedades, controlar dinheiro ou até mesmo ler.
Mulheres férteis são recrutadas entre as poucas mulheres fecundas remanescentes em Gilead. Elas são chamadas de “aias” (“handmaid”), em acordo com uma interpretação ortodoxa e fundamentalista dos livros cristãos. Elas são designadas para as casas da elite governante, onde devem se submeter a estupros ritualizados com seus mestres masculinos para engravidar e ter filhos para aqueles homens e suas respectivas esposas.
Já basta a breve descrição acima para entender que se trata duma distopia fanatizada em que a razão e o respeito cedem lugar aos fundamentalistas cristãos, que passam a dominar a sociedade com sua fé doentia e iracunda.
No Brasil, uma menina de dez anos(!!) estuprada por um tio durante quatro anos ficou grávida e teria, por lei, o direito de retirar o resultado do estupro pedófilo. Alguns fanáticos religiosos, agindo ao arrepio da lei, incluindo alguns parlamentares de Pernambuco, foram ao hospital onde ocorreria o procedimento cirúrgico legal para xingar e agredir a criança e o médico, chamando-os de “assassinos”, dentre outras barbaridades.
Uma criança de dez anos, que certamente correria sérios riscos de morte se levasse sua gravidez adiante, deveria, na visão deturpada dessa estranha gente, suportar esse risco em nome duma fé ortodoxa e irrefletida. Para eles, a vida da criança teria menos valor que a vida do feto.
As crenças de qualquer grupo são crenças para pautar suas relações pessoais com a sociedade, jamais ao contrário, para impor sua fé aos demais membros da sociedade que são livres para professá-la ou não: esse é o princípio fundamental do estado laico, conquista da modernidade que superou os horrores de eras fundamentalistas que deixaram suas marcas de ódio, tortura e morte em nome da fé.
A criança já foi submetida ao procedimento necessário e legal e as últimas informações noticiadas dizem que ela passa bem, apesar das tristes manifestações dos fanáticos nos momentos que antecederam a cirurgia.
Essa gente que diz falar em nome da fé, de seus deuses e de Jesus pretende estabelecer uma teocracia fundamentalista cristã aqui no Brasil, um similar cristão ao estado islâmico, uma ditadura pautada em sua tosca hermenêutica de livros escritos há mais de três mil anos e que servem de base ao seu credo insano.
Muitos espíritas manifestaram-se a favor dessa estranha gente, o que certamente envergonha e mancha o movimento espírita pautado na razão e na ciência.
Mas haverá resistência. Sempre. Porque as luzes da razão, do respeito e da fraternidade, ao fim e ao cabo, prevalecerão sobre esse mórbido desejo de implantar uma República de Gilead nessas terras tupiniquins.
Publicado no Facebook em 17 de agosto de 2020. Links das notícias:
A escuridão fundamentalista:
https://revistaforum.com.br/…/cachorras-no-cio-mulher…/
As luzes da resistência:
https://revistaforum.com.br/…/mulheres-vao-para-frente…/